Quatro meses depois de ter saído do Benfica, o ex-diretor do departamento de futebol profissional dos encarnados quebrou o silêncio. Fala de tudo e aponta o dedo a Jorge Jesus
RECORD – O que correu mal nesta sua segunda passagem pelo Benfica?
ANTÓNIO CARRAÇA – Todos os projetos de vida ou profissionais têm objetivos. Individuais e coletivos. Do ponto de vista individual, foi um enorme privilégio ter liderado o departamento de futebol profissional do Benfica ao longo de dois anos. Ter estruturado e ser responsável por uma equipa, vasta e multidisciplinar, que deu sempre uma resposta profissional, competente, rápida e totalmente disponível às necessidades da equipa e do treinador, foi para mim um desafio ganho e uma experiência única e apaixonante. Do ponto de vista coletivo, além das vitórias e de muitas prestações de alto nível, o facto de termos falhado nos momentos cruciais obriga-nos, a todos, a assumir o fracasso de não termos atingido os objetivos definidos no início das épocas.
R – O problema não foi então da estrutura?
AC – O Benfica tem, na sua globalidade, uma das melhores estruturas do futebol europeu. Sempre defendi, e continuo a defender, que o próximo técnico do clube terá somente de se fazer acompanhar de um treinador de campo da sua confiança. O LAB, nas suas vertentes de Análise e de Fisiologia, o Departamento de Operações, de Segurança, Médico, de Apoio ao Jogador, de Equipamentos, de Comunicação e de Transporte são a estrutura que qualquer grande clube europeu desejaria ter.
R – Bom, então o que é que correu mal?
AC – A única coisa que correu mal foi não termos ganho os títulos que deveríamos obrigatoriamente ter ganho. Porque tínhamos a melhor estrutura, o melhor plantel, as melhores condições estruturais de trabalho, o melhor público e o melhor presidente, que nos proporcionou tudo o que uma equipa da dimensão do Benfica terá de ter para atingir o sucesso! Inclusive o seu total apoio e envolvimento.
R – Sendo assim, saiu porquê?
AC – Saí porque eu e o presidente entendemos ser a melhor decisão, de forma a defendermos os interesses da equipa e do clube. Ao longo dos meus 40 anos de profissional de futebol, sempre fui a solução e nunca o problema.
R – E porque é que essa foi a melhor solução?
AC – A partir do momento em que Luís Filipe Vieira decide renovar com Jorge Jesus, fica claro que a minha saída é inevitável. Quando o presidente, de forma convicta, aposta na continuidade de um técnico, que na minha perspetiva não reunia as condições – técnicas, psicológicas, de relacionamento humano e de imagem pública – para continuar a ser treinador do Benfica, este teria de ser o lógico desfecho.
R – Não ficou magoado com a decisão?
AC – Pode parecer estranho e contraditório, já que fiquei desempregado, mas aceito e compreendo a decisão do presidente. Do meu presidente. Quem como ele tem trabalhado para que o projeto desportivo do Benfica tenha sucesso, criando, com grande criatividade e engenho, as condições estruturais e humanas necessárias para os títulos, é perfeitamente natural que as opções tenham de se fazer. E essa é a sua função! Por isso é que é o presidente do Benfica com 83 por cento dos votos a sufrágio nas últimas eleições. Continuo, por isso, e porque sou seu amigo, a dar-lhe como sempre o meu apoio. E a defender o seu projeto e a sua continuidade à frente do Benfica.
R – Acha que Jesus não deveria ter continuado no Benfica por ter perdido as três competições?
AC – Nos meus relatórios, e ao pormenor, eram abordadas todas as questões estruturais, individuais e de funcionalidade do departamento de futebol. E aí defendi o fim de ciclo do treinador Jorge Jesus no Benfica. Por defender esta decisão, terminou o pequeno ciclo António Carraça.
R – Sentiu-se como um bode expiatório no final da época? Afinal, foi a sua cabeça que rolou como se fosse o mal de todos os pecados?
AC – De forma nenhuma. Quem como eu vive do e para o futebol profissional, sabe que o que se passa na realidade não é do conhecimento público. O que transparece na comunicação social é reflexo de falsas confidências, telefonemas com intenções determinadas, influências de amigos, um sem-número de virtualidades que não correspondem à verdade. Não houve bodes expiatórios, tão-somente decisões de índole política e de gestão de prioridades!