Várias federações desportivas expressaram hoje à Lusa indignação e dúvida acerca da decisão do Tribunal Constitucional (TC), que rejeitou o recurso do Ministério Público (MP) contra a atribuição do título de campeão português de ralis a Kris Meeke em 2024.
O acórdão do TC, datado de 06 de novembro, decidiu que "a apreciação da norma contestada seria inútil", uma vez que a decisão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), tomada em fevereiro de 2025, no sentido de entregar o título nacional ao piloto norte-irlandês, teve em conta o Direito da União Europeia, que se sobrepõe ao português.
Para o presidente da Federação Portuguesa de Padel, entidade que, em 2019, atribuiu o título nacional aos portugueses Vasco Pascoal e Miguel Oliveira, antes de o TAD reconhecer a dupla vencedora da competição, formada pelo luso Diogo Rocha e o espanhol Antonio Luque, como campeã nacional, a decisão do TC é "absurda" por entender que contraria o artigo 62.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD).
"É uma decisão absurda. Não sou advogado, mas não consigo entender como o TC lê o artigo 62.º do RJFD, com um parágrafo 'clarinho como água' que indica que só cidadãos nacionais podem ser campeões nacionais em modalidades individuais. Para que temos legislação portuguesa se o que conta é a legislação europeia? Então, acabe-se com a legislação portuguesa", vinca Ricardo Oliveira.
O dirigente sublinha que o padel é considerado modalidade individual pela legislação portuguesa, fruto de "lacunas na lei", uma vez que o desporto só pode ser praticado por duplas, e explica que, na sequência desse caso jurídico, o padel, o ténis ou o golfe impediram atletas estrangeiros de participarem nos respetivos campeonatos nacionais.
Também a dança desportiva lidou com um caso de uma dupla composta um dançarino português e uma dançarina estrangeira, que se sagrou campeã nacional, situação que os estatutos da Federação Portuguesa de Dança Desportiva (FPDD) permitem nas provas de pares, mas não nas individuais, em que só cidadãos portugueses se podem sagrar campeões.
"Atletas estrangeiros podem participar nas provas a solo do campeonato nacional, mas não podem ganhar títulos. Isso faz parte dos nossos Estatutos. Não sei o que a lei poderá ditar daqui para a frente. Não temos nada de concreto. É muito prematuro pronunciarmo-nos", adiantou a presidente da FPDD, Marina Rodrigues.
Também o presidente da Federação Portuguesa de Atletismo, entidade que autoriza a participação de estrangeiros nos campeonatos nacionais, mas com restrições, como a de impor que só atletas lusos podem disputar finais em provas com eliminatórias, considera prematuro tomar decisões perante o acórdão do TC.
"Temos de analisar a decisão do TC e de falar com outras instituições. Temos o Comité Olímpico de Portugal, o IPDJ, a Confederação do Desporto de Portugal. Vamos ter de nos assessorar com essas instituições para tomar a decisão certa, que não seja polémica", refere Domingos Castro.
Já a Federação Portuguesa de Surf, desporto em que atletas estrangeiros podem ser campeões nacionais por equipas ou clubes, mas não a título individual, promete continuar "a cumprir integralmente a lei, o RJFD e todas as orientações legais aplicáveis às modalidades que tutela".
"Tomaremos em consideração qualquer impacto que decisões jurisprudenciais possam vir a ter no futuro. No entanto, atuaremos exclusivamente com base naquilo que a legislação determina, assegurando estabilidade regulatória, segurança jurídica e igualdade de tratamento para todos os praticantes. É esse o nosso compromisso institucional", frisa Gustavo Saldanha, presidente do organismo.
Já o presidente da Federação Portuguesa de Canoagem (FPC), Ricardo Machado, vinca que a entidade está a renovar o seu Estatuto de Utilidade Pública com base no RJFD, documento que, a seu ver, confere o enquadramento legal necessário para uma modalidade em que atletas estrangeiros a competirem nos campeonatos nacionais têm de ter filiação exclusiva na FPC.
"Neste momento, estaríamos a atentar contra o RJFD se os nossos estatutos permitissem a atribuição de títulos nacionais a cidadãos estrangeiros. Se a lei for alterada, nós alteraremos. Se não for alterada, continuaremos a cumprir a legislação nacional", afirma.