O julgamento do processo 'Operação Lex' arrancou esta quarta-feira no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) com o juiz conselheiro presidente do coletivo a assinalar o caráter "inédito na história judiciária" portuguesa do caso que senta ex-juízes no banco dos réus.
"Constitui uma situação inédita na nossa história judiciária", disse o juiz conselheiro José Piedade na abertura do julgamento, na qual recordou o caráter de tribunal de recurso do STJ.
O magistrado definiu as regras de funcionamento das sessões e estabeleceu o objetivo do tribunal de "garantir à comunidade a descoberta da verdade e a produção de decisão ajustada à mesma".
A sessão, com início marcado para as 9H30 arrancou já perto das 10H30.
O advogado José Santos Martins, arguido no processo, faltou à primeira sessão por imprevistos de saúde, tendo o Ministério Público (MP) requerido a apresentação de justificação da falta no prazo de três dias e o prosseguimento do julgamento, por não encontrar impedimentos provocados por esta ausência.
O juiz conselheiro José Piedade salientou a obrigatoriedade de presença de arguidos e lembrou que há lugar ao pagamento de multas pelas ausências, advertência que estendeu ao assistente no processo, o ex-jogador de futebol João Vieira Pinto, também ausente, mas representado pelo seu advogado Tiago Rodrigues Bastos.
À entrada para a primeira sessão do julgamento, a maioria dos principais arguidos remeteu-se ao silêncio, tendo o ex-juiz desembargador Vaz das Neves prometido prestar declarações no julgamento.
O ex-juiz desembargador Rui Rangel reiterou a sua inocência e manifestou também a intenção de prestar declarações, mas o seu advogado João Nabais disse que tal não deverá acontecer na primeira sessão.
Miguel Matias, advogado de Luis Vaz das Neves, argumentou em declarações iniciais que a distribuição ou redistribuição de processos num tribunal "são meros atos de gestão que não influem de forma nenhuma na decisão dos juízes", rejeitando a tese da acusação de manipulação e viciação desse processo de atribuição de processos com objetivos de favorecer terceiros.
A ser verdade, continuou, teriam que estar também sentados no banco dos réus os juízes que proferiram as decisões e que não são sequer arguidos no processo.
Rogério Alves, advogado do empresário José Veiga, seguiu na mesma linha e apontou uma "confabulação teórica desprovida de factos" em relação à tese de manipulação de distribuição de processos, considerando que a acusação "morre de morte natural à nascença".
À saída da interrupção para almoço, o advogado João Nabais, reiterou a preferência por esperar pela produção de prova para que depois o seu constituinte preste declarações e disse não recear o teor as declarações de Vaz das Neves, ponto único da sessão da tarde hoje.
O julgamento da 'Operação Lex' leva a tribunal 16 arguidos, entre os quais os ex-juízes desembargadores Rui Rangel e Vaz das Neves, e o ex-presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira.
A julgamento chegam apenas 16 dos 17 arguidos, uma vez que morreu entretanto o empresário Ruy Carrera Moura, acusado no processo por um crime de corrupção ativa para ato ilícito.
A acusação do MP foi conhecida em setembro de 2020 e centra-se na atividade desenvolvida pelos ex-desembargadores Rui Rangel, Fátima Galante e Luís Vaz das Neves -- que, segundo a acusação, utilizaram as suas funções na Relação de Lisboa para obterem vantagens indevidas, para si ou para terceiros, que dissimularam.
Segundo uma nota da Procuradoria-Geral da República, para que fosse garantido o pagamento das vantagens obtidas pelos acusados, num montante superior a 1,5 milhões de euros, foi requerido na altura o arresto de património.
Enquanto decorria a investigação, o Conselho Superior da Magistratura decidiu expulsar Rui Rangel da magistratura e colocar Fátima Galante em aposentação compulsiva. Já Vaz das Neves jubilou-se em 2016 e foi substituído por Orlando Nascimento, que também já abandonou o cargo.
Rui Rangel está acusado de corrupção passiva para ato ilícito, abuso de poder, recebimento indevido de vantagem, usurpação de funções, fraude fiscal e falsificação de documento e Fátima Galante de corrupção passiva para ato ilícito, abuso de poder, fraude fiscal e branqueamento de capitais.
Vaz das Neves responde por corrupção passiva para ato ilícito e abuso de poder, enquanto Luis Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica, e que perdeu no passado fim de semana a possibilidade de voltar a ser eleito para esse cargo, está acusado de recebimento indevido de vantagem.
O empresário de futebol José Veiga, o oficial de justiça Octávio Correia, o advogado José Santos Martins e o seu filho Bernardo Santos Martins, são alguns dos outros arguidos, a par de Bruna do Amaral, ex-namorada de Rui Rangel.
O processo Operação Lex foi conhecido em 30 de janeiro de 2018, quando foram detidas cinco pessoas e realizadas mais de 30 buscas.
Por Lusa