Poucas semanas depois de ter pendurado as chuteiras, aos 33 anos, Cristiano Piccini abriu o coração e em entrevista à 'Gazzetta dello Sport' confessou ter sofrido de problemas de saúde mental ao longo da carreira - com início em Sevilha, ao serviço do Betis, antes da sua transferência para o Sporting - que o conduziram a uma depressão.
"Achei que era a mesma coisa que o Spezia, Carrarese, Livorno... E não. Eu era uma criança. Uma bebida aqui, um cigarro ali... E tudo acabou por ir parar ao Twitter. Fui massacrado [pelos adeptos] porque não era visto como profissional - e eles tinham razão. Fisicamente eu era um prodígio, não precisava de comer nem treinar bem. Nem dormia e treinava duas vezes mais do que os outros. Mas depois chegou a hora de pagar o preço, tive problemas com os adeptos", começou por referir, concretizando: "Rompi o ligamento cruzado depois de 18 jogos a titular, quando era um dos melhores laterais da La Liga. Voltei 6 meses depois e a cada pequeno erro linchavam-me, Escreviam coisas horríveis sobre mim no Instagram e no Twitter. Eu lia e sentia-me mal. Voltei de lesão, fiz três golos e três assistências e eles continuavam a atacar-me. Contra o Leganés marquei o 2-1 e gritei: 'Calem a boca, seus filhos da p***'. Leram os meus lábios e acabou aí".
No verão de 2017, o antigo lateral mudou-se do Betis para o Sporting, mas nem a mudança de ares o impediu de continuar a "sofrer muito", já que continuou a ser alvo de críticas por parte dos adeptos andaluzes. "Entrava no Twitter, escrevia 'Piccini' e tinha o dia estragado. Cinco deles podiam dizer coisas boas e três coisas más, mas eu concentrava-me nesses três. Durante muito tempo não consegui lidar com isso. Depois assinei pelo Sporting e, antes mesmo de chegar a Lisboa, já era um jogador de m****. Os adeptos do Betis escreviam isso e os do Sporting liam", assumiu, ainda que tenha conseguido fazer o 'clique' de leão ao peito, às ordens de Jorge Jesus: "Aí disse chega. Ia jogar a Liga dos Campeões e não podia estar com esse veneno na cabeça, gerado por pessoas que não me conheciam. Desliguei tudo e fiz uma grande temporada. O Valencia comprou-me depois"
Em 2018, de regresso a Espanha, o antigo internacional italiano fez uma boa época de estreia em Valencia, mas viu a evolução travada por nova lesão grave, algo que agravou a sua saúde mental. "Depressão, erros, dor, desespero. Foi muito difícil. Passei muitos meses sem ser eu mesmo. Super agressivo, irritado com o mundo, ninguém me suportava por causa do nervosismo e da negatividade que eu demonstrava. Andava triste e deprimido, não tenho vergonha de o dizer», admitiu.
As passagens pela Atalanta e Estrela Vermelha não o ajudaram - pelo contrário - e Piccini afundou-se ainda mais. "Estás nas nuvens e, de repente, encontras-te no ponto zero, lançado para uma realidade que já não é a tua, que nunca foi, e que é difícil de assimilar. Muitas situações podem desencadear isto: problemas pessoais, a perda de um familiar, um desgosto amoroso. No meu caso, foi uma lesão. Nem sabia para onde ir. Enfrentei tudo sozinho e houve muitas noites que esperei que a minha esposa fosse dormir para que ela não me visse a chorar inconsolavelmente. Perdi toda a motivação. A única coisa que queria fazer era jogar PlayStation. E quando percebi que estava a perder a minha família, soube que precisava de fazer alguma coisa, recuperar a minha vida", sublinhou.
Hoje, anos depois, o ex-jogador transalpino admite estar "ótimo" e um dos passos que o ajudou a melhorar foi a prática do ioga, algo que iniciou ao serviço do Sporting. "Quando estava no Sporting, comecei a fazer ioga e encontrei um professor com quem conversar. Senti-me bem e isso fez-me sentir melhor. Comecei a partir daí. Quando entras neste ciclo de m****, não queres fazer nada, não queres falar com ninguém, não queres parecer fraco. Pensamos que somos super-heróis, mas não somos. Não queremos demonstrar fraqueza, mas é fundamental. Tens de ser honesto contigo próprio, tens de te libertar da m**** que tens dentro de ti. E fazer isso é uma grande virtude, um ato de grande força e um ato de amor-próprio", apontou, rematando com um conselho aos clubes e aos futebolistas: "Esqueçam a questão de se ganhar muito dinheiro e o resto, casas bonitas, carros bonitos, relógios bonitos... Quando se deixa alguém sozinho com dor, ele fica mal. O clube, assim como faz com o fisioterapeuta quando há uma lesão, deveria ter alguém que possa ajudar a assimilar este processo e depois a superá-lo. 'Porque é que isto aconteceu comigo? O que é que eu fiz para merecer isto? Agora que estou ótimo, que tenho tudo, até mesmo recém-casado, tenho de estar assim, sozinho, e não sei como lidar com esta situação.' Não sei o que é certo e o que é errado. Os clubes deveriam ajudar os jogadores a não se sentirem tão sozinhos. Não somos um contrato que pesa quando nos lesionamos, somos um trunfo para o clube".
Por Ricardo Granada