Rei magriço em terras de Sua Majestade

Rei magriço em terras de Sua Majestade

Estreia na Seleção com derrota indigesta

Jogar por Portugal tornou-se questão de tempo a partir do verão de 1961, altura em que deu os primeiros passos de imposição no Benfica. Eusébio foi galgando etapas até à estreia na Seleção, consumada pela mão de Fernando Peyroteo, o violino goleador que teve passagem efémera como responsável técnico nacional (apenas dois jogos). Na preparação para o jogo no Luxemburgo, a 8 de outubro de 1961, o Pantera Negra acreditou que podia cumprir um sonho de sempre: jogar ao lado de Matateu, seu ídolo de infância. A estrela belenense, que estava com 33 anos, lesionou-se e inviabilizou a possibilidade de juntar no mesmo grupo quatro dos mais extraordinários avançados de sempre em Portugal: Peyroteo, como selecionador, mais Matateu, José Águas e Eusébio.

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O jogo com os luxemburgueses, na qualificação para o Mundial’62, foi uma desgraça para a Seleção, que perdeu por números comprometedores: 2-4. Aos 19 anos, a nova estrela marcou um golo e, apesar da derrota, lançou a lenda que seria a carreira com as quinas ao peito.

Fenómeno universal empurrado pelas quinas

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Dir-se-á que o talento explosivo, o mediatismo, a figura e o percurso ao serviço do Benfica teriam sido suficientes para que Eusébio adquirisse o estatuto de estrela absoluta do futebol europeu e mundial. Mas em cima de todos os argumentos que lhe conferiram um trono em termos nacionais e internacionais, o rei aproveitou a força arrasadora da Seleção para potenciar o gigantesco império que foi construindo.

No início de 1965, Portugal deu início à epopeia. A 24 de janeiro, os Magriços arrancaram para a longa caminhada que havia de deixá-los às portas da máxima glória. Eusébio lançou as bases da história apontando três dos cinco golos no triunfo sobre a Turquia (5-1), na primeira jornada da qualificação. E prosseguiu nos dois jogos seguintes, ambos ganhos por 1-0: golo fantástico, de livre direto, na deslocação a Ankara (Turquia), mais outro, em Bratislava (Checoslováquia), no qual pegou na bola a meio campo e foi por ali fora até ao tiro fulminante que bateu a então vice-campeã mundial – jogo em que o sportinguista Fernando Mendes saiu lesionado aos 3 minutos e o belenense José Pereira defendeu uma grande penalidade.

Quando chegou a Inglaterra, em julho de 1966, Eusébio já era visto como um dos melhores jogadores do Mundo, Bola de Ouro em 1965, com três finais da Taça dos Campeões no currículo. Mas para o fenómeno universal em que se transformou muito contribuiu a exuberância do que conseguiu nas duas semanas do Mundial’66.

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Génio aclamado no Mundo inteiro

O mito do Pantera Negra seria altamente dimensionado na campanha de 1966. Eusébio teve apenas uma oportunidade para se eternizar na história do Mundial e não a desperdiçou. Perante a iminência de robustecer os argumentos que já faziam dele uma estrela do futebol, agigantou-se com a pressão à sua volta, enfrentou os holofotes, reclamou todas as atenções e confirmou, com todo esse peso em cima dos ombros, que era um génio à procura de aclamação universal.

Depois de ligar os motores nos dois primeiros jogos, com Hungria e Bulgária, Eusébio explodiu para atuações que integram a antologia das mais esplendorosas demonstrações de talento individual que o futebol algum dia observou num palco de excelência. Frente ao Brasil, então bicampeão mundial, aceitou o duelo que o planeta lhe propôs com Pelé e saiu vitorioso em toda a linha. Porque o brasileiro estava inferiorizado mas, sobretudo, porque era invencível naqueles dias ingleses que alimentaram o inesperado sonho de um povo. Marcou dois golos na vitória por 3-1 que devolveu prematuramente os brasileiros a casa e pôs o Mundo inteiro a venerá-lo como rei. O melhor ainda estava para vir.

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Quando fez 4 golos em apenas hora e meia

Quis o sorteio que os quartos-de-final fossem disputados com a Coreia do Norte, que eliminara a Itália na fase de grupos. Os dados estavam lançados mas nem os mais pessimistas podiam prever o susto de, aos 23 minutos, Portugal já ter sofrido 3 golos. Eusébio assumiu então o papel de locomotiva da Seleção e arrancou para a mais fabulosa de todas as suas atuações. Rebocou a equipa até à vitória, marcou quatro golos e tornou-se, para sempre, uma das referências da história da competição. Podem contar-se pelos dedos de uma das mãos as exibições individuais ao nível daquela que efetuou frente aos norte-coreanos. Depois disso, brilhou na meia-final perdida com a Inglaterra (penálti a Gordon Banks) e no jogo do 3.º e 4.º lugares, ganho à URSS (penálti a Yashine). Pela grandeza do que conseguiu nesse mês de julho de 1966, pode considerar-se que atingiu nessa altura o ponto mais alto de uma carreira que o elevou ao máximo reconhecimento planetário.

Duas Botas de Ouro e o êxito da Minicopa

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Os anos seguintes não fizeram abrandar a fúria criativa do génio da Mafalala. Nas duas temporadas seguintes foi campeão nacional, melhor marcador do campeonato e finalista europeu, em Wembley, com o Manchester United. Em 1967/68 conseguiu ainda a Bota de Ouro, prémio destinado ao maior goleador de todas as ligas europeias – 42 tiros no alvo. Repetiria a conquista em 1972/73, na temporada em que o Benfica foi campeão sem qualquer derrota, apontando 40 golos, que lhe permitiram bater o alemão Gerd Müller, bombardeiro de referência do Bayern Munique, da RFA e do futebol mundial.

Aos 30 anos, Eusébio teve ainda um último reconhecimento internacional com as quinas ao peito, na qualidade de capitão e símbolo na Minicopa, o torneio que celebrou o centenário da independência do Brasil. Jogou a nível elevado, numa Seleção que fazia a ponte entre o que restava dos Magriços (ele, Jaime Graça e Fernando Peres) e uma geração que, na década de 70, apesar da grande qualidade individual, nunca atingiu um grande palco ou chegou lá em fim de carreira: Artur, Humberto Coelho, Adolfo, Toni, Dinis, Artur Jorge, Nené e Jordão, entre outros. Portugal perderia na final com o Brasil (0-1) mas deixou excelente imagem em confronto com seleções de elite, como todas as sul-americanas mais União Soviética, Checoslováquia, Jugoslávia, França e República da Irlanda.

Homenagem digna de um génio absoluto

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A 23 de setembro de 1973, o Benfica organizou uma festa de homenagem digna da sua estrela maior. Santiago Bernabéu, mítico presidente do Real Madrid, que tanto desejou tê-lo em Chamartin, marcou presença, bem como o lendário Matt Busby, treinador do Manchester United na década de 50 e 60, a quem brilhavam os olhos sempre que falava do Pantera Negra. Mas não vieram sós: Bobby Charlton, Best, Banks, Keizer, Gento, Seeler, Netzer, Blankenburg, Paulo César Lima, entre muitos outros, estiveram numa festa que também entrou para a história pela desavença fatal criada com o então treinador benfiquista. Jimmy Hagan afastou Humberto Coelho, Toni e Diamantino Costa da convocatória por falta de empenho no treino matinal. O rei pediu-lhe para reconsiderar mas o velho inglês não cedeu. Como Fernando Neves, responsável pelo futebol encarnado, autorizou a presença dos três futebolistas no banco, Hagan abandonou o clube.

Estátua em vida de um símbolo eterno

Vítima de sucessivas operações aos joelhos (seis ao esquerdo e uma ao direito), Eusébio entrou na veterania despedindo-se aos poucos como ator principal nos grandes palcos. No final de 1974/75, época na qual efetuou apenas 9 jogos e marcou 2 golos, partiu para os Estados Unidos. Quando a temporada chegou ao fim, regressou a Portugal. O Benfica não se mostrou entusiasmado com a inclusão da velha glória: o treinador John Mortimore disse que não o queria e Romão Martins, à época responsável pelo futebol, sentenciou que, antes de assinar, devia prestar provas. Eusébio entendeu essa decisão como a maior grosseria de que foi alvo pelo clube. Recusou depois o Sporting (chegou a reunir-se com o presidente João Rocha) e o Belenenses, acabando no Beira-Mar. Continuou a jogar nos Estados Unidos e a voltar, tendo ainda representado o U. Tomar, em 1977/78, no escalão secundário.

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Desde essa altura, manteve-se como mito do Benfica e do futebol português. No dia em que fez 50 anos, a 25 de janeiro de 1992, assistiu à inauguração da estátua que o perpetua como símbolo maior da águia e que permaneceu, pelo tempo fora, como local de peregrinação dos adeptos, na velha e na nova Luz. A 1 de dezembro do mesmo ano, teve a festa de consagração definitiva, que voltou a trazer a Lisboa alguns heróis do seu tempo, o maior dos quais Alfredo di Stefano. De resto, a sua ligação ao clube, com mais ou menos proximidade, nunca esteve em causa. Em 2000 decidiu participar na campanha eleitoral e foi trunfo da vitória de Manuel Vilarinho sobre Vale e Azevedo.

Um embaixador em toda a linha

Em 1994, por decisão de António Oliveira, então selecionador, tornou-se embaixador da equipa nacional, cargo que juntou ao papel de referência absoluta que sempre desempenhou no Benfica. Foi nessa qualidade de figura máxima do futebol português que assistiu entusiasmado ao aparecimento da Geração de Ouro; alimentou o sonho de uma grande conquista internacional; vibrou com os êxitos individuais de Figo e Cristiano Ronaldo (esteve com eles em quase todos os momentos marcantes); deixou-se levar pelo instinto e apoiou Luiz Felipe Scolari incondicionalmente desde que o brasileiro assumiu o cargo (em 2003) até abandoná-lo (em 2008). Em 2004 viu o nome no Passeio da Fama do futebol, no Rio de Janeiro, na entrada principal do mítico Maracanã, ao lado de Pelé e, desde então, viveu longe dos holofotes mas sempre com o reconhecimento devido aos heróis retirados.

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