De Pé para Pé

Rui Dias
Rui Dias Redator e repórter principal

Luisão na lenda encarnada

Viveu as dificuldades habituais entre aqueles que se apresentam ao serviço sem corresponder aos padrões de elegância, habilidade, magia e classe. Luisão começou por ser visto e analisado como jogador sem passado (e já jogara na seleção do Brasil) e de futuro incerto e duvidoso (e já estava referenciado por alguns dos grandes clubes europeus). Como de costume, prevaleceram as primeiras imagens de um futebolista com dificuldades na coordenação motora e na relação com a bola; que não dominava a utilização do corpo e não encontrava a velocidade correta para atacar espaço e adversários. Era um defesa com problemas para avaliar distâncias de marcação e que, na dúvida, seguia o instinto físico – era muitíssimo faltoso, muito mais do que viria a tornar-se. Se pensava que tinha chegado ao paraíso, onde seria reconhecido e feliz, encontrou impaciência, dúvida e incompreensão.

À semelhança do que sucedeu com antepassados ilustres, de quem herdou parte do talento mas superou em influência (Mozer, Ricardo Gomes, Aldair…), também ele foi obrigado a reciclar muito do que já dera por adquirido quando veio do Cruzeiro. Foi então confrontado com a necessidade de deslocamentos mais amplos; de lidar com a constante pressão de avançados que iam incomodá-lo à saída da grande área; de tomar decisões, em momentos de aperto, em articulação com o parceiro do lado. Dominados os padrões defensivos de referência do futebol europeu, foi-lhe mais fácil iniciar a depuração do sentido posicional, o poder de antecipação, a boa utilização do físico poderoso e a relevância de um jogo de cabeça extraordinário.

O tempo ajudou Luisão a decifrar códigos do clube e a transformar um título em onze anos de desgraça (2004/05) numa etapa que havia de honrar a gloriosa história da maior potência nacional. Quando obteve a braçadeira, aumentou a responsabilidade de criar cumplicidades no balneário, assimilar o estilo do futebol e da gente que representava. Em plena época de uniformização, Girafa foi o principal rosto do processo de apego aos valores sentimentais do Benfica, clube condenado, como tantos outros em Portugal, a ser o reflexo de profissionais empenhados, talentosos, que falam a linguagem universal do futebol, mas cujos vínculos aos alicerces da causa que defendem são muito voláteis. Por ter sido quase sempre posto em causa, assumiu o compromisso de honrar a camisola e defender com orgulho a profissão que abraçou.

Luisão viveu em contraciclo. Em vez de se valorizar para sair, preferiu ficar e entregar-se ao entendimento do que os treinadores lhe pediam. Tornou-se uma âncora rara, como capitão carismático, que manteve o clube ligado às raízes mais profundas que o identificam – revelou instinto felino ao perceber que Jorge Jesus abriria um ciclo vencedor e hegemónico, ao qual se entregou por inteiro para viver os melhores anos da carreira e conseguir 10 dos 20 títulos conquistados na Luz. A ganhar foi mais fácil adaptar o tempo ao pulsar dos adeptos benfiquistas. Notou-se menos que a equipa era composta por gente de infâncias, bairros, gostos e vidas diferentes, unidos apenas por talento, ambição e autoestima.

Ao cabo de 15 anos com a águia ao peito, como jogador mais vezes capitão, com 538 jogos efetuados e 47 golos conseguidos, Luisão parte como um dos maiores intérpretes da lenda encarnada, desde logo o estrangeiro mais relevante – impressionante que saia como jogador mais titulado de sempre, superando nomes que nos ocupam a memória e nos habituámos a considerar património da humanidade (Eusébio, Coluna, Simões, José Augusto, Humberto, Nené, Bento, Chalana, Veloso…). Acede a esse território sagrado como jogador de lealdade extrema à bandeira e fenómeno futebolístico feito de voz, maturidade e inteligência; liderança, regularidade e eficácia. Parecendo que não, vai ser difícil encontrar outro como ele.

Soares teve um
regresso em glória
O campeão não tem todos os avançados disponíveis. E desta vez é grave
Soares regressou em glória na noite em que o FC Porto perdeu Aboubakar. A história tem ingredientes amargos e doces para Sérgio Conceição que, na prática, continuou a ter apenas um ponta-de-lança disponível – o camaronês pode mesmo ter perdido o resto da época. O regresso de Soares foi decisivo (deu a vitória sobre o Tondela) mas, atendendo às circunstâncias, foi ainda mais do que isso: foi providencial.

Ricardo Horta é
a figura máxima
O líder da Liga é um conjunto homogéneo mas tem um rosto de classe
Ricardo Horta sintetizou em hora e meia o que tem feito ao serviço do Sp. Braga: numa equipa equilibrada e composta por excelentes jogadores, é o mais brilhante, o mais decisivo, o mais valioso… Com o Belenenses deu um golo, marcou o outro e sofreu o penálti que proporcionou o terceiro. É sempre bom para um craque ter o apoio da estatística. Mas se é mesmo bom, como é o caso, nem precisa de números.

Vinícius com
muito para dar
Os 13 pontos em 6 jornadas perspetivam boa época em Vila do Conde
Carlos Vinícius voltou a marcar e, mais do que isso, a mostrar qualidade muito acima da média, numa equipa que, em vez de renovada, sofreu total revolução. Enquanto o tempo e o talento de José Gomes não cumprem o dever de harmonizar as diferenças, o Rio Ave mostra-se, acima de tudo, com contribuições avulsas dos seus principais jogadores. Vinícius acima de todos, mas também Galeno e Diego Lopes. Três feras.
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