A estreia de Portugal na Taça das Confederações não provocou apenas um pesado desconsolo, mas também a sensação de que o passado é uma lição para se meditar e não tanto para se tentar reproduzir. Até porque as circunstâncias, os recursos e os próprios adversários mudaram e não há nada mais perigoso do que presumir que descobrimos a fórmula celestial que nos vai conduzir sempre ao sucesso. Há mais ou menos um ano, como os leitores mais atentos recordarão, deixámos aqui precisamente a mesma desesperança e idênticas dúvidas e sensações, mas a seleção portuguesa lá acabou por se consagrar campeã europeia e conseguir o maior feito da história do futebol nacional. Convém, no entanto, ter sempre presente que o conseguiu um pouco aos trambolhões, tirando partido dos deuses da fortuna e de um raro sentido de unidade e de aglutinação defensiva. A verdade é que, num Europeu normal, nunca teríamos ido tão longe a jogar um futebol quase sempre tão árido. Isso não encolheu o mérito de Fernando Santos, até porque foi principalmente ele a devolver a estabilidade, a confiança e a ambição no discurso a uma seleção que, no relvado, construía muito pouco e parecia preferir sempre que o adversário assumisse as despesas. Mas, depois de quatro empates e duas vitórias no prolongamento, Éder lá conseguiu entronizar-se no mesmo degrau da história do futebol mundial em que já estava o grego Charisteas, numa final, já agora, em que Portugal até conseguiu descobrir como se pode ganhar à França sem Cristiano Ronaldo. Naquele momento e naquelas circunstâncias, até acabou por ser mais compreensível que Portugal se tivesse apresentado em terras gaulesas com as suas vestes mais cínicas e cautelosas. Havia muitas seleções de enorme qualidade e com outro pedigree. Portugal estava ainda na fase da transmutação do 4x3x3 para a hibridez de um 4x4x2 clássico que se apresentava com um ou até sem nenhum verdadeiro ala, com algumas variantes pelo meio, e de integração de diversos elementos (Raphael Guerreiro, José Fonte, Adrien, João Mário e Renato Sanches, por exemplo). E também porque Ronaldo e Pepe pareciam derreados pela multiplicação dos jogos e com algumas queixas nas musculaturas.
Ora, o contexto é completamente distinto na prova que está agora a decorrer na Rússia. Desde logo porque Portugal chegou lá com a chancela de campeão europeu, com tudo o que isso representa em termos de pundonor, credibilidade e autoconfiança. Mas também porque o desenho (sistema) e a forma de jogar (modelo) foram ganhando outra sustentação, fundamentos e variantes durante a fase de qualificação para o Mundial. É ainda diversa a conjuntura porque Ronaldo terminou a época num momento inolvidável de forma, de golos e de medalhas – e hoje até já tem o ponta de lança (André Silva) capaz de funcionar à imagem do que Benzema lhe oferece no Real Madrid. Mas também o é principalmente porque Portugal entrou na prova tão favorito como os principais e raros favoritos, a par das segundas linhas da Alemanha e de um Chile que já não tem a qualidade futebolística dos tempos de Sampaoli, mas continua a ser uma seleção muito temível e de grandes figuras. Ora, face a esta nova realidade, é tudo menos descabido reclamar uma postura diferente, mais disposta a correr riscos e a agradar às bancadas. Ninguém pede que Fernando Santos abdique da sua preocupação em ter sempre a equipa bem equilibrada. Mas também não faz sentido apresentar-se numa Taça das Confederações (que tem uma importância relativa e até pode estar na sua última edição) com uma linha defensiva tão baixa e com um meio tão afundado. Porque assim fica votada ao insucesso qualquer tentativa de conseguir um jogo mais ligado e combinativo. Percebeu-se a intenção de impedir que o México tirasse partido dos seus jogadores velozes, hábeis e poderosos no ataque à profundidade, mas um campeão europeu não pode condicionar tanto o seu jogar ao facto de o adversário ser forte no contragolpe e na transição ofensiva. Até porque os mexicanos também sabem jogar em posse quando precisam. E foram capazes de o mostrar, beneficiando, para isso, de Portugal só pressionar quando a bola entrava nos 30 metros à frente de Patrício. Ora, frente a um México que arrisca muito na primeira e na segunda fase de construção, onde costuma ter muitas perdas de bola comprometedoras, não teria tido mais sentido que Portugal definisse zonas de pressão bem mais altas? Em vez disso, viu-se uma equipa obcecada com o equilíbrio defensivo, completamente amarrada e incapaz de ter a bola, de fazer dois passes seguidos e de aproveitar muitas das debilidades do adversário. Aliás, mesmo o regresso de Nani à posição de apoio a Ronaldo, em detrimento de André Silva, pareceu ter principalmente a ver com a capacidade que o jogador do Valência tem de baixar e dar ajudas defensivas. Ou seja, mais uma opção tomada em função da vontade primeira de anular o adversário. Já se sabe que os navios estão a salvo nos portos, mas não foi para ficarem ancorados que eles foram criados. Que é como quem diz: um campeão europeu precisa de se libertar de tantas amarras, de navegar e de se dar um pouco mais à aventura.
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