Ninguém te esqueceu Robert: Enke faria hoje 47 anos

Não fosse a depressão e hoje seria dia de festa para Robert Enk, que celebraria 47 anos junto da família e amigos. Nunca saberemos se o antigo guarda-redes optaria por continuar ligado ao jogo e se hoje seria um treinador ou até dirigente de um qualquer emblema da Bundesliga. Nem saberemos se já teria optado por cumprir o sonho de vir viver para Portugal. Sabemos apenas que decidiu, em 2009, colocar ponto final numa vida dedicada ao futebol e à família, deixando o desporto-rei mais pobre e obrigando a opinião pública a debater algo que raramente era alvo de análise - a saúde mental.

A viúva Teresa, em conjunto com a Fundação Robert Enke, lançou os Dias da Saúde Mental, que se celebram entre 23 e 25 de agosto, para assinalar a data do aniversário do antigo guarda-redes e puxar uma vez mais o tema para junto de todos os amantes do futebol. Porque apenas revivendo a decisão mais difícil de Robert Enke podemos lançar luz sobre o assunto e ajudar todos aqueles que passam pelo mesmo.

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O dia de todos os medos

A 10 de novembro de 2009 Robert Enke saiu de casa pela manhã e disse à mulher que ia chegar tarde. Tinha duas sessões de treino marcadas com o treinador de guarda-redes do Hannover e não era necessário que esperasse por ele. Teresa acreditou.

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Só que ao final do dia Enke não apareceu em casa e Teresa ficou preocupada. Telefonou ao treinador de guarda-redes e soube que afinal não tinha havido qualquer treino marcado. Soaram os alertas, Teresa temeu o pior. Ligou de seguida ao empresário de Robert, em pânico. Ele pediu-lhe para ver em casa se o marido lhe tinha deixado algum bilhete e Teresa encontrou uma carta no quarto. "Querida Terri..."

Enke vagueou durante 8 horas de carro, sozinho, sem rumo. Até que parou o Mercedes a uns metros da estação Neustadt am Rubenberge, nos arredores de Hannover, não muito longe do cemitério onde a filha Lara estava sepultada, e decidiu que tudo terminava ali. Caminhou umas centenas de metros pela linha férrea e acabou por ser mortalmente colhido por um comboio regional, com a polícia de Hannover a revelar mais tarde que teve morte imeditata. O maquinista não recuperou do choque até hoje.

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O guarda-redes, de 32 anos, vivia com uma grave depressão e pouca gente o sabia. Nunca superou a morte da filha Lara, de apenas dois anos, em 2006. A menina nasceu com um problema cardíaco grave e morreu devido a complicações ocorridas numa cirurgia aos ouvidos. O casal adotou depois uma criança, Leila, de dois meses, que tinha 8 meses quando o pai morreu. Robert adorava-a, mas Lara não lhe saía da cabeça...

Era acompanhado por um médico, Valentin Makser, que confirmou o estado depressivo do jogador. Enke tinha medo que a opinião pública soubesse da sua condição e que, de alguma forma, lhe pudessem retirar a filha.

Os problemas psicológicos do guarda-redes começaram no Barcelona, depois de se transferir do Benfica. Em Lisboa viveu um dos melhores períodos da sua vida. O casal adorava a cidade, as pessoas, o clima... De resto, ainda hoje Teresa passa férias na zona de Sintra. Planeavam um dia mudar-se para Portugal.

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Enke e Teresa viviam perto de Monsanto. Enquanto a maior parte dos jogadores do Benfica residia na zona de Telheiras, o alemão preferia estar mais perto da natureza e dos animais. O casal salvava tudo o que era animal abandonado que lhe aparecesse à porta.

O guarda-redes chegou à Luz em 1999, numa fase em que o Benfica passava por um momento conturbado, com a presidência de João Vale e Azevedo, e saiu em 2002, rumo ao Barcelona. Na biografia do jogador, o jornalista Ronald Reng conta que Enke teve uma proposta do FC Porto e que não aceitou, por respeito ao Benfica. Foi para a Catalunha, mas arrependeu-se pouco depois. Começaram aí a maior parte dos seus problemas...

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Esteve quase um ano sem jogar. Foi ultrapassado por Víctor Valdés. Mas num jogo da Taça do Rei o treinador Louis van Gaal colocou o alemão na baliza, diante do modesto Novelda, último classificado da 3.ª divisão. E o Barcelona perdeu por 3-2. "Enke assinou a sua sentença", escreveu o diário 'Sport' na altura. Frank de Boer, o capitão de equipa, culpou publicamente o guarda-redes pela derrota.

"No primeiro golo eu estava muito perto da baliza. Talvez o Reiziger não tenha estado bem, mas o que é claro é que o guarda-redes devia ter saído e não o fez. Talvez eu não tenha estado bem, mas o guarda-redes tinha que ter feito melhor, porque a bola ia à figura", declarou aos jornalistas.

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Desejou nunca ter saído do Benfica, onde era feliz. Acabou por rumar à Turquia, ao Fenerbahhçe, por empréstimo, mas ao cabo de apenas 13 dias estava de regresso a Barcelona. Depois de uma derrota por 3-0, em que os adeptos lhe atiraram objetos da bancada e o ofenderam verbalmente, Enke não aguentou. Foi nesta fase que começou a ser seguido pelo já mencionado Dr. Makser. Com a autoestima muito em baixo rumou ao Tenerife.

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Em 2004 regressou à Alemanha, assinando pelo Hannover. Foi este o clube que o catapultou para a seleção da Alemanha, mas nem isso o fazia sorrir. Enke vivia com medo do fracasso, da crítica, de perder o futebol e a filha. Havia dias em que não queria sair da cama, em que se sentia mal, muito mal. Ninguém no clube sequer suspeitou, todos pensavam que não era muito falador porque era uma pessoa reservada. Nada mais errado.

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O Dr. Makser queria interná-lo, mas ele dizia que não, que estava bem. Mas não estava. Enke achou que apenas a morte o podia livrar daquele fardo e marcou encontro com ela naquele final de tarde do dia 10 de novembro de 2009. "Por vezes o amor não basta", constatou Teresa, que sempre fez de tudo para resgatar o marido da tristeza em que estava atolado.

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A saudade dos verdadeiros amigos

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Esta morte inundou o futebol mundial de uma tristeza imensa. As reações não se fizeram esperar e chegaram dos quatro cantos do planeta. Hoje, mais do que enumerar depoimentos avulsos, destacamos aqueles que mais sentiram esta lamentável perda.

O argentino Roberto Bonano, que se retirou em 2008 no Alavés, foi companheiro de equipa do alemão no Barcelona e nunca esqueceu o antigo colega. 

"Para mim foi muito amargo receber a notícia da morte do Enke. Foi estranho porque partilhámos um ano juntos no Barcelona. Eu sabia que ele estava a passar por um mau momento, mas pensava que era devido a um problema desportivo. Ele chegou de Portugal como uma estrela, pensou que viria para ser titular e não foi. Depois, quando chegou a sua vez de jogar na Taça do Rei, com um resultado adverso, não teve um bom desempenho. A equipa perdeu e ele sofreu muito", recordou Bonano, agora com 54 anos, em entrevista ao 'Relevo'.

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O argentino era o titular na baliza dos catalães, relegando Enke para o banco: "Achei que era o seu carácter, que era difícil para um alemão comunicar num país novo. E ele não falava muito bem a língua. Nenhum de nós sabia dos seus problemas pessoais e isso irritava-me, porque muitas vezes partilhava o quarto com ele nos estágios e nunca falámos de modo a que ele me contasse alguma coisa. Talvez não houvesse muito que pudesse fazer, mas podia recomendar-lhe que falasse com alguém", lamentou.

Olhando para trás, Bonano ainda não consegue compreender como foi possível ninguém ter reparado na depressão que dominou Robert Enke: "Surpreende-me que o seu empresário também não soubesse, que a sua mulher não o tivesse tornado público mais cedo para o podermos ajudar. Mas bem, é sempre difícil transferir as fraquezas para os outros quando se está num ambiente em que é preciso mostrar-se sempre forte e pouco vulnerável."

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"Decidiu suicidar-se no melhor momento da sua carreira, era a estrela do Hannover, havia rumores de que ia regressar à seleção alemã. Foi muito estranho e todos os anos, quando chega a data da sua morte, há sempre pessoas que me fazem lembrar dele. Lembro-me sempre da sua mulher, que criou uma fundação para ajudar pessoas que possam estar a passar pelo mesmo", rematou.

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A carta redigida por Per Mertesacker

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Per Mertesacker não esquece o amigo. Por essa razão, o experiente central chegou a escrever uma carta a Robert Enke, publicando-a no site oficial da Fundação do malogrado guardião.

"Quando chegava ao hotel para um jogo internacional, fazia sempre duas coisas: o check-in e ligar ao Robert. ‘Já cá estás? Acabo de chegar. Vens ao meu quarto?’ Depois sentávamo-nos e falávamos de tudo o que nos vinha à cabeça", revelou, acrescentando os tempos que partilhou com Enke no Hannover 96, entre 2004 e 2006.

"Robert entrou no balneário do Hannover no verão de 2004 e saudou-me: ‘Ah, olá, tu és o Per’. Vinha de Espanha, do Barcelona, e desde o início fiquei com a sensação de que gostava de mim. Deu-me confiança e disse-me para acreditar nas minhas qualidades, algo que passa despercebido a um jovem inseguro de 19 anos", atirou depois.

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Mertesacker refletiu ainda sobre a doença que levou Enke ao suicídio: "Os afetados pela depressão não são, de modo algum, débeis. É uma doença que pode atacar os mais fortes, como o Robert. A notícia da morte dele foi um golpe muito duro para mim. Como é que não me contou o que se passava? Éramos amigos e, entre estes, não há segredos. Mas depois percebi que ocultar a doença é um dos sintomas do doente."

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René Adler queria ver mudanças implementadas

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René Adler, guarda-redes com passagens por Mainz, Hamburgo e Leverkusen, lamenta que apesar da derrota de Robert Enke no duelo contra a depressão, nada tenha mudado. E chegou a comparar o futebol a uma batalha em que ninguém pode ter fraquezas.

"Depois da trágica morte de Robert Enke, ouvimos muitos rumores mas na verdade nada mudou. Mas provavelmente é assim o futebol. As pessoas vão ao estádio todas as semanas, pagam imenso dinheiro e querem ver luta e paixão. Não há espaço para fraquezas, isso não dá audiência nem interessa...", disse Adler, rematando: "Provavelmente devido à evolução do jogo, qualquer um pode ser um verdadeiro Messias hoje e, dentro de três dias, ser o fraco. Não há meio termo neste jogo e isso tem custos graves para muitos futebolistas."

Por João Seixas e Record
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