Luís Alves Monteiro
Luís Alves Monteiro Atleta olímpico

A ética no desporto e a ética do desporto!

Faz hoje uma semana que assisti à apresentação do livro "Contributo para um direito centrado na ética do desporto" da coautoria do meu caro amigo Alexandre Mestre e de Rui Silva Seabra. Foi uma apresentação com um contributo inestimável de duas personalidades incontornáveis da Sociedade Civil.   

O Professor Eduardo Marçal Grilo, que fez uma apreciação sobre as virtudes do tema, as oportunidades que um assunto tão importante traz, as responsabilidades que acarretam, e as inevitáveis ligações com o processo educativo e com a educação de uma nação. Como diz e bem, e passo a citar, "É preciso que a sociedade e os governos se convençam de que a educação é a base de uma sociedade mais equilibrada, menos agressiva e menos propensa aos radicalismos"  Ainda houve oportunidade para contar uma rábula bem humorada que retrata tão fielmente uma mentalidade portuguesa do "bota abaixo", da critica e inveja dos que simplesmente fazem, e o efeito que pode ter no comportamento mais ou menos ético de uma sociedade.

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Miguel Poiares Maduro, no seu espaço de intervenção, fez uma reflexão sobre o equilibrio da ética no desporto e da ética do desporto. Se ambas existem, então em que grau de dependência devem ser apreciadas, qual a valoração que se deve dar a cada uma, qual a sua origem, e se esta mesma ética que deveria ser um comportamento adquirido por todos, quase como aquilo a que se designou chamar de bom senso, ou em direito o Juizo do bonus pater familiae, se poderia traduzir numa tão propalada necessidade normativa, ou se essa mesma necessidade não se poderia tornar numa contradição.

Sendo assim, reflectindo sobre a ética e falando de ética, e acrescentando também o bom senso, podemos dizer que a ética se refere a um conjunto de princípios morais que orientam o comportamento humano, envolvendo a distinção entre o certo e o errado, o bom e o mau, na busca para determinar o que é moralmente correto nas diferentes situações, dependendo de valores e normas que variam de uma cultura para outra, podendo ser também por princípios filosóficos, religiosos ou legais.

Já o bom senso refere-se à capacidade de tomar decisões prudentes e sensatas com base na experiência e no julgamento prático. Como dizia o meu saudoso pai, bom senso não se ensina, ou se tem ou não se tem e, acrescentava com alguma razão, nunca o tentes explicar. Até porque o bom senso envolve a aplicação do conhecimento adquirido e da razão para lidar com situações quotidianas de maneira lógica e equilibrada.

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Embora ética e bom senso possam sobrepor-se, especialmente quando se trata de tomar decisões moralmente justas em situações do dia a dia, não são sinónimos. Por outro lado, a ética e o bom senso podem complementar-se, contribuindo para a tomada de decisões éticas e práticas. Nestes planos, temos ainda o conceito já falado do bonus pater familia,  que aprecio particularmente, até pela minha formação universitária, que se pode alinhar a esses princípios, enfatizando a responsabilidade e a integridade na liderança ou na gestão de uma família ou de um grupo.

Então o que é que me faz escrever estas linhas sobre a ética no desporto e a ética do desporto? A responsabilidade, o próprio sentido de ética, tentar colaborar, acrescentar ao debate e passar uma mensagem positiva, mas sobretudo alertar para o problema e identificá-lo, porque se não tivermos presente a contextualização do mesmo,  da ética ou da falta dela, dificilmente encontraremos o remédio.

Diz-me a lógica e aplicando o bom senso,  que quando temos necessidade de discutir o tema, quando temos necessidade de perorar sobre este assunto, quando necessitamos de uma campanha efectiva de comunicação, quando a montante e a juzante existem preocupações tão evidentes de tantos actores que participam e são elementos essenciais do processo,  então é porque estaremos forçosamente a necessitar que a ética reforce os princípios morais, e que o bom senso auxilie na aplicação prática desses princípios e, ainda, que o juízo do bonus pater familiae esteja sempre presente.

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Voltando à apresentação do livro, num momento final de perguntas e respostas, coloquei uma questão que me pareceu fazer sentido. Porque todas as questões, desde que razoáveis, são admissíveis e fazem sentido. Porque foi colocada por um dos mais importantes agentes neste processo e que fica normalmente de fora: o atleta. Porque, na minha condição de Presidente da AAOP, represento um vasto conjunto de cidadãos atletas que precisam e vão precisar sempre de quem os represente para lhes voz e capacidade interventiva. Porque a Associação é das poucas entidades no fenómeno desportivo certificada pelo PNED com a bandeira da ética. E, finalmente, porque tudo o que signifique contribuir para mais discussão a clarificação é um passo em frente num processo que se quer pertença de todos e para todos.

A pergunta foi simples e directa, não em forma de prosa, a chamada "não pergunta", como é tão habitual nestas sessões, foi também um desafio.  E o contexto e pergunta foram os seguintes:

"Curioso e desafiante o binómio entre a ética no desporto e a ética do desporto e tentar perceber qual o registo ideal para o equilíbrio entre ambas, sabendo que a ética do desporto está mais fragilizada vide acontecimentos tão recentes na nossa memória, casos de violência, atentados ao fair play, dopping, etc etc."

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E mais: "Qual o papel das figuras proeminentes da nossa sociedade civil para que tragam os bons exemplos de ética, interferindo e melhorando decisivamente com o seu contributo a ética do desporto, e qual o papel dos atletas, tantas vezes esquecidos, como agentes para melhorar a ética do desporto, e dar um exemplo positivo para a ética no desporto."

Havia duas maneiras de responder. Uma era dar forma à minha pretensão, ou seja, perceber o contexto do atleta e o seu importante papel na disseminação de uma mensagem e através do exemplo e prática de comportamentos éticos. Infelizmente não aconteceu. A outra era, para quem agarrou a questão com tanta força e empenho, talvez até de mais a meu ver, dar uma aula professoral ao "coitado" do atleta que se atreveu a colocar uma questão ao distinto painel. Foi o que aconteceu e a resposta acabou por ser uma "não resposta". Não só não esclareceu do ponto de vista axiológico, como perdeu uma excelente oportunidade de o fazer com o bom senso que a ocasião impunha.

Por fim, o livro, que por si só já tem a virtude de pôr em discussão um tema tão rico e virtuoso, tem uma II parte dedicada à narrativa do desporto, que elogiamos, narrativa feita pelos treinadores, pelos pais, pelos árbitros, pelos adeptos, no fundo, por todos aqueles que, de uma forma direta ou indireta, podem contribuir para a ética do desporto e serem os receptáculos da mesma e contém, ainda, um trecho dedicado à alma mater do desporto, os sempre tão esquecidos praticantes.

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Numa reflexão final, mesmo caindo no absurdo de normativizar por excesso comportamentos que deveriam ser adquiridos por definição à luz do famoso bom senso, necessitariamos sempre, numa perspectiva da oportunidade e do valor acrescentado, de perceber, identificar e contextualizar qual o problema que queremos resolver. Por exemplo, se é um fenómeno das sociedades actuais, mais egoístas, mais autocentradas, mais individualistas, se é um fenómeno decorrente das crises económicas que geram pobreza, fome etc, se os ambientes constantes de guerras fraticidas, ou atitudes belicistas a que assistimos, contribuem para este cenário de degradação de valores, se o problema reside numa fraca cultura desportiva ou mesmo na falta dela, se é o desporto capaz de resolver este problema sozinho face a uma filosofia societária muito fechada e corporativa do próprio desporto, se a intervenção dos autores principais é minima e sem consequências.... Só assim podemos verdadeiramente partir para soluções e apontar caminhos .

Vale a pena recordar Pierre de Coubertin que entende que o Olimpismo procura criar um modo de vida com base na alegria encontrada em esforço, o valor educacional de um bom exemplo e respeito pelos princípios éticos fundamentais universais e do mundo o que colide  com um mundo desportivo que vive actualmente  com uma ditadura de resultados que se sobrepõe à etica no desporto e à ética do desporto, e só pode gerar mediocridade nos comportamentos e até nos próprios resultados.

De facto, se queremos melhorar a ética no desporto, este mesmo desporto com a sua ética, tem de abrir as portas à sociedade civil, já que o desporto é apenas um meio para uma sociedade mais inclusiva, mais solidária, mais educada e com mais ética.

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Se os atletas quiserem, terão sempre um papel determinante, e como tão bem identificado no livro, com esta frase sublime de Alberto Caeiro in Tabacaria, heterónimo de Fernando Pessoa, podem ser verdadeiros agentes da mudança, porque... têm neles todos os sonhos do Mundo!

"Não sou nada.

Nunca serei nada.

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Não posso querer ser nada.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."

Por Luís Alves Monteiro
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