Aqui pelo burgo, as grandes transferências raramente são tratadas com a sobriedade e transparência de intenções exigível. Preferem-se os jogos de bastidores, a ficção de conflitos e a manipulação da opinião pública.
O caso de Gyökeres é claro: o jogador quer sair, o Arsenal há muito que tem acordo com ele, e as negociações com o Sporting decorreram com normalidade, e no final será anunciado que o jogador foi transferido por um valor muito aproximado ao dos cinquenta e cinco milhões de libras de que a imprensa britânica fala há mais de um mês. Mas em público, encenaram uma história de heroica resistência, de dramatização em torno de cláusulas reais e fictícias, e fingiram surpresa e indignação — tudo para evitar o custo político da saída da principal figura das duas derradeiras edições da Liga Portugal.
Foi uma reedição com esteróides do cenário que o Benfica montou na temporada passada para justificar a saída de João Neves.Houve uma proposta concreta, o jogador estava preparado para dar o salto. Mas mesmo assim teve de ser escrita uma triste e injusta estória de traição embrulhada numa retórica de intransigência, enquanto a estrutura do clube ansiava discretamente pela concretização de tão esperada venda.
Os adeptos são deixados de fora do processo, servindo apenas para validarem ingenuamente as encenações montadas.
Dirigentes e empresários tornaram-se especialistas em fabricar tensão onde há tantas vezes apenas e só interesses contiguos. As “novelas” servem para iludir a realidade: clubes e jogadores querem o mesmo, mas precisam de dramatizar o processo para não perderem capital moral junto dos seus. E enquanto isso, os adeptos perdem a confiança, afastam-se dos seus ídolos e vêem a paixão pelo jogo substituída pelo cinismo dos milhões que todos querem para si, mas que têm de distribuir por diferentes agentes desta comédia trágica, alguma comunicação social incluída.
A verdade? O que se negocia amigavelmente à porta fechada é vendido como conflito aberto nas capas dos jornais. E o futebol, esse, vai-se esvaziando da sua autenticidade.
Por Nuno Félix