Em Portugal, com vários anos de atraso, ainda não se concluiu o processo da centralização dos direitos de transmissão, numa altura em que o mundo do desporto já está com a cabeça noutra realidade. Corremos assim o risco de ir para uma solução que já está fora de prazo. Hoje os dilemas são outros. Que o diga a Liga Francesa que viu o seu negócio de direitos de transmissão estourar nas últimas semanas. Este modelo de centralização é impulsionado pela criação da Premier League no início dos anos 90. Nesta altura quem comandava o negócio do futebol eram os grandes canais de televisão. 35 anos depois o mundo mudou. Muito.
Se olharmos para os jovens de hoje, os chamados millennials ou Geração Y, sabemos que vivem no seu próprio mundo da internet. Os nascidos nos anos 80 e 90 já não seriam capazes de viver num mundo sem telemóveis ou compras com apenas um clique. Eles são filhos da geração "pay per view" e utilizadores massivos dos gigantes da tecnologia como a Google, Amazon, Facebook e Apple.
Estes gigantes tecnológicos têm-se revelado cautelosos nesta área porque não competem para já pelos direitos televisivos do desporto, mas têm feito alguns avanços. A Amazon, por exemplo, tem comprado alguns direitos da Premier League no Reino Unido, mas em pequenos investimentos, parecendo querer testar o mercado. Por outro lado, o Facebook também comprou há tempos atrás alguns direitos de transmissão na Índia e na América, e a Apple entrou na MLS à boleia de Lionel Messi. Espera-se que um dia, estas gigantes tecnológicas possam vir a fazer investimentos maiores no desporto.
Por outro lado, em alguns mercados a forma principal de consumo de desporto à distância, já não é a televisão e o inseparável sofá, mas sim o telemóvel. Na China, o consumo de futebol via telefone já quase reduziu a assistência de jogos pela televisão a uma minoria pouco significativa.
Se pensarmos no que são hoje em dia os telefones de última geração temos assistido a mais uma revolução na forma de distribuir conteúdos desportivos. Hoje é possível, em qualquer lugar, acompanhar através do telefone, o jogo da nossa equipa favorita, ver os melhores momentos em direto, escolher os ângulos das repetições e consultar em detalhe no final todas as estatísticas do jogo.
Adicionalmente as redes sociais permitem ainda mergulhar mais ainda no mundo do desporto com acesso cada vez maior aos próprios bastidores de equipas, atletas, competições e eventos. Temos por isso desporto disponível para consumo 24 horas por dia e 365 dias por ano a partir do nosso telefone.
Quer isto dizer que a indústria do desporto, e a do futebol em particular, enfrentam inúmeros desafios nos próximos anos. Os preços cobrados pelos operadores são muito elevados, há um conjunto de jovens consumidores que não está predisposto a pagar estes valores e que prefere um consumo sem pacotes rígidos e de uma forma flexível. Além disso, o excesso de oferta de jogos transmitidos faz com que vários desses jogos tenham pouco interesse desportivo. Vem aí uma revolução.
É por isso muito redutor procurar apenas um bom negócio de direitos de transmissão. A sustentabilidade do futebol português está assim totalmente dependente duma estratégia ampla para o produto futebol para a próxima década: que mercados quero atingir? Que gerações? Quais os atributos da liga portuguesa? Em que se distinguem das outras ligas europeias? Quais os conteúdos e tecnologias inovadoras?