Hoje, 18 de Dezembro de 2019, faz precisamente 70 anos que assisti pela primeira vez, ao vivo, a um desafio de futebol. Tinha 11 anos e acabara de entrar para o Liceu, após ter feito, no ano lectivo anterior, o exame da 4.ª classe do ensino primário, as provas de admissão ao secundário e a comunhão solene, na Igreja da Rainha Santa, perante o Bispo de Coimbra, D. Ernesto Sena de Oliveira.
Terá sido como prémio por tudo isso que o meu Pai me levou ao estádio municipal, há pouco tempo inaugurado, em cujo relvado se defrontavam as equipas dos meus clubes predilectos, a Académica e o Sporting.
O meu fascínio pelo jogo começara uns anos antes. Nascido em Luanda, viera para Coimbra em 1944, com seis anos e tive a sorte de ter como primeiro grande Amigo um garoto da minha idade – o Eduardo Filipe –, que um erro médico atirara definitivamente para uma cadeira de rodas.
Passávamos as tardes sempre juntos e, aos Domingos, "íamos os dois ao futebol", de orelhas coladas na rádio para ouvirmos o "resumo da primeira parte e o relato da segunda" do jogo mais importante da jornada, transmitido pela Emissora Nacional. E o seu sportinguismo tornou-se contagiante, levando-me a manter a Académica num nível altíssimo (até hoje), mas com o Sporting ainda mais acima.
Alfredo Quádrio Raposo, Domingos Lança Moreira e, mais tarde, Amadeu José de Freitas e Artur Agostinho eram as vozes que entusiasmavam as mentes infantis com as defesas, as fintas, os remates e os golos que, imaginados, tinham um especial encanto – e não apenas no futebol mas, talvez mais ainda, no hóquei em patins.
O Eduardo era filho e sobrinho de dois dos primeiros maratonistas que, em representação do Santa Clara, chegaram a conquistar títulos nacionais. O próprio Eduardo, que fez o curso comercial e foi profissional de seguros, tornou-se especialista em ciclismo, tendo orientado várias equipas em provas nacionais. Faleceu com cerca de 40 anos, após uma vida muito condicionada em termos físicos, mas cheia de sonhos e de realizações concretas.
Voltemos ao dia 18 de Dezembro de 1949. Bem instalados no peão, assistimos ao tão esperado desafio da 11.ª jornada. Casa cheia, com 17 mil espectadores e uma receita bruta de 220 contos, excelente para aquele tempo em que um pão pequeno custava quatro tostões.
Com arbitragem de Reis Santos, de Santarém, pelo Sporting jogaram Azevedo, Barrosa, Juvenal, Canário, Manuel Marques, Veríssimo, Jesus Correia, Vasques, Mateus, Rola e também Mário Wilson, que substituíra Fernando Peyroteo, retirado três meses antes após marcar 693 golos em 432 jogos, ainda hoje o melhor marcador mundial em jogos de campeonato, com a média de 1,68 golos por jogo. O treinador era Alexandre Peics, húngaro.
Pela Académica alinharam Capela, Branco, Brás, Castela, Diogo, Azeredo, Garção, Pinho, Macedo, Serra Coelho e Bentes, sendo treinador o húngado Dezso Gencsi, com fugaz passagem pelo futebol português.
Resultado final 1-6, com 0-3 ai intervalo, golos de Wilson (3), Rola, Vasques e Veríssimo, pelos leões e Garção pelos estudantes. Foi um excelente jogo de futebol, que recordo com saudade pois, tanto quanto me lembro, foi a única vez que fui com o meu Pai ao futebol.
O Sporting terminou o Campeonato em 2.º lugar, a seis pontos do Benfica, que ganhou também a Taça Latina, não se tendo disputado nesse ano a Taça de Portugal. A Académica, que na época anterior (1948/49) tinha ganho o campeonato da 2.ª Divisão, terminou em 7.º.
Para além da memória, que me permitiu alinhavar muito do que acima ficou escrito, justo é destacar dois excelentes repositórios da história dos dois clubes – "Académica, história do futebol", de João Santana e João Mesquita (Ed. Almedina, 2007, 716 pp.) e "Almanaque do Sporting", de Rui Tovar e Rui Miguel Tovar (Ed. Almanaxi, 2004, 656 pp.) – sem os quais não seria possível ir tão longe no pormenor de época tão longínqua.
* Antigo colaborador de Record (1991/97) e último Director da Gazeta dos Desportos (1995); escreve segundo a antiga ortografia