Luís Alves Monteiro
Luís Alves Monteiro Atleta olímpico

O pecado nacional: "O Assalto ao poder"

Numa sociedade que se pretende evoluída, num país a celebrar os seus 50 anos de democracia e liberdade, o que se espera de todos os actores políticos, figuras públicas, sociedade civil e amantes do desporto em geral é que se aceite com normalidade a pluralidade de opiniões dos mais diversos intervenientes, e que se pratique a tão propalada inclusão... infelizmente, no que toca aos atletas, parece que ainda temos um longo caminho para percorrer, senão vejamos.

A meu ver,  um dos alicerces para um desempenho desportivo de excelência é a segurança com que políticas públicas bem estruturadas permitam aos praticantes de elite que dedicaram um terço da sua vida ao desporto ter, no futuro, a possibilidade de uma transição de carreira para uma vida social e profissional plena, com uma integração programada e planeada. É o mínimo que podemos oferecer a quem abdicou de tanto para representar as cores nacionais.

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Uma das vias naturais é a continuidade da sua ligação ao mundo desportivo ou, como exemplo, seguindo uma carreira de treinador, mas também como dirigente desportivo. E é precisamente neste último plano que considero que reside a grande oportunidade de absorver tanto talento e de uma forma estruturante poder contribuir para uma quebra do paradigma, com ideias diferentes e seguramente mais inovação. Apesar de já conseguimos encontrar alguns exemplos, algumas excepções que só confirmam a regra, o que normalmente acontece é que, nestes poucos casos, se deixam rapidamente acorrentar por um sistema instalado que não vê com bons olhos a participação da nossa classe. 

Este caminho e esta visibilidade e oportunidade dada aos atletas permitiria por um lado romper com os actuais  padrões estabelecidos e, salvo raras excepções, com o amadorismo evidente da classe dirigente  e, por outro, com um estigma muito enraizado, associado á capacidade de um atleta  quebrar estas barreiras e ser voz activa e interveniente no fenómeno desportivo.

Estamos fartos de ouvir os considerados pensadores e teóricos do métier desportivo nacional afirmarem que os atletas são só para treinar e competir, frases tão do nosso quotidiano "ele só sabe dar chutos na bola", ou que "ela só está bem é a correr nas pistas" para não citar outras.

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Mas enganem-se, principalmente aqueles dos poderes instalados, dos que lançam uma cortina de fumo nas naturais aspirações dos atletas, aqueles que pertencem a uma classe com visão limitada, cristalizada, os que não vêem para além da sua sombra, os insidiosos que olham para os atletas, os verdadeiros e principais protagonistas, como adornos que a determinado momento se tornam descartáveis, os que se recusam e fecham sistematicamente a porta ao grupo organizado preferindo individualizar a relação, numa clara estratégia de dividir para reinar.

Desenganem-se, os atletas já não são mais meros adornos em cerimónias, em que não lhes é conferida voz e capacidade interventiva. Hoje têm mais informação, mais formação e os tempos são de mudança, os tempos são de inclusão, são de superação, são de dizer que também fazemos parte desta equação.

As recentes candidaturas dos olímpicos Domingos Castro à Federação Portuguesa Atletismo, do Cândido Barbosa à Federação Portuguesa de Ciclismo, do Miguel Arrobas à Federação Portuguesa Natação e do Roberto Durão à Federação Equestre Portuguesa, para além de se sentirem aptos, fruto da sua natural ambição e qualidade, mostram coragem e capacidade para também contribuírem com propostas de valor e tomar nas suas mãos o destino das suas modalidades de eleição. São sinais evidentes de que há pessoas, atletas e potenciais dirigentes para arriscarem e trazerem novos ventos, novas perspectivas, novas propostas e, acima de tudo, inovação ao meio dirigente nacional. Ninguém diz, evidentemente, que a condição de atleta resulta automaticamente na possibilidade de se tornar dirigente, mas devem estar perfilados para este escrutínio legitimo, sem que tal seja considerado "um assalto ao poder" e, estando à altura destes desafios, avançarem, sabendo que conhecem por dentro as suas modalidades, pelas quais lutaram, sacrificaram, correram, sorriram, choraram e, na vitória e na derrota, souberam sempre ser campeões.

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Não meus senhores, a afirmação por direito próprio dos atletas, não é "um assalto ao poder", é antes uma abertura a novas ideias, uma transferência positiva e natural desse poder, num  contexto de  pluralidade de opiniões. É a democracia a funcionar, é a liberdade de expressão a funcionar, é a necessidade de mudança a funcionar, são as novas oportunidades a afirmarem-se, num mundo que tem e adopta, cada vez mais como sinónimo, a tão propalada inclusão.

P.S: Em nota de rodapé, com a perspetiva da próxima da votação do Orçamento de Estado, continua-se a discutir de uma forma redutora, apenas e só, o montante do financiamento, numa linha de raciocínio retrógrada com mais de 12 anos, alinhada com quem não via, não vê,  ou não quer ver que o financiamento não é o ponto de partida nem a única premissa para um bom planeamento,  deve ser antes uma consequência desse mesmo planeamento. O ponto de partida deve ser a forma como questionamos a situação actual, qual o problema ou problemas que queremos resolver no panorama desportivo e não, e mais uma vez e de uma forma oportunística, andarmos a lutar contra moinhos de vento, sempre apoiados nas vozes dos mais antigos e agora até com recém-chegados dirigentes, a questionarem tão e somente o valor da dotação orçamental para o desporto nacional porque lhes dá palco e visibilidade.

A pergunta que se impõe é, será que o valor é insuficiente, será que é demasiado, ou é a medida justa das nossas necessidades? Sem pôr em causa que o financiamento faz parte de um eixo fundamental no desenvolvimento desportivo pergunta-se mais uma vez... alguém sabe e conhece o âmbito e os problemas que queremos resolver? Alguém fez o trabalho aturado, o diagnóstico sobre a realidade desportiva do país, percebendo como exemplo a nossa demografia, a ausência de um planeamento estratégico, a integração das boas práticas existentes, o reduzido nível de profissionalização dos intervenientes, a reduzida importância dada ao desporto jovem e a falta de articulação entre escolas e clubes, as próprias características culturais do País com poucos hábitos desportivos e 73% de inatividade fisica, a necessidade de uma transição digital e evolução tecnológica. Entre tantas outras premissas numa indústria de 1000 milhões, com mais 300 milhões investidos pelas autarquias no sector, alguém sabe dizer se é muito ou pouco, onde se aplica hoje tanto dinheiro, para gerar uns resultados desportivos que não são mais que medianos. Alguém sabe se pode haver racionalização e melhor gestão destes recursos, qual a oportunidade que o sector privado pode alavancar... só com uma resposta alinhada e estruturada para estas questões poderemos dizer se o dinheiro do orçamento é muito ou pouco ou razoável para o desporto nacional. Tudo o resto é demagogia barata e falta de dados, dados, factos, factos e factos!

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Por Luís Alves Monteiro
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