A luz intensa

Pedro Adão e Silva
Pedro Adão e Silva Professor Universitário

Tanto barulho para (quase) nada

A data não é irrelevante: 5 de julho de 1982. Foi nesse dia que, abalado por uma derrota moralmente devastadora do Brasil frente à Itália, perdi a ingenuidade que guardava. Já lá vão 35 anos e, desde então, fui preservando um equilíbrio difícil entre romantismo e cinismo na forma como olho para o mundo do futebol. Como cresci benfiquista na década de oitenta e noventa, não me esqueço do que vi: jogos com campos inclinados, sem repetições televisivas de lances "duvidosos", e em que, na hora decisiva, surgia o penalty oportuno, mesmo que fora da área; as faltas a empurrarem os adversários para a defesa e um clima de intimidação permanente, com árbitros a fugir, "guardas" a policiarem balneários e um ambiente de bas-fond a tomar conta das estruturas dirigentes. Não me esqueço que quem alimentou e beneficiou deste clima no futebol português continua a andar por aí.

É tentador, por causa de quem pulula em torno do futebol, deixar de acompanhar a modalidade. Mas, não só seria mais uma derrota, como gosto demasiado do jogo para conceber a minha vida sem que passe grande parte do tempo a imaginar onzes titulares, a sonhar jogadas perfeitas no meu Estádio da Luz ou a sofrer, como com poucas outras coisas, com as vitórias e as derrotas do nosso Benfica. Contudo, sei bem que há um outro lado do desporto, movido por personagens menores, moralmente corruptas e socialmente infrequentáveis.

Até ver, a violação de correspondência privada a que temos assistido, ativamente promovida pelo Porto, longe de provar qualquer ilícito, limita-se a revelar um universo em que não me revejo, mas que, como não sou ingénuo, sei que existe para lá do relvado, e no qual não há inocentes. Longe disso. Espero que tudo seja investigado: da violação da correspondência ao conteúdo da mesma. Mas uma coisa são juízos morais, outra a prática de crimes.

Em todo o caso, também porque não sou ingénuo, sei qual é o propósito último de todo este ruído a conta-gotas, que de vontade em apurar a verdade nada tem.

Há demasiado tempo que o Porto anda em busca de um equivalente ao ‘apito dourado’, um caso que seja capaz de compensar a vergonha infindável que assombra os atuais dirigentes do clube. Não é a primeira vez que o procuram fazer e não será a última. A senda vitoriosa do Benfica precisa, além do mais, de ser desvalorizada. Do mesmo modo que é importante encobrir a incompetência da SAD de um clube que se encontra, de facto, intervencionado pela UEFA – limitado no número de jogadores que pode inscrever, com uma multa por pagar e sem poder investir.

Acusações como as que têm sido feitas – de corrupção a tráfico de influência –, a confirmarem-se, são uma nódoa sobre os clubes, a Liga e todo o futebol português. Se se provarem verdadeiras, os prevaricadores devem ser penalizados. Se forem infundadas, é bom que, desta vez, haja mão pesada para quem acusa.

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