João Mário concedeu uma entrevista, onde aborda a relação com Roger Schmidt, os companheiros e revela alguns segredos do balneário, nomeadamente quem é o DJ antes dos jogos. Numa entrevista ao podcast '1 para1', efetuada no balneário do Estádio da Luz, o médio começa por contar como é o ambiente que se vive antes dos encontos.
Como é aqui o ambiente antes dos jogos?
"Estamos num cenário porreiro, hoje, mais cool. Mas nos dias de jogo há mais tensão aqui, mais foco, estamos sempre mentalmente a preparar o desafio. É diferente desta conversa relaxada, mas diria que o nosso grupo de trabalho é tranquilo, há muita confiança. Não há muitos exageros."
O que fazes antes dos jogos?
"Sou supersticioso, mas cada vez menos. Na viagem do Seixal para o Estádio da Luz ouço música, mas quando chegamos ao balneário temos já um DJ estabelecido, que é o Otamendi. A música dele é muito boa. Faz-te entrar no mood do jogo. Normalmente, quando chego, por respeito ao capitão, ouço a música dele."
Dizes alguma coisa?
"Falo sempre. É importante, por ser dos mais velhos, por ter um papel importante, falar. Todos os jogos, ao intervalo, ou no início do jogo, antes do aquecimento, gosto de dar uma palavra à equipa. É importante pelo cargo que tenho, como subcapitão, e pela experiência. É fundamental numa equipa de futebol existirem líderes."
Gostas de ajudar os mais novos quando chegam ao plantel?
"No meu caso, já tenho 30 anos, já posso ajudar os novos jogadores do Seixal ou os que chegam a Portugal. São cada vez mais novos a chegar. Há jogadores com 16 ou 17 anos que vêm treinar connosco. Sinto que posso ajuda-los, já vivi fora, tive esse impacto de ter de me adaptar a uma nova realidade. Tento quebrar esse gelo."
Como foi com os jovens António Silva e João Neves?
"São os dois casos mais recentes, no caso do João [Neves] treinou uma vez connosco quando ainda estava nos sub-23 e chamou logo a atenção. Disse logo em casa aos meus familiares que o Benfica tinha ali um grande jogador. Muita gente vem ter comigo e diz-me que eu falei logo naquele jogador. Sinto que tenho olho para a coisa. O António [Silva] foi progressivo. Foi treinando connosco e quando apareceu, aproveitou muito bem a oportunidade. Quando se tem esta qualidade, as mensagens são mais para a vida pessoal, dentro de campo podes corrigir uma coisa ou outra, mas já são experientes. Se têm 18 ou 19 anos e estão a treinar com uma equipa como o Benfica, significa que têm de ser acima da média. A exigência é tão alta que têm de estar muito preparados."
Mediatismo do Benfica dificulta?
"Têm de estar prontos para isso. Não há tempo. Este contexto é único. O Benfica em Portugal é mais de metade do país, a exigência no nosso estádio é gigante. Se um jogador não estiver pronto, não vai conseguir lidar com isso. Um João Neves, António Silva, já conhecem a casa, são preparados no Seixal para isto. Não há tempo para te adaptares."
Ajudas em Campo?
"Fundamental, dentro de campo, mas já aconteceu depois de jogos não terem corrido tão bem a A ou B, dar uma palavra amiga. Não vai correr sempre bem. Há fases melhores ou piores. Faz parte do processo. As dores de crescimento são importantes. Uma palavra amiga, de alguém que já passou por isso, também os ajuda."
Na época passada tiveste 36 contribuições para golo. Surprendeste-te a ti próprio?
"Sim, de certa forma, sim. Acredito que posso sempre melhorar. A dada altura da minha carreira, muita gente dizia que nunca iria conseguir fazer muitos golos. Eu acho que podes sempre melhorar, sentia que poderia melhorar o processo de finalização se tivesse mais calma. Fui trabalhando o meu lado mental sobre isso. O ano passado foi um pouco isso. Quanto mais vais marcando, mais vais querer marcar. Consigo finalizar muito melhor agora que há cinco ou seis anos atrás."
E a marcação de penáltis, não era algo a que estivesses habituado?
"Questão dos penáltis é interessante. Num dos primeiros treinos da época, num treino aberto, houve um penálti que assumi. E o treinador deu-me essa responsabilidade para os jogos. Foi correndo sempre tão bem, fui conseguindo concretizar e foi-me dando confiança. Os penáltis é muito o lado mental. Nem eu estava à espera de marcar tantos."
Trabalha o lado mental?
"Não tenho ninguém para me ajudar, mas acho que toda a minha carreira me preparou para esta altura. Para esta exigência que tenho no Benfica. Todos os momentos negativos que tive no passado foram a melhor preparação. Se não passares por certos momentos, tu não entendes. Cada vez há mais crítica no futebol, na vida, em tudo. Acho que o facto de ter passado por tantos momentos críticos, sobretudo em Itália, preparou-me para tudo o que possa acontecer. No geral, tudo o que possa acontecer, já houve momentos que passei no passado e que agora me ajudam. Ter ajuda é importante em certos casos, toda a minha carreira foi uma preparação nesse aspeto."
Como tem sido a relação com Roger Schmidt?
"Para nós, é fundamental que tu tenhas um treinador com quem te identifiques, a nível de caráter e personalidade. Acho que nunca tinha tido um treinador, e isso é reconhecido por todos, que para além de um excelente treinador, é excelente pessoa. No futebol, isso nem sempre é compatível e acho que é o melhor elogio que lhe posso fazer. Gostaria que a minha parte futebolística fosse tão boa como a parte humana. E ele tem essa faceta, que não é fácil."
Ajudaram na adpatação do treinador?
"Teve sempre a humildade de perguntar aos jogadores por aspetos do campeonato, certos jogos, como era em certos campos, para nós também foi uma surpresa que um treinador chegasse ao pé de nós e tivesse a perceção, que como ele não conhecia, como nunca tinha passado por isso, pedisse ajuda. Acho que isso demonstra a pessoa que ele é. Nunca um treinador me tinha perguntado e tenho a certeza que o conseguimos ajudar um pouco. Foi surpreendente vê-lo a perguntar."
Rafa é o jogador do plantel com quem te dás melhor?
"É um jogador que conheço há mais tempo no plantel. Jogámos nas seleções jovens, jogámos muitas vezes um contra o outro. Estivemos juntos no Euro-2016. Mesmo durante o Euro era das pessoas com quem me dava muito. Então foi uma amizade natural, já havia muito conhecimento prévio. Hoje somos muitos mais amigos, passamos mais tempo no dia a dia. Mas também o Chiquinho, o Gonçalo Guedes, meto no mesmo patamar que o Rafa, são jogadores portugueses que tiveram mais ou menos as mesmas experiências que eu e são aqueles com quem me dou melhor.
Como explica a competitividade no futebol português?
"Parte do processo de formação. Somos, sem dúvida, das melhores formações do mundo. Há muito talento em Portugal. Já há confiança de quem vem comprar cá, há um certificado de qualidade. Basta ver a nossa seleção cada vez mais forte. Acima de tudo é isso. Quando os grandes clubes vêm cá comprar, sabem que o produto é bom. Temos boa preparação cá, numa primeira etapa, somos muito bons taticamente. Todos os treinadores da primeira liga, alguns da segunda, são bons, consegues ver que as equipas são todas muito organizadas. Temos um bom conhecimento tático que nos ajuda lá fora. Somos um país muito completo no que diz respeito ao futebol."
Como foi a passagem por Inglaterra?
"Incrível. Londres sempre foi a minha cidade preferida. Joguei num clube, o West Ham, onde me identifiquei muito. Desde as pessoas do clube, adeptos, nisso foi incrível a forma como me receberam, o carinho que tiveram. A Premier League é única. O dia do jogo em Inglaterra é incrível. Pouco no futebol te dá aquele estímulo. Foi uma experiência única. O West Ham foi o clube de fora de Portugal onde mais gostei de jogar."
Como foi viver em Londres?
"Saí de Itália, que é um país caótico, tendo em conta o que é ser jogador de futebol. Portugal não chega a ser tanto. Muito difícil saíres à rua sem seres reconhecido. Inglaterra foi incrível por isso. Gosto de sair à rua e passar despercebido, ter a minha vida pessoal. Obviamente, tenho noção da minha profissão, mas em Inglaterra, depois de sair da realidade de Milão, ir para Londres, andar de metro e ninguém me abordar, foi incrível. Deu para explorar a cidade."
Por Valter Marques