O dia em que Robert Enke decidiu que tudo acabava numa linha de comboio

Foto: Melanie Maps
Foto: Carlos Patrão/arquivo
Foto: Miguel Barreira

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Guarda-redes sucumbiu a uma depressão e suicidou-se faz hoje 10 anos

A 10 de novembro de 2009 Robert Enke saiu de casa pela manhã e disse à mulher que ia chegar tarde. Tinha duas sessões de treino marcadas com o treinador de guarda-redes do Hannover, que não esperasse por ele. Teresa acreditou.

Só que ao final do dia Enke não apareceu em casa e Teresa ficou preocupada. Telefonou ao treinador de guarda-redes e soube que afinal não tinha havido qualquer treino marcado. Soaram os alertas, Teresa temeu o pior. Ligou de seguida ao empresário de Robert, em pânico. Ele pediu-lhe para ver em casa se o marido lhe tinha deixado algum bilhete e ela encontrou uma carta no quarto. "Querida Terri..."

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Enke vagueou durante 8 horas de carro, sozinho, sem rumo. Até que parou o Mercedes a uns metros da estação Neustadt am Rubenberge, nos arredores de Hannover, não muito longe do cemitério onde a filha Lara estava sepultada, e decidiu que tudo terminava ali. Caminhou umas centenas de metros pela linha férrea e acabou por ser mortalmente colhido por um comboio regional; a polícia de Hannover revelou que teve morte imeditata. O maquinista não recuperou do choque até hoje.

O guarda-redes, de 32 anos, vivia com uma grave depressão, pouca gente o sabia. Nunca superou a morte da filha Lara em 2006, de apenas dois anos. A menina nasceu com um problema cardíaco grave e morreu devido a complicações ocorridas numa cirurgia aos ouvidos. O casal adotou depois uma criança, Leila, de dois meses, que tinha 8 meses quando o pai morreu. Robert adorava-a, mas Lara não lhe saía da cabeça...

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Era acompanhado por um médico, Valentin Makser, que confirmou o estado depressivo do jogador. Enke tinha medo que o público soubesse da sua condição, que lhe retirassem a filha...

Os problemas psicológicos do guarda-redes começaram no Barcelona, depois de se transferir do Benfica. Em Lisboa viveu um dos melhores períodos da sua vida; o casal adorava a cidade, as pessoas, o clima... Ainda hoje Teresa passa férias na zona de Sintra. Planeavam um dia mudar-se para Portugal.

Enke e Teresa viviam perto de Monsanto; enquanto a maior parte dos jogadores do Benfica residia na zona de Telheiras, o alemão preferia estar mais perto da natureza e dos animais. O casal salvava tudo o que era animal abandonado que lhe aparecesse à porta.

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O guarda-redes chegou à Luz em 1999, numa fase em que o Benfica passava por um momento conturbado, com a presidência de João Vale e Azevedo, e saiu em 2002, para o Barcelona. Na biografia do jogador, o jornalista Ronald Reng conta que Enke teve uma proposta do FC Porto e que não a aceitou, por respeito ao Benfica. Foi para a Catalunha, mas arrependeu-se pouco depois. Começaram aí a maior parte dos seus problemas...

Esteve quase um ano sem jogar. Foi ultrapassado por Valdés. Mas num jogo da Taça do Rei o treinador Louis van Gaal colocou o alemão na baliza, diante do modesto Novelda, último classificado da 3.ª divisão. E o Barcelona perdeu por 3-2. "Enke assinou a sua sentença", escreveu o diário 'Sport' na altura. Frank de Boer, o capitão de equipa, culpou publicamente o guarda-redes pela derrota.

Desejou nunca ter saído do Benfica, onde era feliz. Acabou por rumar à Turquia, ao Fenerbahhçe, por empréstimo, mas ao cabo de apenas 13 dias estava de regresso a Barcelona. Depois de uma derrota por 3-0, em que os adeptos lhe atiraram objetos da bancada e o ofenderam verbalmente, Enke não aguentou. Foi nesta fase que começou a ser seguido pelo dr Makser. Com a autoestima muito em baixo rumou ao Tenerife.

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Em 2004 regressou à Alemanha, assinando pelo Hannover. Foi este o clube que o catapultou para a seleção da Alemanha, mas nem isso o fazia sorrir. Enke vivia com medo do fracasso, da crítica, de perder o futebol e a filha. Havia dias em que não queria sair da cama, em que se sentia mal, muito mal. Ninguém no clube sequer suspeitou, todos pensavam que não era muito falador porque era uma pessoa reservada. Nada mais.

O dr Makser queria interná-lo, mas ele dizia que não, que estava bem. Mas não estava. Enke achou que apenas a morte o podia livrar daquele fardo e marcou encontro com ela naquele final de tarde do dia 10 de novembro de 2009. "As vezes o amor não basta", constatou Teresa, que sempre fez de tudo para resgatar o marido da tristeza em que estava atolado.

Depressão

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Falar em depressão no futebol há 10 anos era como falar de homossexualidade. Era tabú. Ninguém admitia estar triste, psicologicamente doente, pois havia o medo de ser considerado fraco, de perder o lugar na equipa ou de ser humilhado pelos adeptos.

Mas nos últimos anos inúmeros atletas têm vindo a público falar sobre tema. André Gomes, no Barcelona, passou por momentos complicados; Gianluigi Buffon, Gary Neville, Iniesta e mais recentemente Marcelo já confessaram ter passado por momentos complicados. Se hoje fosse vivo Enke saberia que não estava sozinho... 

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