André Veríssimo
Rui Pinto ganhou um lugar na história do futebol profissional português. Não pelo método, obviamente ilegal, mas porque os documentos que alegadamente obteve e difundiu provocaram um terramoto judicial de dimensões inéditas e consequências ainda difíceis de prever.
O "hacker" português pode até ser movido pelo desejo de expor os "podres" do futebol, como chegou a dizer, mas é evidente que o fazia por dinheiro. Sendo o modo e a conduta condenável, Rui Pinto não teria a atenção que está a ter caso não houvesse matéria nos servidores dos clubes que aponta para actos de gestão questionáveis e a intenção de adulterar a verdade desportiva, em particular no caso do Benfica.
O quadro pintado pelos vários casos de justiça do futebol português é o de uma competição onde existe um sistema de condicionamento dos seus agentes e uma luta permanente pelo domínio desse sistema. Há um jogo de bastidores a que se dedica tanta energia como à competição dentro das quatro linhas.
Energia e recursos, humanos e financeiros. Era assim no tempo do Apito Dourado e do Apito Final e é assim agora, ainda que com novos intervenientes. São árbitros, agentes da liga e até judiciais, numa imensa teia de influência.
A forma como o FC Porto e Franscico J. Marques aproveitaram os emails, pagos ou não pagos, obedece à mesma lógica. Mais do que remeter elementos para a justiça e deixá-la fazer o seu papel, os emails serviram para tentar conseguir vantagem fora do campo. Não foi uma limpeza, só mais sujeira.
As suspeitas do E-Toupeira são o grau zero, ao somarem a tudo o resto a violação do sistema judicial. É uma ironia que um esquema que permitia o acesso electrónico a processos usando "passwords" roubadas tenha sido descoberto em mensagens de correio electrónico roubadas por um "hacker". Quem com ferro mata…
Luís Filipe Vieira pode lavar as mãos, até porque não é arguido neste caso, mas ninguém acredita que não soubesse ou ordenasse. A saída de Paulo Gonçalves não o iliba. Qual a conduta mais condenável, a do pirata ou a do presidente?
Numa altura em que se discute a recondução de Joana Marques Vidal, o trabalho do Ministério Público nesta matéria é mais um elemento que concorre para a sua manutenção no cargo, que felizmente vai parecendo cada vez mais certa. Tal como noutros domínios, há outra esperança no fim da impunidade.
Mas ela é ténue. Enquanto nós adeptos continuarmos a encher estádios e audiências televisivas com total indiferença em relação ao comportamento ético dos líderes dos clubes, dificilmente teremos mudanças de fundo.