Papa alerta para "urgência dramática de cuidar da casa comum" e volta a citar Pessoa e Sophia
Considerando que "procurar e arriscar" são os verbos dos peregrinos, sublinhou que "não devemos ter medo de nos sentir inquietos"

"Como alguns de vós sublinharam, devemos reconhecer a urgência dramática de cuidar da casa comum. No entanto, isso não pode ser feito sem uma conversão do coração e uma mudança da visão antropológica subjacente à economia e à política", afirmou Francisco.
Na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, na primeira iniciativa pública do seu segundo dia de deslocação a Portugal para presidir à Jornada Mundial da Juventude (JMJ), após ouvir testemunhos de quatro jovens e da reitora da instituição, que abordaram diversos temas, Francisco sustentou que, no âmbito da defesa do planeta, as pessoas não se devem contentar "com simples medidas paliativas ou com tímidos e ambíguos compromissos".
"Neste caso, os meios-termos são apenas um pequeno adiamento do colapso", declarou, mencionando a sua encíclica "Laudato si'", para defender tratar-se, "pelo contrário, de tomar a peito o que infelizmente continua a ser adiado, a necessidade de redefinir" o que se designa de progresso e evolução.
Para o chefe de Estado do Vaticano, que na quarta-feira tinha abordado a temática ambiental, "em nome do progresso, já abriu caminho muito retrocesso", preconizando que a atual geração é que "pode vencer este desafio".
"Tendes instrumentos científicos e tecnológicos mais avançados, mas, por favor, não vos caiam na cilada de visões parciais", declarou, defendendo a necessidade de uma ecologia integral, de escutar o sofrimento do planeta juntamente com o dos pobres, de colocar o drama da desertificação em paralelo com o dos refugiados, o tema das migrações juntamente com o da queda da natalidade.
Na intervenção em espanhol, o líder da Igreja Católica falou ainda da economia, considerando "interessante" que, na nova cátedra dedicada à Economia de Francisco (São Francisco de Assis), hoje anunciada pela reitora da universidade, se tenha incluído Santa Clara de Assis. O Papa escolheu o nome de Francisco para o pontificado inspirado em São Francisco de Assis.
"De facto, o contributo feminino é indispensável. No consciente coletivo quantas vezes pensamos que as mulheres são de segunda, são suplentes, não jogam a titular. E isso existe no consciente coletivo", frisou.
Segundo Francisco, "na Bíblia vê-se como a economia familiar está em grande parte na mão da mulher", pois ela, com a sua sabedoria, é a "verdadeira governante da casa, que não tem como objetivo exclusivamente o lucro, mas o cuidado, a convivência, o bem-estar físico e espiritual de todos, bem como a partilha com os pobres e os estrangeiros".
"É entusiasmante abordar os estudos económicos com esta perspetiva, tendo em vista devolver à economia a dignidade que lhe corresponde, para que não caia no mercado selvagem e da especulação", acrescentou.
"Não basta que um cristão esteja convencido, deve ser convincente"
Também aos jovens universitários, o Papa Francisco afirmou que "não basta que um cristão esteja convencido, deve ser convincente", e que o cristianismo "não pode ser habitado como uma fortaleza cercada de muros"."Não basta que um cristão esteja convencido, deve ser convincente. As nossas ações são chamadas a refletir a beleza jubilosa e, simultaneamente, radical do Evangelho", afirmou Francisco, na Universidade Católica Portuguesa, cumprindo a primeira iniciativa do seu segundo dia em Portugal, para presidir à Jornada Mundial da Juventude (JMJ).
Pedindo aos jovens para que tornem "credível a fé através das vossas escolhas", o líder da Igreja Católica frisou que se a fé não gera estilos de vida convincentes, não faz levedar a massa do mundo".
"Além disso, o cristianismo não pode ser habitado como uma fortaleza cercada de muros, que ergue baluartes contra o mundo", alertou, numa intervenção em língua espanhola.
Aos jovens universitários, que classificou como "empreendedores de sonhos", pediu para que sejam "coreógrafos da dança da vida".
"Neste momento histórico, os desafios são enormes e os gemidos dolorosos, mas abracemos o risco de pensar que não estamos numa agonia, mas num parto, não no fim, mas no início dum grande espetáculo. Por isso, sede protagonistas de uma nova coreografia que coloque no centro a pessoa humana, sede coreógrafos da dança da vida", afirmou Francisco.
O papa referiu-se ao discurso da reitora da instituição, Isabel Capeloa Gil, segundo a qual todos se sentem peregrinos.
"Literalmente, significa deixar de lado a rotina habitual e pôr-se a caminho com um intento, que pode ser o de um passeio pelos campos ou ir mais além dos nossos confins habituais", adiantou, para sublinhar, que, qualquer que seja a situação, se deixa "o espaço de conforto pessoal rumo a um horizonte de sentido".
Para o Papa, "na imagem do peregrino espelha-se a condição humana", pois todos são chamados a confrontar-se com grandes perguntas para as quais não há respostas simples, nem imediatas.
"Trata-se de um processo que um universitário compreende bem, pois é assim que nasce a ciência. E, de igual modo, cresce também a busca espiritual", prosseguiu, exortando os estudantes para que desconfiem "das fórmulas pré-fabricadas, das respostas" que parecem ao alcance da mão e "das propostas que parecem dar tudo sem pedir nada".
Considerando que "procurar e arriscar" são os verbos dos peregrinos, o Papa citou, mais uma vez, Fernando Pessoa, que escreveu "estar insatisfeito é ser homem".
"Não devemos ter medo de nos sentir inquietos, de pensar que tudo o que possamos fazer não basta. Neste sentido e dentro duma justa medida, ser descontente é um bom antídoto contra a presunção da autossuficiência e o narcisismo", realçou.
Segundo Francisco, não há lugar a alarme se se encontrarem "intimamente sedentos, inquietos, incompletos, desejosos de sentido e de futuro, com saudades do futuro. Tal significa que não se está doente, mas apenas vivo".
"Preocupemo-nos, antes, quando estamos dispostos a substituir a estrada a fazer por qualquer estação de serviço (...), quando substituímos os rostos pelos ecrãs, o real pelo virtual, quando, em vez das perguntas lacerantes, preferimos as respostas fáceis que anestesiam", acrescentou, pedindo aos jovens universitários, aos quais chamou de amigos, para que procurem e arrisquem.
Este encontro, que terminou com a recitação de um Pai Nosso, foi a primeira iniciativa do Papa no seu segundo dia da deslocação a Portugal.
A JMJ, que começou na terça-feira e termina no domingo, é considerado o maior evento da Igreja Católica.