Até meados do século passado, outros atingiram o patamar superior da consideração universal mas nenhum como Alfredo di Stéfano foi tão duradouro e consensual.
Começou por ser um avançado-centro rápido e acutilante, evoluiu para fabuloso marcador de golos e, na reta final da carreira, tornou-se um todo-o-terreno como o futebol não estava habituado a ver.
Na final da Taça dos Campeões de 1961/62, frente ao Benfica, e apesar dos 3 golos de Puskas (o Real perdeu por 3-5),Don Alfredo foi a figura maior da equipa, o omnipresente, o inspirador, o maestro... Por incrível que parecesse, estava a poucos dias de completar 35 anos. A derrota teve ainda um simbolismo: passar o testemunho de melhor jogador europeu a um jovem de 20 anos chamado Eusébio da Silva Ferreira, de quem será o eterno ídolo.
La Maquina.
Chamaram-lhe La Saeta Rubia (A Flecha Loura), alcunha que honrava a excelência e o estilo do futebol que praticava. A sua história ao mais alto nível começou com uma barreira difícil de ultrapassar.
Quando chegou ao River Plate, em1945, a formação de Buenos Aires beneficiava do quinteto avançado mais famoso de sempre da Argentina e da própria América do Sul: La Maquina, assim era chamada a frente de ataque composta por Muñoz, Moreno, Pedernera, Labruna e Loustau.
Foi emprestado ao Huracán em 1945/46 para regressar de vez em 1946/47, época na qual contribuiu para o título nacional e para a conquista da Copa América pela Argentina.
Colômbia
Em 1949, numa fase de conflito com o clube argentino, recebeu proposta irrecusável do Millonarios de Bogotá, clube que representou ao lado de Adolfo Pedernera, seu ídolo na juventude e jogador a quem roubou o lugar no River.
O velho avançado era treinador-jogador dos colombianos, cuja federação não fazia parte da FIFA, razão pela qual não estava submetida à entidade reguladora do futebol mundial. A Colômbia foi, durante esse período de transição entre os anos 40 e 50, um eldorado que Di Stéfano aproveitou para ganhar dinheiro e confirmaras qualidades que o colocavam entre os melhores do Mundo.
Nessa realidade sem controlo superior fez quatro jogos particulares com a camisola da Colômbia – foi internacional por três países (sê-lo-ia mais tarde por Espanha), feito só repetido por Ladislau Kubala (Hungria, Checoslováquia e Espanha).
Real versus Barça
Numa digressão europeia do Millonarios, em1952, Di Stéfano viu-se envolvido no processo mais delicado da carreira, alvo do interesse de Real Madrid e Barcelona. Os catalães negociaram com oRiver Plate, que era o detentor oficial do seu passe, enquanto os merengues escolheram os colombianos como interlocutores.
A 13 de maio de 1953, Di Stefano chegou a Barcelona disposto a representar o clube – chegou a mesmo a treinar-se pelo Barça.
Surgiu então a figura imponente de Santiago Bernabéu, presidente madridista, que convenceu o futebolista a esperar pela intervenção do governo espanhol, cuja decisão salomónica (faria quatro anos em Espanha, dois pelo Barcelona e outros tantos pelo Real Madrid, alternadamente) desagradou profundamente aos catalães.
A 23 de outubro do mesmo ano, o clube renunciou a todos os direitos que tinha sobre Di Stéfano. O Real Madrid ganhara a guerra. E o futebol espanhol não voltaria a ser o mesmo.
A estrela maior
Di Stéfano consolidou então o estatuto de melhor jogador do Mundo, ao mesmo tempo que lançava as bases que haviam de transformar o clube merengue no maior e mais ganhador do século passado. Enquadrado por equipas das quais fizeram parte alguns dos melhores futebolistas do seu tempo, como Ferenc Puskas, Paco Gento, Kopa e Didi, entre outros, a Flecha Loura foi somando títulos (venceu oito das dez ligas nacionais seguintes à sua chegada a Chamartin) e glória internacional (cinco Taças dos Campeões Europeus e duas Bolas de Ouro), entrando na veterania sem mostrar quebras de rendimento.
Sequestro em Caracas
Em agosto de 1963 foi raptado pela Frente de Libertação Nacional da Venezuela, durante a Pequena Taça do Mundo de Clubes. Dois supostos polícias chegaram ao hotel onde se encontrava o Real Madrid com a intenção de o levarem à delegação, sob acusação de tráfico de droga.
Di Stéfano entrou para o carro e só então percebeu o que estava a passar-se: “Isto é um sequestro mas, Dom Alfredo, esteja descansado, nada lhe vai suceder. Somos revolucionários, estamos contra o regime no nosso país, queremos só chamar a atenção”. Di Stefano confirmou que foi muitíssimo bem tratado pelos rebeldes. Dois dias depois foi libertado. “Trataram-me como um rei”, confidenciou mais tarde.
Treinador
Terminada a carreira de jogador, com duas épocas ao serviço do Espanhol, Dom Alfredo iniciou um longo percurso como treinador. Campeão nacional pelo Valencia, clube pelo qual venceu também a Taça das Taças e a Supertaça Europeia, teve uma curta passagem pelo Sporting, então liderado por João Rocha.
Foi apresentado a 27 de julho de 1974 e deixou o Sporting a 8 de Setembro, precisamente na véspera do arranque do campeonato 1974/75 – os leões deslocaram-se a Faro, para defrontar o Olhanense, tendo perdido por 0-1.
Ligações a Portugal
Sempre ligado ao Real Madrid, clube do qual foi presidente honorário desde 5 de novembro de 2000, Di Stéfano nunca deixou de estar na primeira linha do futebol. A 24 de dezembro de 2005 sofreu um ataque cardíaco mas nem isso o fez mudar de atitude em relação ao clube – em 2010 voltou a ter e a recuperar bem de problemas cardiorrespiratórios de média gravidade.
De resto, desde o novo século esteve ao lado das grandes figuras do futebol português que têm brilhado no Bernabéu: Luís Figo (2000), Cristiano Ronaldo (2009) e José Mourinho (2010) deram os primeiros passos no clube ao lado do maior mito da história merengue.
Alfredo di Stéfano Laulhé faleceu esta segunda-feira, aos 88 anos.
Como jogador
ARGENTINA
1945-1949 – River Plate 95 jogos, 79 golos
1946 – Huracán (emp.) 66, 50
COLÔMBIA
1949-1953 –Millonários 131 jogos, 120 golos
ESPANHA
1953-1964 – Real Madrid 486 jogos, 307 golos
1964-1966 – Espanyol 77, 41
SELEÇÕES
1947 – Argentina 6 jogos, 6 golos
1949 – Colômbia 4, 0
1957-1961 – Espanha 31, 23
Palmarés: campeão argentino (1945 e 1947); campeão colombiano (1948/49,1950/51,1951/52 e 1952/53); Taça da Colômbia (1952/53); campeão espanhol (1953/54, 1954/55,1956/57, 1957/58, 1960/61, 1961/62, 1962/63 e 1963/64); Taça de Espanha (1961/62); Taça dos Campeões Europeus (1956/57, 1957/58, 1958/59 e 1959/60); Taça Intercontinental (1959/60); Taça Latina (1954/55 e 1956/57); Campeão sul-americano (1947)
Como treinador
1967/68 – Elche
1969/70 – Boca Juniors
1970/74 – Valencia
1974/75 – Sporting *
1975/76 – Rayo Vallecano
1976/77 – Castellón
1979/80 – Valencia
1981/82 – River Plate
1982/84 – Real Madrid
1985/86 – Boca Juniors
1986/88 – Valencia
1990/91 – Real Madrid
Palmarés: campeão argentino (1969 e 1981); Taça da Argentina(1969); campeãoespanhol (1970/71); Supertaça espanhola (1990); Taça das Taças (1979/80); Supertaça Europeia(1980); campeão espanhol da 2.ª Divisão(1986/87)
* Chegou a Alvalade a 27 de julho de 1974 e partiu a 8 de setembro