O Canto do Morais

Adormecidos

Não gosto especialmente de falar sobre o Benfica, nem é a vocação desta coluna. Não posso, contudo, deixar de comentar o atual estado de coisas, até pelo irresistível paralelismo com o passado recente do Sporting: em ambos os casos, os clubes foram capturados por uma visão autocrática e messiânica, que muitas vezes confunde interesses e agendas pessoais, com os das instituições que dizem servir.

É paradigma desse estado de alma o desabafo genuíno do presidente do Benfica, num bate-boca a quente - longe dos papéis que alguém lhe escreve - quando diz que vão levar com ele "ainda muitos anos". Apetece perguntar, então aquilo que os benfiquistas decidirem, não conta?

Face aos últimos acontecimentos, confesso que estava curioso de saber como iria decorrer esta assembleia geral. Duas coisas me impressionaram.

A primeira é que o presidente não tenha tido a humildade de pedir desculpa aos sócios pelas embrulhadas em que se meteu o clube; mesmo que rejeite responsabilidades ou proveitos, o certo é que o diretor jurídico era funcionário e as claques eram apoiadas e o Benfica está nas bocas do mundo e na mira da Justiça. Aliás a gestão desta crise tem sido um singular desastre comunicacional: esta de anunciar a contratação de novos - e excelentes - advogados, como se de um triunfo se tratasse, só tem paralelo no tempo em que a nomeação do Dr. Cunha Leal para secretário-geral da Liga de Clubes, foi publicamente arvorada em grande feito.

Mas o que mais me impressionou foi a letargia; estava à espera de uma justificada indignação que confrontasse o presidente - claramente só ele conta - com o conjunto de situações em que o Benfica está envolvido; só que, para além de uns gentis ameaços, nada se passou e Vieira saiu incólume.

Conheço muitos e bons benfiquistas, gente de bem e pessoas sérias e cabe perguntar por onde é que eles andam. É que - e falo por experiência - quando mais tarde reagirem, pior! Então ninguém no Benfica ainda se lembrou de exigir um inquérito interno aos óbvios ilícitos do e-toupeira? Ninguém quer tirar a limpo essa questão das claques? Não há um Conselho Fiscal?

Como a história ensina, estes projetos autocráticos acabam sempre por colapsar. A pior consequência, porém, é que enquanto durarem, vão minando o associativismo, que é a seiva que alimenta a grandeza dos clubes. Os sócios do Sporting deram uma grande resposta a 8 de Setembro; fico na expectativa de ver como vão os sócios do Benfica reagir.
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