Luís Alves Monteiro
Luís Alves Monteiro Presidente da Associação dos Atletas Olímpicos de Portugal

E depois da competição? Um salto para o desconhecido

Atletas de alto rendimento que dedicam uma substancial parte da sua vida ao desporto têm um plano estruturado para o seu pós carreira? A sensação de ser imbatível e indestrutível, o sacrificío e a recompensa do mesmo leva-os a adiar um salto que é inevitável.

A pesquisa mostrou que uma transição difícil para o pós carreira pode manifestar-se em várias situações especificas, como por exemplo a ansiedade, depressão, isolamento, baixa auto-estima, menor autocontrole, desorientação,sensação de vazio e frustração. Além disso, os efeitos de uma reforma da carreira desportiva estão associados aos efeitos de perdas pessoais e a sentimentos como perda de controle e perda da própria identidade. O desporto de competição é, pela sua própria natureza, um desporto de grande atividade e intensidade, caracterizado por alguns níveis de dependência e, portanto, por maior vulnerabilidade e risco em caso da sua privação.

O pós carreira é de facto uma inevitabilidade, tal e qual os famigerados fogos de verão, que acontecem recorrentemente, e fazem-nos pensar e reflectir sobre um fenómeno que é transversal a todos os países e culturas, o pós carreira chega mais tarde ou mais cedo para todos os atletas de topo, a diferença está na forma como nos prepararamos para o momento, sendo que  um dos factores que importa ter presente, e que pode minimizar este impacto,  é que os atletas de alto rendimento tenham a consciência que este percurso coorresponde apenas a 30% do tempo das suas vidas, e a grande oportunidade é perceber que muito ainda está para vir, muitas conquistas que estão por acontecer, e que apenas estão a passar por um processo que não é um fim em si mesmo, mas sim um percurso com todas as emoçoes necessárias que nos mantêm vivos e interessados, no verdadeiro e emocionante percurso a que se chama vida.

Quando chegar a hora de um atleta tomar a difícil decisão de se reformar, será sempre confrontado com um desafio muito novo, a necessidade de abordar as oportunidades de uma carreira profissional. Um estudo revela que atletas que competiram a um nível de topo, na grande na maioria dos casos têm dificuldade no pós carreira e desenvolvem doenças do foro da saúde mental. Especialistas reconhecem que os sentimentos associados ao término de uma carreira no desporto de alto rendimento são invariávelmente descritos como "intrinsecamente stressantes" e até "traumáticos". Outros compararam a experiência da transição com a de luto ou perda.

Sabendo que são uns primeiros 30% da sua vida muito intensos e desgastantes, muita emoção e adrenalina que os situa como que vivendo num curto prazo, podem encontrar dificuldades com rotinas menos rígidas, objectivos menos tangíveis para o sucesso e necessariamente grandes desafios ao tentar adaptar as suas skills a um mundo empresarial que não é focado em realizações atléticas. As carreiras desportivas de um atleta de alto rendimento, paradoxalmente podem tornar-se numa zona de conforto, numa obediência quase cega, num ritmo infernal de preparação, que os faz perder o equilíbrio entre o que se vive e o que ainda está para vir, se possível adia-se o fim da carreira, é preferível muitas vezes ficar num limbo, saber que a performance já não é de topo, mas ainda  aceitável para o binómio rendimento/idade, tudo isto contribui que independentemente da literacia, da preparação ou falta dela, do tipo de profissão, são sempre um grupo que chega atrasado e com mais idade ao mercado de trabalho.

Os atletas de topo criam a sua identidade e concentram-na no seu sucesso num contexto desportivo, portanto, remover essas bases pode ser desorientador. Os psicólogos sugerem que os atletas que se afastam das lides desportivas possam beneficiar de sessões com psicólogos e especialistas na área, que possam ajudá-los durante o que pode ser um período de transição difícil, incluindo intervenções psicoeducacionais e comportamentais cognitivas que se concentram nas emoções do trauma e da perda, mas também colocam uma ênfase positiva nas suas caracteristicas que são altamente transferíveis para o mundo de trabalho.

Sempre se falou nas capacidades de um atleta de alto rendimento que  são muito procurados por empregadores num grande número de sectores. Essas características  transferidas do treino, trabalho duro e esforço para chegar ao topo do jogo são altamente desejáveis no mundo dos negócios. As caracteristicas associadas aos atletas incluem disciplina, trabalho em equipa, liderança, motivação, tomada de decisão, desempenho sob pressão, ambição, orientação para objetivos e resiliência. As mesmas características que o colocaram no topo da sua carreira desportiva são as mesmas características que os empregadores consideram desejáveis, mas para tal é necessário que estejam preparados para esse salto, que tenham as soft skills necessárias e que possam a adequar as suas caracteristicas ao ambiente extremamente competitivo das empresas.

Tudo mais uma vez começa num plano estruturado e alinhado entre  todos os agentes desportivos e sociedade civil, que envolve 3 pilares fundamentais: a educação nas escolas, as carreiras duais que conciliam o aproveitamento desportivo e escolar, e as condições para uma preparação e antecipação para encarar o pós carreira de uma forma mais natural. No fundo é esse um dos factores que cria um ambiente mais seguro para quem compete ao mais alto nível, ajudando inclusivê a melhorar a sua performance desportiva, ao estar focado a 100% na sua carreira de atleta de alto rendimento com a segurança de um futuro devidamente enquadrado.

Kelly Holmes, uma atleta olímpica dupla medalha de ouro em JO de Atenas 2004, tem uma segunda vida de sucesso após a sua carreira despotiva,. A imagem e marca  criada à volta do seu nome  deu-lhe a capacidade de ser uma das embaixadoras no Reino Unido que  apoia os atletas nos seus desafios do pós carreira, e a enfrentarem a vida para além do desporto, com todos os riscos e oportunidades que acarreta. Kelly disse: "Como no atletismo, nos negócios, há uma aceitação subjacente de que um atleta de alta competição dedica a sua vida à busca da excelência. Planeamento,  monitorização, sucesso - e fracasso - fazem parte da sua jornada de vida.

Quando os atletas fazem a difícil e traumática transição para fora do desporto de alto rendimento, a lista de capacidades que possuem é realmente invejável. Ao considerar o seu próximo passo na vida, o seu principal problema pode ser ter muitas opções, em vez de poucas, mas para isso é preciso primeiro que tenhamos consciência que o problema existe, e como qualquer problema pode ser tornado numa oportunidade, a Associação dos Atletas Olímpicos de Portugal, sabendo que uma das suas principais  bandeiras  é o Pós Carreira, tem contribuido para que agora, mais do que nunca, se tenha trazido para a mesa da discussão este tema de uma forma activa e positiva, e congratula-se que os stakeholders, nomedamente o Governo através do Secretário de Estado da Juventude e Desporto, tenham colocado esta temática na agenda, achando na nossa modesta opinião que o objectivo deve passar por  reconhecer e melhorar,  por um lado as medidas existentes do mérito desportivo, e por outro lado criar planos estruturantes que tenham que ver directamente com a empregabilidade, com a literacia, o acesso ao ensino superior de atletas que deram e representaram as cores da bandeira nacional ao mais alto nível durante quase um terço da sua vida, ao mesmo tempo que lhes possamos criar um caminho que  dê e perspective uma vida para além das carreiras desportivas que pode ter tanto ou mais brilho que aquelas........  como dizia Pessoa: "Afirmaram que a vida é breve, engano — a vida é comprida: cabe nela amor eterno e ainda sobeja a vida".

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