Ricardo Silveirinha
Ricardo Silveirinha Clube Romântico de Futebol

Futebol Polifuncional

Com o respeito que os grandes homens têm por seus sábios, Marcelo Bielsa pede desculpa a Menotti - que acreditava profundamente na especificidade de cada posição - ao lançar para o universo a bomba da polifuncionalidade. Coisa, aliás, que me diz muito porque é assim que eu vejo o jogo desde que comecei a jogar futebol: amplo, abrangente, sem um necessário e aprisionado lugar definido em campo.

O super-jogador deve ser aquele que pode rodar no tabuleiro e continuar a produzir grande futebol porque entende a essência de cada posição, reconhece-lhe as virtudes e defeitos, sabe-lhe os caminhos. Não significa isto que um treinador deva abdicar de especialistas ou que, se tivermos no plantel um fabuloso finalizador, o devamos desprezar por uma ideia colectiva mais apelativa. Não, estudando o que todos os jogadores podem trazer ao nosso jogo, deveremos então incorporar uma fórmula que potencie ao máximo o talento que temos. Que pode perfeitamente passar por ter 6 ou 7 jogadores polifuncionais e outros 4 ou 5 menos capazes de girar no tabuleiro mas extremamente eficazes nas funções que lhes pedimos. Acabe-se de vez com os radicalismos de um lado e de outro.

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O que defende então El Loco para os escalões de formação? Ao contrário do que é recorrente, Bielsa refuta a ideia de ter um mesmo sistema de jogo em todas as equipas, desde os 10 anos ao plantel principal. A ideia é precisamente a contrária: ter em cada escalão um sistema diferente que vá mudando assim que o jogador sobe um patamar na hierarquia. Compreenda-se: é o sistema que muda, não o modelo. Este deve ser transversal em todo os escalões: como sair, que tipo de pressão, predilecção por jogo interior ou exterior, linha defensiva, transições defensiva e ofensiva, que tipo de condicionamentos ao adversário e em que zonas do campo. A alma das equipas é a mesma com esqueletos diferentes.

Porquê? Porque o jogador aprende, desde miúdo, a adaptar-se a estímulos distintos dentro do campo. A posições diferentes. A dificuldades que lhe eram estranhas um ano antes. Um médio consegue perceber melhor o movimento do lateral do seu lado se lá tiver passado no ano anterior. Sabe-lhe melhor os movimentos, antecipa facilmente um posicionamento. Torna-se mais natural em campo. Mais funcional. O jogo dos colegas fundem-se mais facilmente com o seu. Começa a existir uma simbiose mais clara e eficaz.

Este jogador, que aos 10 jogou em 442, aos 12 em 433, aos 14 em 343, aos 16 em 4231, aos 18 em 352 vai chegar à equipa principal com um conhecimento táctico absolutamente maior sem ter deixado de se ir definindo como especialista. Aliás, mais facilmente se descobre qual a melhor posição em campo para um jogador se o virmos em posições diferentes ao longo da sua formação, tendo sempre um modelo de clube claramente definido desde que começou a jogar futebol.

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O jogador polifuncional chega assim aos 18 anos muito mais capaz de dar uma resposta afirmativa quando é chamado a jogar com os melhores. A sua integração - que é sempre a grande incógnita, mesmo com jovens muito talentosos - far-se-á de uma forma mais fluida, mais orgânica. O jogador não sente que chegou a um muro intransponível. Pelo contrário, recebe os mesmos estímulos criativos que sempre recebeu nos escalões inferiores. Há ali um lugar de conforto que o potencia a impor-se e a impor a sua qualidade logo que chega à equipa principal.

O tabuleiro gira sem que a qualidade se perca. Com a vantagem extraordinária de criar problemas diferentes e mais complexos ao adversário. Jogadores polifuncionais para um futebol muito mais universal. Futebol cheio, criativo, desconcertante. Futebol total.

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Por Ricardo Silveirinha
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