Armando Nogueira: «Gostaria de falsificar um passaporte para Figo jogar pela selecção do Brasil»

Armando Nogueira: «Gostaria de falsificar um passaporte para Figo jogar pela selecção do Brasil»

COMO repórter aprendeu quase tudo o que sabe de futebol. Armando Nogueira, jornalista brasileiro de 74 anos, mantém do tempo nos jornais, revistas e televisão a denúncia compulsiva das situações que considera injustas. Há dias, em Lisboa, onde se deslocou para entrevistar Mozer e Marinho Peres após um simpósio no Porto, verberou o "arrastão" que é a compra de jogadores brasileiros demasiado jovens para terem confirmado ainda o seu valor.

"O empresário é uma esfinge, um fantasma que influencia porque tem o poder do dinheiro." Nesta frase resume a revolta que sente por já não existirem craques brasileiros a jogar no Brasil. Armando Nogueira diz que Figo é o melhor do Mundo desde o Barcelona. E que tem valor para jogar em qualquer selecção brasileira, mesmo as dos anos 50, 60 e 70. E garante que era capaz de falsificar um passaporte para ver o número 10 do Real Madrid na selecção de Emerson Leão. "Figo é o mais europeu dos jogadores latinos, e o mais latino dos jogadores europeus."

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Arbitragem é obsessão

– Do que observa como jornalista e cronista, também existe um "sistema" no futebol brasileiro? Entendido num sentido pejorativo e corrupto como em Portugal, com árbitros e dirigentes envolvidos?

– Hoje, a arbitragem já não preocupa tanto no futebol brasileiro como no futebol português. Ao contrário do que acontece aqui, é uma síndroma obsessiva que se desvaneceu no Brasil.

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– Deve-se a quê, o desaparecimento desta síndroma?

– Acho que se deve muito à melhor qualificação dos árbitros, e a uma consciência maior dos árbitros que melhoram a sua "performance" e conhecimentos.

– Os árbitros são mais qualificados no Brasil?

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– Sim, apesar de ainda estarem a dever. Os árbitros brasileiros viram-se desafiados pela televisão, que vive com o dedo apontado sobre eles.

– Esse controlo também acontece noutros países, designadamente em Portugal.

– Mas no Brasil a televisão mostra os erros com uma quantidade de câmaras que obrigam os árbitros a se qualificar. Por exemplo, o árbitro brasileiro, e em geral, nunca deu muita importância à formação da barreira. Mas as televisões têm um sistema electrónico capaz de medir a distância. Assim, como sabem que a televisão está medindo, ficam muito rigorosos e intimidados por ela. Na verdade, o futebol brasileiro é muito indisciplinado no campo. Os jogadores são muito indisciplinados. Então, o que preocupa todo o mundo é que os árbitros sejam, e têm sido, muito rigorosos.

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Brasileiros faltosos

– O problema é exclusivo dos jogadores?

– Lá são os jogadores, porque o futebol brasileiro é o mais faltoso do Mundo na actualidade. A sua média de faltas é a mais elevada do Mundo, e varia entre 50 e 60 faltas médias por partida. Por isso, o que preocupa, sobretudo, é a indisciplina do jogador.

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– Existe menos suspeição no Brasil do que na Europa?

– O que se cobra muito dos dirigentes é, exactamente, uma gestão mais profissional, criteriosa e menos ávida de dinheiro.

– A Copa João Havelange foi criada esta época para contrariar a suspeita que envolveu o futebol brasileiro? Ou é excessiva esta ideia?

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– A Copa João Havelange nasceu espuriamente, porque como a CBF [Confederação Brasileira de Futebol] teve decisões contestadas na justiça comum e não pôde, por exemplo, fazer o campeonato sem o Gama. Então eles usaram um artifício, fazendo o clube dos 13 que é um campeonato não oficializado pela CBF para poder admitir o Gama. É um futebol de muita velhacaria e muita tramóia dos dirigentes. Eles estão muito desacreditados e isso está prejudicando a credibilidade do futebol brasileiro. Como vê, ninguém questiona muito obsessivamente a arbitragem, mas sim a gestão. Os dirigentes não têm um apuro ético, e o futebol brasileiro está numa carência muito grande de ética e de estética.

Zero craques

– Perdeu qualidade?

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– Está mal jogado o jogo. E porque está mal jogado o jogo? Porque o futebol brasileiro não tem mais craques. Quando o jogador se insinua como craque, já é levado para a Europa, de Portugal até à Alemanha.

– Isso aconteceu com as recentes transferências de Roger e André para o Benfica?

– No outro dia, um jornalista me perguntou se eu considerava o Pena um craque. Mas eu não te posso dizer, porque eu não vi o Pena jogar, e agora os craques no Brasil são cometas. Não posso afirmar sobre qualquer deles, porque ainda não os vi.

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– Os jogadores saem antes de confirmarem qualidade?

– O que é muito mais grave, eles estão a começar a vir antes de serem promessas. São uma lotaria, e a obsessão dos empresários pelo dinheiro leva a um verdadeiro arrastão, uma verdadeira sangria. Temos agora uma comissão parlamentar de inquérito no Congresso Brasileiro. Aliás, duas comissões que estão a investigar até que ponto o poder público tem o direito de fechar os olhos a essa degradação da infância brasileira. Hoje é mais fácil você exportar uma criança que uma arara, porque existe um controlo ambiental sobre as espécies como o leão, a arara, a borboleta e a tartaruga. Agora o jogador sai com dez ou 12 anos de idade e não tem mais nenhum direito a ser criança. Quando começa a ser criança, ele já vira adulto por decreto. É o que nós chamamos um arrastão que entra no viveiro brasileiro e tira, arranca, fazendo o futebol brasileiro perder a sua identidade.

– O futebol brasileiro não importa jogadores e mantém um nível elevado, pelo menos na selecção. Porquê?

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– Não importa, porque não tem dinheiro para importar. E segundo, porque há o pressuposto que o jogador brasileiro é muito bom, e se ainda não é bom vai ser bom. Então traz-se a promessa, baratinho. Compra-se a promessa, e o que vai acontecer connosco lá? Nós vamos perder a nossa identidade, porque o juvenil e o júnior perde a referência. Quando o jogador começa a se definir como craque é arrancado para ir para Portugal, Espanha, Itália, França, Alemanha...

"Lobby" demoníaco

– Na sua perspectiva de jornalista, os meios de comunicação têm denunciado o problema?

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– Têm, mas nós poderíamos ser um pouco mais implacáveis e um pouco mais eloquentes a denunciar essa brutal evasão que ocorre no futebol brasileiro. Tenho a impressão que a partir dessas duas comissões parlamentares de inquérito a gente talvez passe a limpo o futebol brasileiro.

– Com lida o poder político com essa pressão?

– O que acontece é que de tanto descalabro que houve nos últimos anos, o poder público, o poder legislativo, sentindo o clamor popular, resolveu tomar uma posição. E agora vai, espero eu, desembarcar com mão de ferro em cima dessa situação catastrófica que os maus dirigentes levaram ao futebol brasileiro.

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– A Lei Pelé, que visou iniciar a transformação empresarial, não beneficiou o futebol brasileiro?

– A Lei Pelé está sendo triturada por etapas, porque o futebol tem o "lobby" muito grande no Congresso. Então, toda a classe política do futebol faz pressão no Congresso para deformar a Lei Pelé.

– Quem forma esse "lobby"?

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– Esse "lobby" é composto porque, lá dentro do Congresso, se elegem políticos das regiões estaduais ligados ao futebol. Então é um tremendo círculo vicioso que espero comece a se romper dentro do próprio Congresso, com a tal instauração há cinco ou seis meses dessas duas comissões: uma na Câmara e outra no Senado. Elas são fruto do clamor popular, diante de tantos escândalos: o escândalo da maneira como foi organizada a Copa João Havelange, o escândalo da maneira como se organizam os campeonatos, o escândalo da maneira suspeita como saem do Brasil os jogadores em operações de clara lavagem de dinheiro.

– Os jornalistas denunciam tudo isso?

– Estamos denunciando, até porque todo o Mundo acha que é uma situação clamorosa, de injustiça social e falta de respeito ao desporto.

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– No futebol, essa relação entre o jornalismo e a realidade é diferente de outras áreas de actividade como a economia ou a política?

– Acontece que há escândalos em todos os sectores, mas os escândalos que ocorrem em outros sectores não repercutem internacionalmente como repercutem os escândalos do futebol, porque o futebol é o cartão de visita do Brasil. Hoje nós temos entre dois a três mil jogadores a actuar no resto do planeta. E cada um desses jogadores é uma referência do futebol brasileiro. Por isso, também, o jornalismo desportivo tem se esmerar em dar uma total cobertura a essas comissões parlamentares, porque acredita que esse é o único caminho que pode levar à redenção do futebol brasileiro.

– Fala em redenção, mas acho-o muito negativo. O que interessa mais às pessoas?

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– Continua a ser o futebol.

– Então mantém razões para estar optimista?

– Tenho razões para estar optimista, mas o futebol está sendo assassinado por uma onda de falta de ética que é assustadora, entendeste? Pode parecer que eu sou terrorista, mas não sou. Estou a fazer uma constatação. Não temos condições de reter os nossos jogadores, porque os empresários e dirigentes mal-intencionados se aproveitam desse verdadeiro mercado negro que se faz em torno do futebol brasileiro, empobrecendo os espectáculos.

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Fenómeno Figo

– A escola americana de jornalismo é melhor que a europeia, ou apenas diferente?

– A televisão contribuiu muito para comprometer o lado poético, romântico e sonhador que o rádio preservava muito bem. O futebol é uma doce ilusão. É uma grande fantasia. E o rádio assegurava isso mais que a televisão, que introduziu uma enorme dose de realismo. A bola que falhou, o lance violento, a cotovelada. Essas coisas que o rádio não mostrava e que corresponde aos sentimentos subalternos da criatura humana, como a maldade, a velhacaria.

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– Mas a televisão também pode, e valoriza, esse lado poético.

– Ela não pode, porque estará distorcendo a realidade que ela mesma encerra. Na verdade, a televisão tenta extrair de uma partida de futebol, “a posteriori”, o que nós chamamos lá os "melhores momentos". Mas há cada vez menos "melhores momentos" no futebol brasileiro para a televisão mostrar, porque está a empobrecer muito por esse fenómeno que chamei a sangria, o arrastão. Se aponta um craque no futebol brasileiro, jogando no Brasil no momento? Está jogando até Junho o Ronaldinho Gaúcho. Quais são os craques?

– Júnior Baiano e Romário têm estatuto de craques.

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– Júnior Baiano não é craque. Romário é craque, mas está com 35 anos. É a única excepção que glorifica o futebol brasileiro pelo que faz na grande área. É incomparável, mas o Romário é o último dos moicanos. Você não tem um craque na verdadeira acepção da palavra, porque teve momentos em que a selecção brasileira escalava no mínimo cinco craques. E agora você não escala um único supercraque. Aliás, essa expressão "supercraque" desapareceu do vocabulário e do dicionário do jornalismo desportivo. Não existe mais no futebol brasileiro, e era de lá que vinham supercraques como Didi, Garrincha, Nilton Santos, Rivelino, Gerson, Jairzinho ou Tostão.

– Ronaldo, o "fenómeno", está lesionado há mais de um ano, e não joga. Mas o Rivaldo tem feito excelente carreira no Barcelona e foi considerado o melhor do Mundo. É tudo assim tão mau?

– Questiono, pois quando o Rivaldo foi considerado o melhor do Mundo já eu considerava o Figo. Na selecção brasileira, Rivaldo ainda não respondeu como craque.

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– Para si, o Figo é o melhor jogador do Mundo?

– Sem dúvida alguma. Já desde o Barcelona, porque para mim o Figo é o mais europeu dos jogadores latinos e o mais latino dos jogadores europeus. E digo isso, porque no futebol brasileiro não tem ninguém com a habilidade latina que ele revela quando tem a bola. Por outro lado, não tem ninguém com uma determinação maior quando perde a posse da bola. E este é o seu carácter europeu... a constância que o torna completo.

– Poderia jogar na selecção do Brasil?

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– Até nas grandes selecções. Na de hoje, eu gostaria de falsificar um passaporte para ele jogar na selecção do Brasil. Eles poderiam falsificar um passaporte para botá-lo na selecção brasileira.

– Mesmo nas selecções anteriores, dos anos 50, 60 e 70?

– Sim, ele teria lugar, porque é um jogador excepcional. E é um jogador íntegro como pessoa, que consegue reunir todos os ingredientes que configuram um ídolo.

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– Qual é o defeito dele?

– Foi não ter nascido no Brasil, o que é atenuado porque fala a mesma língua, mas é pouco...

Falta de assunto

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– Se faltam craques, também falta assunto ao jornalismo?

– Eu, por exemplo, vivo à míngua no meu programa, porque tenho pavor de falar essas babuseiras emergentes. E gosto de falar do craque.

– Não me chegou a dizer se a escola americana, em que entronca a escola brasileira, é melhor que a europeia.

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– Tanto a europeia como a americana têm vantagens, porque eu distingo o jornalismo desportivo em várias categorias. Você tem o repórter desportivo que é capaz de informar, o comentarista desportivo que é capaz de analisar, e o cronista desportivo que tem o direito de recriar o jogo. O melhor cronista desportivo do Brasil foi Nélson Rodrigues que não entendia nada de futebol e nem enxergava direito o jogo. Ele recriava o jogo, que era um sonho para ele...

– Como é para Jorge Valdano.

– E como eu gostaria que fosse para mim, que me considero mais cronista. E é pena que a minha formação, que o exerço o jornalismo, tenha freado em mim esse sentimento meio lírico de ser um cronista ainda preso a essas preocupações tácticas do jogo, quando eu faço um esforço enorme para não dar importância a isso.

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– Mas gosta disso...

– É por hábito. Costumo dizer que o mais importante que o jogo é o jogador, mais o importante que o jogador é a jogada, e mais o importante que a jogada é o gesto. Para mim o que importa é a estética: o gesto do homem com a bola.

– E onde cabe o golo nesse contexto. A objectividade? Fica para si no plano da jogada?

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– Há duas maneiras de você ver o golo. Uma maneira objectiva de ver o golo do Romário, que é executado com extrema objectividade, frieza, e uma capacidade espantosa de economizar energia. Mas se você se detiver, vai ver que ali tem um artista que está intuitivamente criando belezas no campo. Ele tem algumas características pessoais importantes: a televisão mostra muito o olhar dele, que é o olhar de quem não está olhando para ninguém nem para nada. É um olhar supostamente vago, e você não o agarra pelo olhar, por isso os defesas ficam aterrorizados e em pânico: onde é que ele está? Existe uma astúcia meio ingénua numa alma como a do Romário que é uma coisa assim meio felina. Eu fecho os olhos, não é para não ver ninguém, mas para não ser visto por ninguém.

O barroco brasileiro

– Contesta o modelo fixo das escolas de futebol, mas esse modelo pelo menos na Europa deu excelentes frutos, como o Ajax campeão europeu. Não terá de existir uma intercepção das duas escolas?

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– Exactamente. O jogador brasileiro é antes de mais nada um intuitivo. É um jogador medular que só vai ser reflexivo depois dos 25 anos. Até então, é um confronto dessa mistura de naturezas: esse espírito meio aventureiro do sangue português, e a astúcia do índio e do negro. Isso deu um tipo especial, não só do ponto de vista psicológico mas do ponto de vista fisiológico. Deu um jogador com mais jogo de cintura, e um jogador mais barroco. É o barroco brasileiro. E esse jogador pode ser adaptado às realidades científicas do futebol computadorizado, mas é preciso que ele consolide primeiro as suas qualidades, porque senão ele vai se formar sem o prazer de um drible.

– O jogador não quer mais do que isso? Não quer ser profissional?

– Você pega o garoto que precisa de ascensão social, num país como o Brasil de grandes injustiças sociais. É a oportunidade que o garoto pobre, negro, mestiço, tem de ascender socialmente. Tudo o que você disser para ele no treino, ele faz. Fica mais ou menos robotizado para não perder a oportunidade. Diz não drible, e ele não dribla. Diz não dá passe de calcanhar, e ele não dá passe de calcanhar, porque aquilo é arabesco e o arabesco não tem mais lugar no futebol objectivo e pragmático que se joga hoje no Mundo e é igual em todos os campos. Está a ficar igual. A minha esperança era quando despontaram os africanos, mas agora os europeus já descobriram o celeiro africano e estão indo buscar os criolinhos, tudo moçinho, tudo criança. Vão trazendo para cá, e vão modelando ao seu padrão e à sua escola.

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– Isso é negativo?

– Eu não sei se é negativo. Eu não gosto... Numa palestra que fiz há dias no Porto, um jornalista perguntou-me como explica que o jogador brasileiro que sempre foi tão indisciplinado no campo chega à Europa e se enquadra? Ele ganha tanto dinheiro, e como dizia o Nélson Rodrigues, o dinheiro compra até o amor verdadeiro. O dinheiro transforma um grande peladeiro num grande jogador cartesiano. Essa é que é a verdade.

Comentadores e emoção

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– O que conhece dos comentadores de futebol em Portugal? Alguns adoptaram uma maneira de estar, e falar, semelhante à brasileira, na entoação e mesmo nas palavras. Tem explicação para isso?

– Isso é uma tentativa de dar emoção a uma coisa que não emociona. Por isso eles douram a pílula, o que é um artificialismo porque na realidade se o futebol continuasse a ser a beleza que era, você não precisava de ser eloquente. Bastava sublinhar, e não precisava gritar para emocionar o telespectador em casa. Vendo a selecção brasileira de 70 jogar, você não precisava nem de falar. Ficava caladinho e passava a emoção.

– Essa intervenção humorística e de entretenimento que o comentador assume tornou-se muito importante. Porquê?

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– Se você perguntar ao público verá que ele gostaria que os comentadores fossem um pouco mais contidos. Embora eu ache que eles estão a fazer isso para acrescentar um elemento de emoção a um espectáculo que está a ficar cada vez mais monótono.

– Que ideia tem dos comentadores e jornalistas em Portugal?

– Tenho uma experiência muito incipiente por aqui. Estou de passagem e não me detenho para fazer uma análise do comportamento do jornalismo em geral. Mas gosto muito do jornalismo francês, porque eles têm uma clave para ver o futebol que me agrada muito. Na minha formação passei por grandes cronistas, e até escritores como Gabriel Annaud, ou Jacques Ferrand, que são grandes analistas do futebol, mas não perdem o sabor e a doçura do jogo. Eles valorizam a estética do jogo. Quando o Brasil ganhou o Mundial de 58, os grandes cronistas franceses desembarcaram no Brasil para ver o fenómeno do futebol brasileiro, porque estavam fascinados. Então, esse gosto estético é muito cultivado pelo jornalismo francês.

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– E o jornalismo brasileiro também o cultiva?

– O jornalismo brasileiro cobra muito a perda da substância estética no futebol, porque estamos muito mal acostumados. As décadas do pós-guerra, de 50, 60 e 70 foram muito generosas do ponto de vista da qualidade do futebol brasileiro. Então isso nos habituou de tal maneira que somos meio intolerantes com o que está acontecendo actualmente. Hoje não há craques, mas se eu não deplorar isso, não vou ficar em paz com a minha consciência. Podem considerar-me ultrapassado, que eu devo pertencer a outro futebol, e a outra era. Aceito. Não tenho armas, tenho apenas o exercício da palavra, que infelizmente não é tão poderoso como os outros elementos com que se manipula hoje o futebol.

Negócio romântico

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– Há um negócio dentro do espectáculo do futebol?

– Como afirmou o professor Jorge Bento na palestra que efectuámos juntos há dias no Porto, o futebol precisa de mais ética e menos "show".

– Isso vende bilhetes, faz audiências, ou vende publicidade?

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– O que faz a grandeza do futebol não é o espectáculo, é a paixão. E os mercantilistas estão minando essa paixão. Quando eles transformarem o clube numa sociedade anónima, o torcedor ficará muito preocupado com o que está a acontecer na bolsa.

– Em Portugal, as duas coisas aconteceram: as sociedades e a entrada na bolsa. Mas não se descaracterizou o interesse do público pelas equipas de futebol.

– O clube que faz mais sucesso como sociedade anónima é o Manchester United, que está a deixar de ser olhado como um clube de futebol para ser olhado como um grande "business" que dá certo. Então, o que mais se fala não é dos golos que porventura façam os jogadores do Manchester United. O que mais se fala é do rendimento que o seu “merchandising” produz.

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– Mas esse não é um caso extremo?

– É um caso extremo, mas por ser bem sucedido pode vir a transformar-se num paradigma. A minha esperança é que clubes como o Barcelona continuem a resistir e que a camisa e o escudo do Barcelona sejam mais importantes que os anúncios que transformaram o jogador num verdadeiro "outdoor" ambulante. Sou demasiado romântico no desporto para me conformar com essa história de sociedades anónimas e bolsa.

– A organização empresarial contribui para aumentar a transparência da gestão no futebol?

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– Espero que isso venha a acontecer. No Brasil ainda não aconteceu, e a experiência do casamento do capital com a paixão popular e a torcida foi um fracasso no primeiro ano. A Hicks & Muse, que é um fundo de pensões das velhinhas do Ohio [Estados Unidos], tomou o Corinthians num contrato por 25 anos. A partir do momento em que fez essa parceria, o Corinthians passou a perder os melhores jogadores e não ganhou mais nada. De quem é a culpa?

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