Miguel Queiroz, capitão do FC Porto e da Seleção Nacional, foi o primeiro convidado do 'Dois para um', o podcast conjunto de Record e da Federação Portuguesa de Basquetebol que conta também, no lote de entrevistadores, com o antigo internacional português João Santos - e que pode ver na íntegra no site e YouTube de Record. Aos 34 anos, o poste, que conta com vários títulos nacionais, fez um balanço positivo da carreira mas deixou claro que ainda quer mais.
"Eu acho que é uma carreira muito bonita. Às vezes deito-me a pensar 'será que podia ter ido lá fora como profissional, que podia ter feito algo diferente?' Mas no final do dia foi a minha decisão e não estou arrependido. Não sei se vai acontecer, ainda tenho mais uns anos pela frente, se Deus quiser. Mas estou muito tranquilo com a minha carreira, é um percurso bonito e que ainda tem mais uns capítulos pela frente", disse Queiroz, que nesta altura recupera de uma operação ao ombro esquerdo que o vai manter afastado dos pavilhões por mais algum tempo: "a recuperação está a correr muito bem. Supostamente o pós-operatório são seis meses, mas acredito que possa ser menos."
Uma ausência que dificulta, naturalmente, a forma como capitaneia a equipa portista. "É mais difícil. Por exemplo, se disser 'olha, tens de correr mais' mas não o fizer, vão olhar para mim e dizer 'então anda cá tu correr'. Gosto de liderar por exemplo, não sou de berros."
Do ténis à "dica" aos irmãos
Foi no Algarve, no Portimonense, que Queiroz se iniciou no desporto, embora a atual profissão não tenha sido necessariamente o primeiro amor. "Era um grande jogador de ténis, mas chateei-me com o treinador e fui embora. Foi então que o meu pai me disse para experimentar o basquetebol, pois eu era grande. No início era mais para estar com os amigos. Eu era 'gordito' e assim fazia desporto. Mas depois começou a ser uma paixão", recordou o craque natural de Portimão e que tem mais quatro irmãos (Sofia, Catarina, Martim e Alexandre), todos eles também praticantes e a quem deixou uma "dica" em jeito de brincadeira, enquanto via uma fotografia da família na Festa do Basquetebol: "em termos de talento basquetebolístico, eu acho que sou dos que tem menos. Só que eu trabalho muito e eles são um bocadinho preguiçosos."
Numa carreira também com passagens por Barreirense, Estados Unidos e Illiabum, Queiroz revelou um momento em que "mudou o chip" no que toca à intensidade: "quando cheguei à Seleção Nacional, não queria acreditar quando via o Betinho [Gomes] e o Carlos [Andrade] a treinarem um contra o outro. Pensei 'onde é que eu estou?' Até fazia faísca, em todas as posses de bola. Aqueles treinos deviam ser filmados. Mas encarei como um desafio, estaria a fazer o meu colega melhor se apertasse com ele."
O EuroBasket e a mudança da mentalidade
Depois da prestação histórica na fase final do Campeonato da Europa do último verão, com duas vitórias e um 15.º lugar, Miguel Queiroz considera que houve uma mudança não só na forma como os adversários olham para Portugal, mas principalmente na maneira como a própria equipa acredita nas suas capacidades. "Em primeiro lugar vemo-nos de maneira diferente. Encaramos todos de igual para igual e podemos ganhar a qualquer equipa", constatou, manifestando a sua crença num inédito apuramento para o Mundial'2027.
Mas recuando uns meses, lembrou como ele e Neemias Queta acertaram a forma de travar Nikola Jokic no EuroBasket, depois de o próprio Queiroz ter dito que queria defênde-lo. "Disse ao Neemias que precisámos dele para o ataque e que íamos alternando a defesa, para o Jokic ter diferentes estímulos. Não consegues parar um jogador destes, consegues condicioná-lo", analisou, abordando a diferença de intensidades quando se atua nestes palcos ou nas provas europeias de clubes: "Contra a Alemanha tivemos três períodos brilhantes, mas parecia que era nós a dar tudo e eles tranquilos. Sentes que estás constantemente no limite e, se baixas um bocadinho a guarda, dois turnovers são dois triplos..."
A nível nacional, o capitão do FC Porto vê a Liga a "evoluir e mais competitiva" mas admite que o facto de muitos jogadores estrangeiros mudarem com frequência acaba por ser prejudicial, na medida em que se perdem algumas referências: "Vêm à procura de fazer números para irem para o outro lado, ou seja, é um sítio de passagem, algo que dificulta na manutenção do talento. Se fizerem uma época inacreditável, para o ano querem ir para outros patamares ou receber mais dinheiro, o que é legítimo, no lugar deles seria igual, há que ver a nossa vida primeiro. É um trabalho complicado. Mas havendo esses jogadores de referência, virá mais gente aos pavilhões."
Da jogada de sorte no casino aos bilhetes para a Letónia
João Santos e Miguel Queiroz chegaram a partilhar o balneário da Seleção Nacional, o que deu a oportunidade de ambos revelarem uma história desses tempos. "Ganhámos na Estónia um jogo importantíssimo de apuramento para uma fase final e o selecionador, contente, deixou-nos celebrar. 'Às 4h00 no hotel, malta'. O hotel tinha um casino e fomos lá. A dada altura, chegas tu [referindo-se a João Santos], jogas só uma vez, metes dez euros no 15, o teu número, e ganhas à primeira. Depois deste-me as notas para a mão e disseste 'miúdo, bebe umas cervejas que eu vou para cama'. E lá foi ele, com a noite feita, e eu fiquei mais um bocadinho a jogar."
No âmbito das experiências fora de campo, o antigo internacional português aproveitou e contou também um momento insólito que marcou a qualificação de Portugal para a segunda fase do Campeonato da Europa de 2007: "A Croácia ganhou à Espanha, algo que ninguém esperava, e os três apurados desse grupo iam apanhar o comboio nessa noite para Madrid, pois a segunda fase ia ser lá, e toda a gente contava que nós não íamos ficar, inclusive parte dos portugueses. Entretanto a Croácia ganha e nós conseguimos a qualificação. Quando chegámos ao comboio, tínhamos os bilhetes com o nome da Letónia, porque esperavam que a Letónia passasse."
A dupla reportagem com Record e os sonhos para o pós-carreira
A dado momento do podcast, Miguel Queiroz teve a oportunidade de recordar duas reportagens fotográficas feitas com ele pelo nosso jornal e separadas por 11 anos, mas sempre na mesma escola de Portimão. A primeira, em 2008, motivou um comentário curioso do jogador. "Esse cabelo à tigela...". Depois, em 2019, aí já adulto mas com uma preocupação: "eu sabia que ia ser fotografado e ter usado aquela roupa..."
Em seguida, numa série de perguntas de resposta rápida, contou os dois desejos para o pós-carreira: "O meu primeiro sonho é ter uma instituição que possa ajudar crianças desfavorecidas e o segundo é ter uma creche."
Por João Socorro Viegas