A defesa do empresário e ex-agente de futebol José Veiga defendeu que a acusação no processo 'Rota do Atlântico' "é apenas a versão do Ministério Público", que vai contestar, estando ainda por decidir se pede abertura de instrução.
Rogério Alves, advogado de José Veiga, disse esta 4.ª feira à Lusa, à margem do julgamento do processo 'Operação Lex', no qual também representa o empresário e que decorre no Tribunal Militar de Lisboa, que o seu cliente foi ouvido pela última vez em inquérito no processo 'Rota do Atlântico' em 28 de novembro e que a defesa se preparava ainda para juntar documentação, que já não foi entregue a tempo, mas que será agora junta ao processo.
Sobre a acusação, um extenso documento de 1.700 páginas que ainda vai estudar, o advogado disse que "aquela é a versão do Ministério Público" (MP) e que a defesa, seja na contestação, seja em fase de instrução se optar por essa via, vai apresentar o que considera ser "a correta versão sobre os factos".
Rogério Alves rejeitou a "classificação criminal da prática dos atos, nomeadamente daqueles que poderiam ter efeito em Portugal, que seria o branqueamento", e a imputação de crimes de corrupção e de fraude fiscal, "que será facilmente desmontada".
A defesa nega ainda que decorra deste caso qualquer prejuízo para o Estado português.
"Nenhum dinheiro gasto pelo Estado português ou por portugueses está ali envolvido. Estamos a falar de pagamentos feitos por entidades estrangeiras, por trabalhos realizados no estrangeiro, e, portanto, não há qualquer lesão para Portugal. Aquilo que o Estado português se arroga, através do MP, é a cobrança de impostos, de valores que foram produzidos fora de Portugal, mas que podemos discutir se são ou não tributáveis em Portugal, mas não são prejuízos para Portugal", disse.
Ainda sobre a acusação, Rogério Alves disse que "finalmente o MP compreendeu (...) que não houve qualquer tráfico de influências, como estava indiciado, na compra do Banco em Cabo Verde".
"E, como dissemos desde o princípio, só havia uma proposta para comprar o Banco. Não houve favorecimento, não houve cunhas, não houve apoio, não houve nada. Houve uma proposta, foi aceite, e o valor foi pago. Ponto final", acrescentou.
Mesmo compreendendo a complexidade do processo e da investigação, Rogério Alves considerou que 11 anos de investigação "é um tempo excessivo, muito excessivo", que não pode ser atribuído a manobras dilatórias, "o que demonstra que porventura não são as manobras dilatórias a mãe de todos os males da justiça".
Também a defesa de Paulo Santana Lopes, arguido no processo, antigo sócio de José Veiga e suspeito de corrupção para obtenção de contratos de obras públicas na República do Congo, criticou os tempos da justiça.
"Depois de mais de 10 anos de investigação, notificar os arguidos de uma acusação com 1.700 páginas a pouco mais de uma semana do Natal não me parece humano", afirmou o advogado Tiago Félix da Costa, em reação enviada à Lusa.
O advogado frisou que o seu cliente cessou toda a atividade relacionada com os factos em investigação e esteve "sempre disponíveis para colaborar", nunca tendo pedido consultas ao processo nem apresentado recursos, "por acreditar que a sua colaboração espontânea, baseada em factos e provas seria suficiente para afastar as suspeitas que sobre si recaiam".
"O meu cliente deixou sempre muito claro e demonstrou que nunca corrompeu quem quer que fosse. O meu cliente trabalhou, e muito, nas obras que foram feitas na República do Congo, e foi remunerado -- muito bem, é verdade -- pelo trabalho que realizou. O MP demorou 10 anos a entender outra coisa", disse a defesa.
Tiago Félix da Costa considera que este é um "processo algo 'sui generis' e com o seu quê de hipocrisia, não só pelo tempo decorrido, mas porque os factos estão relacionados, não com Portugal, mas com um Estado estrangeiro, no caso a República do Congo".
"Trata-se de um processo que, como alguém escreveu recentemente, merece ser autopsiado", concluiu.
O MP acusou nove pessoas no processo Rota do Atlântico, no qual estão em causa suspeitas de corrupção de funcionários e titulares de cargos políticos na República do Congo para adjudicação de obras públicas.
Os arguidos estão acusados dos crimes de corrupção ativa com prejuízo do comércio internacional, branqueamento e fraude fiscal qualificada.
"Resulta da acusação que nos anos de 2011 a 2013 um grupo empresarial brasileiro - pela atuação de dois dos seus dirigentes, arguidos nos autos, e de outros dois arguidos -, através da promessa concretizada da entrega de bens a funcionários e titulares de cargos políticos na República do Congo, obteve nesse país a adjudicação de diversos contratos de obras públicas", refere o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) em comunicado divulgado na terça-feira.
Os valores contratualizados globais ascenderam a pelo menos 1,19 mil milhões em dólares (cerca de mil milhões de euros) e 1,63 mil milhões em euros.
O processo Rota do Atlântico, no qual foram detidos em 2016 o ex-empresário do futebol José Veiga e Paulo Santana Lopes, irmão do antigo primeiro-ministro Pedro Santana Lopes, deu origem ao processo Operação Lex, no qual estão a ser julgadas suspeitas de viciação de sorteios no Tribunal da Relação de Lisboa.