"Surreal", chamou-lhe Rui Jorge. Chamou bem. Porque andar a mendigar aos clubes que cedam jogadores para formar uma seleção nacional de futebol é quase humilhante. Como não deixam uns ou não querem outros defender as cores de Portugal? As razões são simples: o calendário não dá jeito nenhum; e, sobretudo, o próprio querer de quem organiza os Jogos tem muito pouco de olímpico.
Não se defende o espírito de pátria cá porque não se defende o espírito das olimpíadas lá. A inclusão do futebol nos Jogos que se organizam de quatro em quatro anos tem como objetivo o negócio. Porque as receitas dos direitos de transmissão do futebol são demasiado grandes para que o Comité Olímpico as queira abandonar.
Em condições normais, a palavra Portugal basta para que o sentido de convocatória surja dentro dos próprios jogadores, tanto mais quando as seleções de Portugal estão com um desempenho raro e notável. Mas como as condições são anormais, tudo se transforma num enfado. O calendário é inoportuno para os clubes, a competição é pouco aliciante e as organizações internacionais de futebol têm tanto estímulo para os Jogos Olímpicos como para vestir um elefante com um quimono japonês. Assim é em Portugal como em muitos países envolvidos. As medalhas olímpicas, que são o sonho de uma vida dos atletas, pesam como pesa-papéis nas mentes dos futebolistas.
Pobre Rui Jorge, que falou com 57 para conseguir 18. Já merece uma comenda. Surreal, sim, e sê-lo-á enquanto, no que toca ao futebol, as olimpíadas forem tão pouco olímpicas.