O desporto está a viver uma das maiores transformações da sua história. Durante décadas, a lógica era simples: competições tradicionais, regras estáveis e uma narrativa centrada na performance e nos resultados. Mas essa fórmula já não seduz as novas gerações. Hoje, o desporto compete com o TikTok, a Netflix ou o Gaming por atenção, e isso está a mudar tudo. A pergunta é clara: até onde podemos ir para tornar o desporto cada vez mais “entretenimento” sem perder a sua essência?
Um dos exemplos mais emblemáticos desta revolução é a Kings League, criada por Gerard Piqué. Um torneio de futebol de 7 que começou como uma brincadeira e rapidamente se tornou um fenómeno global. Com jogos curtos, regras imprevisíveis e transmissões interativas, a liga conquistou milhões de adeptos em plataformas como Twitch e YouTube.
Só em 2025, acumulou mais de 38,2 milhões de horas assistidas e um pico de 1,9 milhão de espectadores simultâneos, com 88% da geração Z a declarar interesse pelo formato. O segredo? Dinamismo, imprevisibilidade e integração com a cultura digital. Cartas que mudam regras, golos que valem o dobro nos minutos finais e presidentes influenciadores que decidem jogadas são elementos que transformam cada partida num espetáculo multimédia.
Este sucesso não é isolado. Os eSports já são uma indústria bilionária, com torneios que atraem audiências superiores às de muitas modalidades tradicionais. Em 2025, eventos como League of Legends e CS2 movimentaram prémios que ultrapassam os valores pagos a atletas de elite, consolidando os jogos eletrónicos como concorrentes diretos do desporto físico.
A lógica é semelhante: ritmo acelerado, interatividade e conteúdos pensados para partilha social. Para uma geração habituada a estímulos constantes, esperar 90 minutos por um golo é quase um anacronismo.
Mas esta corrida pelo entretenimento levanta várias questões críticas. Até que ponto podemos alterar regras, formatos e narrativas sem comprometer a autenticidade do desporto? A tradição é um ativo poderoso. Competições como a Liga dos Campeões ou os Jogos Olímpicos não são apenas eventos; são símbolos culturais que carregam valores como mérito, esforço e fair play. Se tudo se tornar espetáculo, corremos o risco de transformar o desporto num produto descartável, sem identidade.
Por outro lado, ignorar esta tendência é um suicídio estratégico. A atenção é a nova moeda, e quem não souber captá-la ficará para trás. Estudos mostram que 54% dos jovens preferem conteúdos de bastidores e experiências interativas a acompanhar apenas o desempenho em campo. Isso significa que clubes, ligas e marcas precisam de reinventar a forma como comunicam e entregam valor. Não basta transmitir jogos; é preciso criar narrativas, experiências digitais e momentos partilháveis.
O futuro do desporto será híbrido. Formatos disruptivos como a Kings League não vão substituir as competições clássicas, mas vão obrigá-las a evoluir. Pausas técnicas, conteúdos exclusivos, integração com redes sociais e experiências imersivas serão cada vez mais comuns. A questão não é escolher entre entretenimento e tradição, mas encontrar um equilíbrio que preserve a essência do jogo enquanto responde às expectativas de um público hiperconectado.
O desporto sempre foi emoção. Agora, precisa de ser emoção em alta velocidade. Quem entender isso primeiro vai liderar. Quem resistir, corre o risco de se tornar irrelevante. A guerra já começou e não se joga apenas dentro do campo.
Por Daniel Sá