De pé para pé

Rui Dias
Rui Dias Redator e repórter principal

André Silva e a força da estatística

É um jovem na flor da idade, que acredita mais na força da equipa do que propriamente no imenso talento goleador que prenuncia uma estrela universal; André Silva prefere fazer gala da inteligente ocupação do espaço e do cumprimento escrupuloso das missões táticas que lhe são confiadas a correr riscos como homem do último toque; porque entende o futebol como desporto coletivo, no qual se obriga a participar como soldado de elite em busca de segurança e equilíbrio, trava os ímpetos de atirador implacável, com instinto assassino e reflexos felinos que dimensionam a fera que já mostrou ser. Aos 21 anos, há nele um apelo juvenil pela ação que lhe retira discernimento para dar assinatura ao golo. Vive uma fase transitória.

AS suscita as sensações boas de estar preparado para enfrentar a dura e exigente realidade. Neste Mundo que glorifica o sucesso como se nada mais existisse, está obrigado a cumprir todas as exigências. No final de um jogo que correu bem à sua equipa, Gianluca Vialli, avançado italiano de Sampdoria e Juventus nos anos 80 e 90, foi abordado por repórter televisivo em transe, ainda no relvado. O objetivo era o elogio: "Luca, parabéns pela vitória e pela entrega extraordinária; deixaste tudo em campo, correste quilómetros…" Farto de tanta conversa fiada, Vialli interrompeu o agitado interlocutor com um sorriso cansado e pôs as coisas no lugar: "OK, chega; mais vale dizeres que não joguei um caracol."

O ex-portista tem velocidade e talento para administrá-la pela via de travagem e aceleração; a relação com a bola é excelente em qualquer contexto e zona do terreno; o tiro é forte e de cabeça é um perigo; sabe estar na área, é um relâmpago quando surge de trás e joga cada vez melhor de costas para a baliza; tem visão periférica, técnica para alimentá-la e elegância para dar plasticidade aos gestos. AS é um avançado de toda a frente de ataque, generoso, solidário e altruísta, que pensa mais na equipa do que nele próprio; toma decisões a pensar no todo e não apenas na parte que lhe cabe; entende a felicidade numa perspetiva coletiva e não como paraíso a alcançar através de proezas individuais. Vivendo condicionado por números, uma das suas principais características incide na grandeza inusual de recusar o egoísmo.

Fenómenos à parte, os goleadores demoram a adquirir todas as competências adultas de que é feita a tarefa. Paciência, perícia, precisão, maturidade, raciocínio rápido, capacidade de diagnóstico e intimidação não são conquistas automáticas. AS tem as virtudes técnicas, táticas e físicas de que é feito um grande avançado mas ainda não é, naturalmente, o fenómeno em que promete transformar-se. Não se trata de pedir-lhe que, para ser um grande goleador, se torne um mau cidadão; mas ele próprio vai perceber que, em certas fases do jogo e até da carreira, precisará de ser egoísta, irascível e malformado; ter maus instintos, pensar mais nele do que nos outros e ser despudorado com o mundo. Por mais prazer que tenha em participar no carrossel que leva ao golo e contribuir com esforço e dedicação em tudo o resto, a maior ajuda para chegar ao topo do reconhecimento planetário é meter a bola na baliza. Quanto mais vezes, melhor.

O que levou o AC Milan a investir 40 milhões de euros em AS foi o talento, a idade, o estilo mas, principalmente, a esperança goleadora que transporta. O calcio é, porventura, o futebol que mais diviniza a eficácia, razão pela qual um jogador cuja prestação é avaliada por números está proibido de se distrair com a estatística. Mesmo cumprindo os requisitos emocionais imprescindíveis, satisfazendo as instruções do treinador e ouvindo elogios de todos os quadrantes, não resistirá a 4 ou 5 jogos seguidos sem marcar. Os 21 golos na época de estreia pelo FC Porto, mais os 7 por Portugal, são um fantástico início de conversa.

Quando Pepe se torna herói

Pepe é sempre notícia nos grandes palcos: tanto pode ver um cartão amarelo infantil que o afasta de jogo importante como enche o campo com energia, compromisso e qualidade absolutamente impressionantes. Se ainda faz um golo que evita a derrota in extremis e força o prolongamento, no qual a equipa desenha a vitória, atinge o máximo a que pode aspirar. Isto é, ser o herói da comunidade.

Eliseu cumpre a tarefa

Eliseu é normalmente avaliado segundo os parâmetros que menos o favorecem. Na Seleção só joga quando Guerreiro não pode, no Benfica faz as vezes de Grimaldo – e não é a primeira vez que o povo deita as mãos à cabeça temendo o descalabro. A Taça das Confederações foi a metáfora das últimas épocas: chamado de urgência, cumpriu sem mácula e não se deu pela ausência do dono do lugar. Tem sido sempre assim.

As debilidades do vídeo-árbitro

Jara entrou sobre Timo Werner: pisou-o, deu-lhe com o cotovelo na cara e atirou a bola para fora – dupla agressão clara para quem via o jogo em casa. O juiz assinalou lançamento de linha lateral a favor da Alemanha mas fez um compasso de espera e foi ver as imagens. De volta ao relvado transformou em amarelo o vermelho que o chileno merecia. O vídeo-árbitro validou uma indignidade. É só para avisar.
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