A norte-americana Mary Cain tinha o sonho de ser a atleta mais rápida do Mundo, mas acabou por viver um pesadelo. Integrou o Oregon Project, de Alberto Salazar, um centro de treinos patrocinado pela Nike entretanto desmantelado depois de o treinador ter
sido suspenso pela agência antidopagem dos Estados Unidos, acusado de traficar testosterona e de ter administrado substâncias proibidas a atletas.
Considerada a menina prodígio do atletismo dos Estados Unidos, com apenas 17 anos tornou-se na mais jovem norte-americana a participar num Campeonato do Mundo, tendo sido 9.ª nos 1.500 metros em Moscovo'2013. Nessa época bateu recordes e o céu parecia ser o limite.
Integrar o famoso Oregon Project, que contava com vedetas como Mo Farah e Galen Rupp, parecia-lhe o melhor caminho a seguir e deixou a universidade para se dedicar apenas ao atletismo.
"Juntei-me à Nike porque queria ser a melhor atleta de sempre. Em vez disso fui física e mentalmente abusada por um sistema desenhado pelo Alberto [Salazar], com o patrocínio da Nike", contou num vídeo partilhado pelo New York Times.
"Quando cheguei todos me convenceram que para melhorar tinha de ficar mais magra, mais magra e mais magra. Era o programa top do país. Não havia psicólogo ou nutricionista, o centro era constituído por um monte de pessoas, fãs do Alberto. Quando pedia ajuda a alguém diziam-me sempre para ouvir o Alberto. E ele dizia-me sempre para perder peso, envergonava-me publicamente se eu ganhasse algum peso. Queria dar-me anticoncecionais e diuréticos para perder peso, o que é proibido. Sentia-me muito mal. Cheguei a um ponto em que perdia uma corrida antes mesmo de começar a correr porque na minha cabeça não estava o tempo mas número que tinha visto na balança nesse dia", contou a atleta.
"O peso é importante no desporto, claro. Mas aprendi uma lição da pior maneira: quando as jovens são forçadas a esforçar-se além do normal, surgem problemas. Perde-se o período durante uns meses e esses meses transformam-se em anos. No meu caso foram três anos. Sem o período não se tem os níveis de estrogénio que mantêm os ossos fortes. Parti cinco ossos diferentes", relatou Mary Cain.
"Sentia-me só, comecei a ter pensamentos suicidas, comecei a cortar-me. Algumas pessoas viram, mas ninguém fez nada sobre isso. Em 2015 participei numa corrida, não corri bem, estava chuva, e o Alberto gritou à frente de toda a gente que eu tinha ganho 5 kg antes da prova. Eu disse-lhe nesse mesmo dia o que estava a acontecer comigo, que me cortava, e ele mandou-me para a cama", prosseguiu.
A determinada a altura Mary falou com os pais. "Eles ficaram horrorizados, mandaram-me deixar aquele local imediatamente e ir para casa. Eu já não tentava ir aos Jogos Olímpicos, tentava sobreviver. Desisti da equipa."
Mary tem 23 anos e tentar reconstruir a sua carreira, mas de forma saudável. "Fui apanhada num sistema desenhado por homens que destrói o corpo de mulheres jovens."
Salazar suspenso
Alberto Salazar cumpre uma suspensão de quatro anos que lhe foi imposta pela agência andidopagem dos Estados Unidos, depois de ter sido declarado culpado de violação das regras antidoping. Sempre negou as acusações de Mary Cain, mas outras atletas já partilharam histórias parecidas.
Uma delas foi Kara Goucher, treinada pelo técnico de origem cubada até 2011 e medalha de prata no Mundial de Osaka, em 2007. "Quando integras um programa como este, dizem-te constantemente que tens sorte em ali estar e que muitos queriam estar no teu lugar. Então pensas que não podes ir embora, que não és ninguém sem ele [Salazar]."
"Quando alguém te propõe algo que não queres fazer, seja a perda de peso ou a ingestão de medicamentos, perguntas: 'será isto realmente necessário? Talvez seja, não quero arrepender-me'. A carreira de atleta é tão curta e estás tão desesperada por capitalizar o teu sforço, mas não sabes bem a que custo", acrescentou, contando que lhe davam pouca comida e que ingeria alimentos às escondidas no dormitório.