Record

Um desporto humano

José Manuel Meirim
José Manuel Meirim Professor de Direito de Desporto

Que Governo para o Desporto? (Ou bem me quer, mal me quer)

1 Tema recorrente e sempre presente aquando da formação de qualquer Governo, conjugado com uma espécie de constante proveniente do movimento associativo desportivo, é o alcançar um Ministério e um Ministro do Desporto, na convicção de que esse é o caminho para uma melhor performance governativa e um sinal de maioridade do desporto perante as outras áreas da governação. Ao nível orgânico muitas já foram as soluções colocadas em prática, na era dos governos constitucionais (1976 até à data), havendo uma clara preferência pela localização no Ministério da Educação, mediante uma Secretaria de Estado, muitas vezes acompanhada da Juventude. Mas o Desporto já esteve localizado, por exemplo, no Ministério da Qualidade de Vida, junto de Ministro-Adjunto do Primeiro Ministro, na Presidência do Conselho de Ministros e chegou mesmo a existir – de forma efémera – um Ministério da Juventude e Desporto, com lei orgânica aprovada e tudo (Decreto-Lei nº 217/2001 de 3 de agosto) e um Ministro da Juventude, Desporto e Reabilitação, que durou (?) de 24 de novembro a 2 de dezembro de 2004.

2 Contudo, a fórmula mais utilizada (em 22 governos) é mesmo a da Secretaria de Estado da Juventude e Desporto (ou vice-versa) integrada no Ministério da Educação, o que faz com que seja o Ministro da Educação o responsável do governo pelo desporto, atentas as competências delegadas dos secretários de Estado. Devo dizer que desde que nasci para o desporto (finais de 1989), pela lupa do Direito, mas não esquecendo a política desportiva, sempre opinei que a exigência de um Ministro do Desporto não era politicamente a melhor «arrumação», sendo até mais importante a presença da Secretaria do Estado na Presidência do Conselho de Ministros ou no âmbito de um Ministro Adjunto do Primeiro Ministro, pelo peso político destes cargos. Hoje, 30 anos passados, já não estou tão seguro disso, embora, em última instância, o que vale é verdadeiramente o peso político do membro do Governo responsável pelo desporto e o seu desempenho.

3 O desporto não é só Educação Ninguém contestará que desporto, não obstante a sua afirmação de valores, não é só – longe disso – educação. Pode ser parte de uma educação integral, mas os dois pontos não se encontram numa relação de generalidade/especialidade. Por outro lado, inserir o desporto no domínio organizacional da Educação, é colocá-lo em pasta governamental que, no restante, reclama uma atenção bem significativa. E para remediar a questão, não chega ter um secretário de estado. A dedicação do Ministro é fundamental e responsabilizante. A figura do secretário de estado, para além de um sinal de menoridade endereçado ao desporto (a Cultura tem uma ministra), se vive como uma barreira de erros do Ministro, não deixa de o convocar aos temas mais relevantes.

4 O desporto não é juventude, sendo muito mais do que isso Uma das soluções governativas mais utilizadas – sendo também a vigente – é a de juntar Desporto e Juventude na mesma secretaria de Estado. Por que razão? Porque não Cultura e Juventude, por exemplo? Dir-se-ia mesmo que a junção nasce de uma visão infantil de que o desporto se encontra intimamente ligado aos jovens, como se todos os outros titulares do direito ao desporto não fossem tidos nem achados. Por exemplo, se os adultos, os portadores de deficiência, os idosos, não fossem também eles destinatários de uma política desportiva. De uma vez por todas que haja a coragem – e não é preciso muita – para separar esses dois domínios, pois desporto é merecedor de uma atenção em exclusivo, só possível com a autonomia do responsável do governo.

5 Se uma adequada resposta orgânica é desejável e importante, tal não chega, naturalmente, para que haja um bom membro do Governo para a área do desporto. O que releva, portanto, para o membro do governo responsável pelo desporto? Sejamos diretos: alcançar ventos favoráveis para uma futura eleição. Pouco mais do que isso é significante para esse membro do Governo, seja de que cor for, o que também não andará longe da aspiração de qualquer todo governamental em exercício. Daí que, os programas eleitorais dos partidos e os programas de Governo, sejam cópias de tantos outros que lhe foram anteriores, mesmo de outras cores partidárias, refugiando-se em narrativas redondas, que servem para tudo e para nada, intenções repetidas à exaustão e nunca concretamente efetivadas. Estamos sempre em progresso, na continuação ou o que seja. Mas nunca lá chegamos. E, assim, a coisa dura para todos. Gostaríamos de ver, fica aqui a sugestão (que não vai ser acolhida), a apresentação de medidas concretas, de compromissos firmes e devidamente marcados no tempo. Aí sim, ficaríamos seguramente a saber o que não se fez e o que se fez.

6 Por outro lado (valeria em muito como regra de conduta de qualquer membro do Governo), o responsável pela área do desporto tem que trabalhar mais, pensar, analisar, estudar e aplicar. Não pode passar o tempo em galas, jantares, colóquios e jogos de futebol. Tem que estabelecer, com rigor, regras de exercício de funções protocolares, sacrificando, em nome do trabalho de gabinete, essa permanente rotativa de eventos (a que se chega, ainda por cima, sempre atrasado). Não pode passar o tempo a prometer mundos e fundos, sem qualquer desfaçatez, por telefone móvel ou WhatsApp.

7 O que interessa ao desporto Alcançar direito de cidadania e igualdade de tratamento, bem para além das medalhas, dos tweets de parabéns, para que todas as suas expressões e modalidades sejam encaradas como iguais em relevância para a efetivação do direito constitucional ao desporto. Ora, isto dá trabalho, poucas viagens e jantares (recolha de autógrafos para os amigos, familiares e filhos, em particular). É dura tarefa, mas é uma missão de serviço público e não de serviço quase privado ou partidário.

8 Como afirmava há muitos anos um Conselheiro do Tribunal Constitucional, infelizmente já falecido, que, vá-se lá saber porquê, nutria alguma simpatia pela minha pessoa, “você bem escreve, mas eles não lhe ligam nenhuma”. Mas eu vivo bem como essa perceção de inutilidade – tendo em conta o tipo de destinatários – desde que liberte a minha expressão. Durmo melhor, tipo arguido gourmet, “com a consciência tranquila”.

josemeirim@gmail.com

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