Opinião
Pedro Bragança

Continuar, inovando

Nos últimos anos formou-se um cenário adverso para o futebol português.

Primeiro, num fenómeno que já vem de trás, a entrada de multinacionais e de multimilionários no capital de clubes das principais ligas aprofundou o fosso já existente e que decorria naturalmente das diferentes conjunturas nacionais. O fair play financeiro da UEFA, facilmente contornado pelos mais ricos, não atenuou essa realidade.

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Depois, a proibição da participação de terceiros nos direitos económicos de jogadores (TPO), alternativa adotada abundantemente por cá, acrescentou um novo grau de dificuldade. Muitos fundos acabaram dissolvidos ou desativados e o investimento adotou novas geografias, plataformas e mecanismos de atuação.

A somar a isto, os nossos concorrentes europeus ocuparam habilmente uma posição estratégica que no passado nos pertenceu: a captação de jovens talentos nos mercados sul-americanos. A inflação que daqui resultou dificultou novos negócios e as mais-valias com transações desta natureza, em tempos elevadas, diminuíram.

Continuar, inovando
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E como se não bastassem as dificuldades resultantes de um processo de globalização do futebol em que Portugal é um elo mais fraco, a realidade nacional acentuou a nossa própria marginalização. Queixas de aliciamento e corrupção por parte de atletas no ativo (Lionn, Cássio, etc.), vulnerabilidade de clubes, dirigentes e jogadores ao submundo das apostas, manipulação de resultados, transumância de agentes estranhos, redes opacas de empréstimos encapotados geradoras de relações de dependência tóxicas, influência em órgãos federativos — todos estes factos, tristemente reais e sob o olhar atento da imprensa internacional, resultaram, como só poderiam resultar, numa perda de valor global do futebol português, da qual são cúmplices, por omissão, alguns dos seus principais dirigentes.

Tirando as ofensivas oportunistas e negócios de lavandaria, a liga portuguesa não é atrativa e o ecossistema nacional afugenta o investimento estrangeiro. A notícia da OPA do Benfica chegou a ser dada como se da antecâmara de uma futura grande operação se tratasse. Sem surpresa, não passava de mais um negócio trivial que poderia ter acabado num pagamento avultado a José António dos Santos, sócio de Luís Filipe Vieira em duas sociedades não declaradas, em violação das normas da CMVM.

Exportar direitos televisivos, patrocínios, namings, etc. e sustentar a economia do nosso futebol nessas novas frentes é, por enquanto, uma miragem, e sê-lo-á pelo menos enquanto autoridades governamentais e federativas não estiverem verdadeiramente comprometidas com a sã concorrência entre clubes e com o combate à corrupção.

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O FC Porto não é alheio a esta dura realidade. E, embora tenha vindo a dar na Europa uma boa réplica a uma circunstância que lhe é teoricamente muito desfavorável (terminou a época passada em 10º no ranking UEFA, o melhor clube português), são evidentes para todos – associados e dirigentes – os elevados custos que temos vindo a pagar pela manutenção do status e as dificuldades por que passamos.

Este Estado da Arte não é desculpa, antes um retrato que duplica a exigência imposta sobre nós próprios. Na verdade, a crise que agora se perspetiva, com um impacto severo a curto prazo e previsivelmente estrutural a médio prazo, apenas precipita um debate que se impunha sobre como reposicionar o FC Porto neste novo quadro, mantendo consistentemente o clube no patamar internacional a que pertence por natureza e tornando-o tão ou mais competitivo do que foi no passado recente.

Não há respostas fáceis e muito menos definitivas.

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É exaustivamente repetido que manter a competitividade com base no endividamento não é sustentável – ninguém discorda. Mas como será possível continuar a competir com clubes muito mais ricos após a diminuição drástica do investimento no plantel (sim, é isso que significa "redução da despesa")? Reduzir o FC Porto à sua dimensão nacional está fora de questão. Jamais me resignaria perante sucessivos fracassos e humilhações nas competições europeias. A Europa é e terá de continuar a ser o âmbito de validação da nossa grandeza.

Sim, é fundamental concentrar o investimento em menos jogadores, reduzir plantéis, explorar mercados emergentes, combiná-los com atletas fornecidos pela formação, ... em suma, reformar e ajustar o futebol aos novos tempos. Todos o sabemos. Poderíamos até acrescentar: reduzir custos de estrutura, diversificar fontes de financiamento, internalizar serviços, otimizar a gestão empresarial. Mas será isso suficiente?

Muito mais do que trocar o credor A pelo B em busca de alternativas efémeras de endividamento ou de melhores condições no acesso ao crédito, precisamos de encontrar parceiros que se comprometam de forma determinada e permanente com o clube.

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E estando, pelo menos para mim, totalmente excluída a hipótese da perda do controlo da sociedade desportiva por via da alienação do capital, o caminho deverá passar, aliado ao reforço da base associativa, pelo maior envolvimento do tecido económico da região, designadamente das empresas de base industrial fortemente enraizadas no Norte. Esse envolvimento, já existente e até com antecedentes consideráveis, poderá ser muito reforçado e assumir modalidades distintas, ajustadas caso a caso (ao interesse e às necessidades), quer na SAD, quer nas demais sociedades do grupo: FCP Media (Porto Canal), Porto Estádio, Porto Comercial, etc. Um envolvimento desejável e frutuoso para todos.

Pois se o Futebol Clube do Porto tem sido o principal baluarte na luta contra o centralismo político, económico e mediático que corrói o país, é também merecedor do tributo e da confiança da nação nortenha.

Estou ciente que compromissos desta natureza exigem cedências de parte a parte, mas seria para mim motivo de orgulho constatar o empenho de grupos empresariais bem sucedidos, empregadores, exportadores, centros de produção e de trabalho, naquele que é, sem dúvida, o maior símbolo do Norte no Mundo: o FC Porto.

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O FC Porto ascendeu ao topo

contrariando todas as expectativas. Um clube de uma região ostracizada e que tinha contra si, à partida, praticamente tudo, forjado pelo espírito inovador e pelo génio criativo de Pinto da Costa, emergiu contra tudo, contra todos.

A adversidade está na nossa génese, tanto quanto está a capacidade de a superarmos. Conscientes do caminho que nos trouxe até aqui – só assim poderemos projetar o futuro –, e invocando um paradoxo clássico da História da Arquitetura Portuguesa, proferido originalmente pelo arq. Fernando Távora, é preciso continuar, inovando.

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Autor: Pedro Bragança, arquiteto e sócio do FC Porto

Por Pedro Bragança
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