1 Remonto a agosto de 2016 e a uma ação de formação de árbitras de futebol. Quando preparava a minha intervenção entendi solicitar um pequeno inquérito a essas agentes desportivas relativo ao tipo de ofensas de que eram alvo durante o jogo, particularmente as provindas do público. Os resultados obtidos davam conta de uma similitude de ofensas com as sofridas pelos árbitros (não havia aqui novidade) mas, por outro lado, ofereciam um panorama - que já pressentia - de insultos específicos: "o teu lugar é em casa", "vai mas é coser meias", "vai mudar fraldas", " vai mas é lavar a loiça", só para dar exemplos possíveis de constar de uma página de jornal.
2 A discriminação surge ainda muito ligada à raça, como se esse fosse fator único e, no caso do desporto, essa enganadora ideia mantém alguma validade. Quase que se diria que o combate à discriminação se deve centralizar no racismo. Ora não é, de todo, assim. Em registos normativos mínimos, mas fundamentais, a Constituição da República (artigo 13º, nº 2), afirma solenemente que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
3 No mesmo sentido se pronuncia a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto (artigo 2.º, n.º 1): todos têm direito à atividade física e desportiva, independentemente da sua ascendência, sexo, raça, etnia, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
4 As normas disciplinares, sobre comportamento discriminatório, também referem essa multiplicidade de fatores discriminatórios.
Todavia impõe-se um rastreio público a diversos regulamentos disciplinares federativos, pois não é difícil constatar lacunas bem graves, nunca esquecendo que estamos no âmbito do exercício de poderes públicos. Estamos perante um quadro bem abrangente de eventuais motivos discriminatórios e todos têm o mesmo desvalor. Há que olhar também para além do racismo e completar o arco da prevenção e combate, tornando efetivas, desde logo, as normas disciplinares desportivas. Tarefa a que não pode ficar alheio o Governo.
Por José Manuel Meirim