As caixas de comentários dos jornais desportivos deixaram de ser espaços de opinião para se tornarem verdadeiros cemitérios da decência. Insulta-se tudo e todos: jogadores, árbitros, treinadores, dirigentes, jornalistas. Tudo serve para destilar frustração, ódio e ignorância. E tudo passa impune, disfarçado de liberdade de expressão. Não é liberdade — é covardia digital.
Quem escreve nos jornais dá a cara, quem comenta, raramente o faz.
Este ambiente tóxico diz mais sobre a nossa cultura do que sobre o futebol em si. Ou melhor: revela que não temos uma verdadeira cultura desportiva. E isso está intimamente ligado a algo ainda mais grave — a nossa cada vez mais fragilizada cultura democrática.
Quem não sabe perder um jogo dificilmente aceitará perder uma eleição.
Quem não reconhece mérito no adversário em campo, também não o fará na vida pública.
Quem vive o desporto como guerra tribal, não está preparado para viver em comunidade.
Porque a democracia, tal como o desporto, exige regras, respeito, fair-play, e sobretudo a capacidade de ouvir quem pensa diferente.
A linguagem violenta que se normalizou no futebol — nas bancadas, nas redes sociais, nos comentários online — é apenas a expressão de um país que confunde opinião com ataque pessoal, crítica com agressão, paixão com fanatismo.
A culpa não é do futebol. É de quem nunca viu no desporto uma escola de cidadania, e de quem usou e usa o desporto para se promover política e socialmente.
Enquanto continuarmos a aceitar este lodo como “parte do jogo”, não nos admiremos que a lama alastre para o resto da sociedade. Onde não há cultura desportiva, não há democracia que resista.
Ou deixou-vos, com uma questão em sentido contrário, como esperar cultura desportiva num país que dá cada vez menos valor à democracia?