Naide Gomes: «Portugal precisa que as pessoas mudem de hábitos»

Naide Gomes: «Portugal precisa que as pessoas mudem de hábitos»

Antiga atleta, de 43 anos, é uma das embaixadoras da São Silvestre El Corte Inglés, que se vai correr no dia 31 deste mês. Após o fim da carreira, dedicou-se à fisioterapia, mas continua a fazer treinos ao ar livre com regularidade.

RECORD - Porque é que aceitou ser embaixadora da São Silvestre El Corte Inglés?

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NAIDE GOMES – É a segunda vez que me convidam para ser embaixadora de uma São Silvestre. É um prazer e um privilégio. Agradeço do coração por não se esquecerem da Naide. Lembro-me perfeitamente da primeira vez. Foi dois meses depois de eu ter sido mãe do meu segundo filho, em 2017. Desafiaram-me a fazer uma caminhada e eu acabei por correr os 10 quilómetros e terminei em menos de uma hora. Foi sem preparação, sofri imenso e jurei para nunca mais [risos]. Mas este ano, quando me voltaram a fazer o convite, obviamente que aceitei com todo o prazer, porque é uma corrida emblemática no final do ano e é em prol do desporto, da saúde e para as pessoas se divertirem e estarem com a família. É um momento especial e aceitei por isso, faz parte de mim. Não sou uma corredora de meia-distância, mas é atletismo e está-me nas veias. Este ano, infelizmente, não poderei repetir o feito, porque, com muita pena minha, não vou estar em Lisboa, mas sinto-me uma privilegiada por poder contribuir para esta grande festa do desporto. Dia 31 vai ser para ‘lavar a alma’, lavar algumas gordurinhas que temos para depois festejar e entrar no novo ano em grande.

R - O facto de se correr no último dia do ano pode ser um ‘pontapé de saída’ para mudar hábitos no próximo ano?

NG – Para muitos dos que vão correr que seja um ‘pontapé de saída’ para mudança de estilo de vida, porque nós precisamos mesmo. O nosso país, e o mundo em geral, precisa que as pessoas mudem hábitos. Não digo que todos têm de correr, mas façam caminhada. Façam algo por si, pela sua saúde e pelo seu estado mental, porque, em vez de tomarem 5 ou 10 comprimidos, vão fazer desporto, porque deixam certamente de tomar comprimidos. É um grande remédio.

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R - Organizar uma corrida destas para as famílias é uma boa forma de incentivar miúdos e graúdos a correr?

NG – Também. Os pais e os amigos acabam por incentivar a prática. Vão caminhar ou fazer pequenas corridas e isso é bom para os miúdos verem a multidão que se vai formar nesse dia. Acaba por ser uma fonte de inspiração para que esses miúdos saiam de casa e façam alguma coisa. Atualmente é muito bom para os jovens saírem de casa e fazerem desporto, para não estarem agarrados à televisão, aos jogos e aos telemóveis, porque interagem uns com os outros, faz-lhes bem mentalmente e deixam de estar sozinhos. Falo por mim, porque tenho os meus filhos que querem sempre jogar e tento incentivá-los à prática do desporto. Obrigo-os a saírem de casa, a fazerem outras coisas e conviverem.

R - Que conselhos dá a quem for correr a sua primeira São Silvestre no dia 31?

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NG –Se não tiverem experiência nenhuma façam a caminhada ou comecem a treinar antes. Se for a primeira vez que vão correr não o façam na São Silvestre. Se o fizerem, corram um bocadinho, caminhem outro bocado e façam essa alternância, porque, para, quem não está habituado, 10 km não são fáceis. Hidratem-se bem, não é no dia que se deixa de comer para ficar mais leve para a prova. Levem roupa e sapatos confortáveis e divirtam-se acima de tudo.

R - A fisioterapia é uma forma de continuar ligada ao desporto e ajudar atletas a alcançar os seus objetivos?

NG – Escolhi a fisioterapia precisamente para ajudar outros atletas, tal como também fui ajudada, não só a tratar, mas também a prevenir lesões. Neste momento faço esse papel, mas também tenho o papel de ser uma atleta com a experiência que tive e poder ajudar os outros atletas com conselhos, porque estive na pele deles e senti o que eles sentem. Tentar apoiar em todos os sentidos, porque realmente fico mesmo muito feliz quando eles alcançam os seus objetivos sem lesões e sem dores e agradecem-me: ‘Naide, obrigada. Se não fosses eu não conseguiria’. Isso enche-me o coração. As vitórias deles, em parte, também são as minhas e as derrotas também. Fico triste quando não lhes corre tão bem, tal como os meus fisioterapeutas ficavam tristes, na altura, quando as competições me corriam mal. Estou aqui para ajudar. Neste momento, para além da fisioterapia, terminei uma formação de técnica especialista de exercício físico e dou também treinos personalizados, com o intuito de poder ajudar os outros a terem uma qualidade de vida melhor.  

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R - Que benefícios é que o desporto traz à vida das pessoas?

NG – Principalmente a nível mental. Quando vais correr libertas-te de todos os problemas. Faz muito bem a nível cardiovascular. Evita possíveis lesões, é importante termos impactos articulares para prevenir a osteoporose. Faz muito bem ao coração. Acima de tudo, faz bem à alma das pessoas. Acaba por ser um complemento para ter uma qualidade de vida melhor, sem problemas de colesterol alto e outros problemas cardiovasculares, obesidade, diabetes…

R - Teria tido uma vida diferente se não tivesse optado pelo desporto?

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NG – Não sei (risos), mas foi a vida que vivi durante muitos anos: desde os 13 aos 35 anos. Na altura em que terminei a carreira não me via, de todo, a fazer outra coisa, mas obviamente que me preparei ao tirar uma formação superior. Neste momento sou terapeuta no gabinete médico do Sporting. Quando competia continuei os meus estudos, fui fazendo algumas disciplinas e quando terminei a carreira já tinha uma formação feita. Um dos conselhos que deixo a qualquer jovem que queira enveredar por alguma modalidade é que nunca deixe de estudar, porque nunca se sabe. Pode acontecer uma lesão grave que nos impeça de continuar e temos de ter alguma coisa para fazer. Eu graças a Deus tive este mérito meu, mas também tive pessoas que me aconselharam a não parar de estudar.

R - Anunciou o fim de carreira em 2015, sente saudades?

NG – Sinto muitas da adrenalina, dos objetivos todos os anos, do treino diário, daquela vontade de me superar todos os dias. Sinto falta da competição, do barulho das pessoas e do desafio. Senti, e continuo a sentir muitas saudades, contudo temos de saber parar e perceber que é altura de sair, porque as lesões não permitiram que eu continuasse e terminasse a minha carreira da forma que sonhei: num grande palco internacional e sair pela porta de cima. Tentei com todo o esforço e vontade que tinha. Não o consegui, infelizmente tive de terminar, porque as lesões não me permitiram fazer melhor: ganhar medalhas e superar a marca dos 7 metros. Quando assim é, tens de pôr as coisas na balança e ver o que pesa mais. Decidi que estava na altura da minha retirada e tive de terminar uma carreira lindíssima. Nesse ano descobri que estava grávida e a vinda de um filho suavizou um momento que seria muito duro. Ao longo dos anos foi muito duro, mas agora já estou mais do que superada. Tinha muitos mais objetivos para cumprir, não consegui todos, mas consegui muitos e muito bons.

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R - Qual o melhor momento da sua carreira?

NG – Foram muitos. Ganhei 12 medalhas internacionais, se não me engano. Todas foram muito importantes na minha evolução e crescimento, tanto como atleta como pessoa, mas destaco antes uma marca: quando atingi a barreira dos 7,1 metros. Senti-me muito realizada por ser a primeira mulher portuguesa a passar essa barreira. A mítica barreira dos 7 metros. É o sonho de qualquer atleta que faça salto em comprimento e obviamente continuar a evoluir. Foi um dia muito feliz para mim.

R - O que se sente a representar o nosso país nos Jogos Olímpicos?

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NG – Sinto um grande orgulho e sinto-me uma privilegiada por ter esse privilégio de representar um país como o nosso. Também representei o país onde nasci, São Tomé e Príncipe, embora vista as cores portuguesas. É um privilégio, porque nem todos o conseguem fazer com qualidade e com aquilo que fiz. Quando subo ao lugar mais alto do pódio, é um prazer ouvir o hino nacional e as pessoas a aplaudirem. É uma sensação indescritível. Só mesmo vivenciando este momento para conseguir exprimir aquilo que sentia.

R - Gostava que os seus filhos seguissem uma carreira idêntica à sua?

NG – Eu gostava muito. Não necessariamente aquilo que eu fazia. Vou dar-lhes o poder da escolha, ou seja, vão experimentar aquilo que quiserem e no dia que disserem ‘mamã, eu quero, quem sabe, salto em comprimento ou atletismo’, eu apoiarei. Acima de tudo quero que sejam felizes e gostem daquilo que fazem. Não vou obrigar, tal como eu fiz, escolhi, foi por vontade própria e, quando assim é, é meio caminho andando para o sucesso. Espero que os dois escolham alguma modalidade e se mantenham no caminho do desporto. Penso que todos os jovens deveriam praticar desporto, porque faz muito bem. Em vez de estarem em casa agarrados aos telemóveis e aos jogos, sair de casa, experienciar novas vivências, interagir com as pessoas e fazer desporto faz muito bem.

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Por Rafael Franco
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