O primeiro-ministro anunciou esta terça-feira que apresentou a sua demissão ao Presidente da República após o Ministério Público revelar que é alvo de investigação autónoma do Supremo Tribunal de Justiça sobre projetos de lítio e hidrogénio. Numa comunicação ao país, a partir da sua residência oficial, em S. Bento, Lisboa, o primeiro-ministro justificou a sua decisão afirmando que "as funções de primeiro-ministro não são compatíveis com a suspeita de qualquer ato criminal".
"Fui hoje surpreendido com a informação, oficialmente confirmada pelo gabinete de imprensa da Procuradoria Geral da República, que já foi ou irá ser instaurado um processo-crime contra mim. Obviamente estou totalmente disponível para colaborar com a justiça em tudo o que se entenda necessário para apurar toda a verdade, seja sobre que matéria for. Quero dizer, olhos nos olhos aos portugueses, que não me pesa na consciência a prática de qualquer ato ilícito ou sequer de qualquer ato censurável. Como sempre, confio totalmente na justiça e no seu funcionamento. A justiça que servi ao longo de toda a minha vida e cuja independência sempre defendi. É porém meu entendimento que a dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com qualquer suspeição sobre a sua integridade, boa conduta, e menos ainda com a suspeita de prática de qualquer ato criminal. Obviamente apresentei a minha demissão a sua Excelência o Senhor Presidente da República", afirmou numa comunicação que fez ao país em São Bento.
E prosseguiu: "Permitam-me agradecer aos portugueses pela oportunidade que me deram de liderar o país em momentos tão difíceis quanto exaltantes. Quero agradecer a todos os titulares de órgãos de soberania, ao Sr. Presidente da República. Agradecer às regiões autónomas, às autarquias locais a forma como agimos coletivamente em prol do nosso país. A todas e todos aqueles que me serviram nestes três governos. Dirigir uma palavra de simpatia e gratidão para com todos os líderes e dirigentes partidários, dos partidos de oposição e muito especialmente ao PS. Por fim, uma palavra muito sentida de agradecimento à minha família, muito em especial à minha mulher por todo o apoio, carinho, e os muitos sacrifícios pessoais que passou ao longo destes oito anos. Esta é uma etapa da vida que se encerra e que encerro de cabeça erguida, de consciência tranquila e a mesma determinação de servir Portugal e os portugueses exatamente da mesma forma como no dia em que aqui entrei pela primeira vez como primeiro-ministro".
Vai recandidatar-se? Entende que tem condições para isso? Como será feita a gestão do Governo agora? "Tive a oportunidade de falar hoje com o Senhor Presidente da República. Compete nos termos da Constituição ao Sr. Presidente da República decidir os próximos passos. A última coisa que farei neste momento é estar a condicionar ou a pronunciar-me publicamente sobre a decisão que o Sr. Presidente da República e que só a ele caberá tomar".
Não se irá recandidatar num futuro próximo? Presidente da República tentou demovê-lo desta decisão? Este processo foi do seu conhecimento nos últimos tempos? "Começando pelo fim, desconhecia em absoluto a existência de qualquer processo. A nota do Gabinete de Imprensa não justifica que atos, em que momentos, a que processo é que se referem. Estou totalmente disponível para colaborar com a justiça, mas independentemente da matéria, a dignidade da função de primeiro-minstro e a confiança que os portugueses têm de ter nas instituições é absolutamente incompatíveis com o facto de um primeiro-ministro estar a ser objeto de um processo-crime. É uma etapa que naturalmente se encerra. Foram quase oito anos aos quais me dediquei com toda a minha energia, a fazer o que sabia e o melhor que pude. Seguramente que outros podiam ter feito melhor. Foi o que fiz, tenho muita honra no que fiz e saio de consciência tranquila. Futuro? Para já, depende das decisões do Sr. Presidente da República".
Explicações sobre o processo... É contraditório dizer que não fez nada censurável e demitir-se mesmo assim, mantendo outros membros em funções? "Há uma distinção entre ser primeiro-ministro e outras funções. Já fui secretário de Estado, ministro várias vezes, e sempre entendi que o facto de ser arguido não é sequer motivo para determinar uma demissão, não é uma presunção de culpabilidade, mas sim um estatuto que reforça a garantir de defesa dos cidadãos. Não sou arguido, nem sei quais as práticas ou atos sobre os quais há suspeição. A função de PM é distinta dessas funções. Mas isto torna incompatível o desempenho de funções. Com a justiça colaborarei totalmente, mas tenho também o dever de colaborar e me empenhar também neste ato, na preservação e dignidade das instituições democráticas. Os portugueses têm de ter total confiança em quem exerce o cargo de PM. Nunca ouvi falar deste processo, desconhecia da existência do mesmo, o que é natural, e constato que foi aberto um processo-crime que me envolve. Naturalmente acho que isso não é compatível com a manutenção das funções de PM. O Sr. Presidente da República não questionou as minhas razões e compreendeu-as de imediato, dizendo que ia tomar as providências que se impõem".
"Não me vou recandidatar ao cargo de primeiro-ministro. Esta é uma etapa que se encerrou e, como todos sabemos, os processos-crime raramente são rápidos. Não ficaria a aguardar essa conclusão. No julgamento que mais me importa, o da minha consciência, estou totalmente tranquilo. Nenhum ato ilícito ou censurável me pesa na consciência. As coisas são como são e respeito a independência da justiça. Agradeço que todos respeitem isto e deixemos que a justiça funcione normalmente".
Se o Sr. Presidente da República rejeitar pedido de demissão, o que acontece? "Tive oportunidade ao longo da vida de servir a justiça de diversas formas. Como advogado, deputado, Ministro da Justiça e depois da Administração Interna. Orgulho-me muito de ter contribuido para que o corpo essencial dos instrumentos legais de combate à generalidade dos crimes existir. Orgulho-me de ser líder do partido que contribuiu para desenhar isto. Nunca a Polícia Judiciária ter tido tantos direitos como tem agora para combater a corrupção, criminalidade económica e financeira. Tenho sempre disse que uma das grandes qualidades da nossa democracia é os cidadãos saberem que ninguém está acima da lei, seja um autarca, um ministro ou um PM. Se há suspeição, as autoridades são totalmente livres para investigarem. Sempre entendi isso como uma mais-valia na nossa democracia, e não é hoje que entendo o contrário. A minha confiança na justiça é hoje tão grande como era no passado. Como qualquer cidadão, não estou acima da lei. Se há qualquer suspeita, que seja investigada. Estou cá para colaborar totalmente com a justiça para apurar toda a verdade, mesmo que seja sobre matéria que desconheço. Outra coisa completamente distinta é entender que é incompatível com o exercício das funções de PM a existência de uma suspeição sobre a minha integridade, boa conduta ou prática de ato criminal. E isso eu não acho que seja compatível. E é por isso que, naturalmente, pedi a demissão ao PR, essa demissão foi aceite, talvez o Sr. Presidente da República queira ponderar a data, e eu, como meu dever, manter-me-ei em funções até ser substituído".
Por Record