Há jogadores que são exemplos acabados de que a intuição é a velocidade de ponta da inteligência. Essa arma suplementar é exclusiva dos grandes jogadores, dos predestinados que desenvolvem o dom de adivinhar os passos seguintes à ação e de, assim, chegarem aos factos centésimos de segundo antes de ocorrerem. Olhemos para Krovinovic: o croata aproveita a bênção para agilizar o processo de construção a partir das decisões que toma; antecipa-se ao que vai suceder e torna-se um criador para lá do óbvio, cujo estatuto lhe permite ascender a sumptuoso gerador de surpresa, que pensa, concebe e executa em sistemática antecipação ao tempo.
Numa equipa que atribui ao talento individual peso relativo substancial no processo criativo, Krovinovic é determinante (como Fejsa, Pizzi e Jonas) na coordenação de todos os elementos em jogo. Funciona como apelo à ideia global e ao projeto definido pelo treinador, ao mesmo tempo que estimula entre todos o indispensável compromisso com a felicidade comum. O croata conecta com muitos companheiros ao longo do jogo e desenvolve ações, normalmente curtas, de progressão participada, que comprometem cada vez mais gente nos caminhos para o grande objetivo.
Como denominador comum de muitos desses movimentos, revela técnica perfeita na receção e no passe; confirma visão esplendorosa em invenções inconcebíveis na descoberta de espaços; e manifesta inteligência que lhe permite estar sempre no lugar certo, a fazer o que deve, em nome da coesão geral. Só precisa de ler o guião uma vez, porque entende logo os fundamentos, com a vantagem de adaptá-los ao seu entendimento do jogo e acrescentar-lhes elementos preciosos que o enriquecem. Krovinovic não só respeita as regras como concorda com elas, embora contrarie a submissão total (recusa ser ferramenta sem cérebro) e combata a previsibilidade (obrigação dos verdadeiros craques). No fundo, desenvolve a arte rara de cumprir ordens com fidelidade à cartilha, defendendo pontos de vista originais quando a põe em prática.
Nele se concentram a malícia de intenções indecifráveis e o jeito especial para guardar a bola de agressões alheias; a capacidade de se orientar pelo óbvio e agir com o talento superior de quem eleva a mentira ao estado coletivo; a habilidade de testar dois ou três truques mais vistosos do que eficazes e o esplendor de ver dimensionado o engano à causa maior que compromete todo o exército. Não tem medo da bola e revela confiança insolente nas suas capacidades: quando a recebe já sabe o que vai fazer-lhe; quando a entrega já pensou no que vai acontecer três jogadas à frente; e mesmo quando parece distraído sabe com antecedência escandalosa o seu itinerário entre os pés adversários - é um bom recuperador, que interceta muitas linhas de passe.
Krovinovic personifica a diversificação tática anunciada por Rui Vitória, ao introduzir equilíbrio e harmonia num conjunto orientado pela vertigem ofensiva; é o óleo que lubrifica máquina emperrada em grande parte da temporada e cuja resposta se revelou deficitária em duelos mais exigentes. A sua inclusão suscita, porém, discussão pertinente à volta do sistema no qual o tetracampeão assentou a glória de cinco ligas conquistadas em oito - desde 2009, quando Jorge Jesus chegou à Luz, que atua com dois avançados. Krovinovic pode ser a réplica do que Renato Sanches representou e fez em 2015/16, embora as consequências sejam agora mais perigosas: se então a mudança não passou de um retoque no conceito (Pizzi manteve a batuta, apenas se desviou do centro do palco), desta vez belisca a estrutura: subtrai um homem na frente, com a agravante de ser Jonas, a estrela máxima que se expressa melhor com outro avançado por perto. O 4x4x2 não é só passado. Mais do que isso, tem futuro garantido. Só resta saber à custa de quem.
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