Luís Alves Monteiro
Luís Alves Monteiro Atleta olímpico

“Temos Plano. Falta Coragem"

O Governo apresentou esta semana o Plano Nacional de Desenvolvimento Desportivo. Um documento ambicioso: 44 medidas, seis eixos estratégicos e uma visão a 12 anos. É positivo que exista. Finalmente, Portugal parece querer falar seriamente de desporto.

Mas entre querer tudo e transformar alguma coisa vai um abismo. E o plano, tal como está, corre o risco de cair na armadilha clássica do desporto português: tenta agradar a todos e, por isso mesmo, pode não mudar nada.

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Antes de planear é preciso diagnosticar. Antes de prometer é preciso escolher. E o PNDD, apesar das boas intenções, continua a evitar as escolhas difíceis.

Uma das lacunas mais gritantes é precisamente essa: numa economia de recursos limitados, a ausência de escolhas. A definição de modalidades prioritárias continua a ser tabu. Aqui falo com consciência tranquila,nas jornadas do IPDJ para a construção de um Plano Desportivo nas quais participei como quadro federativo, coloquei essa sugestão de forma clara: um pilar estratégico baseado em diagnósticos e escolhas, onde se definisse onde apostar e porquê.A resposta foi quase unânime e totalmente corporativa: “NÃO!”

Continuamos a financiar o sistema como se todas as modalidades tivessem o mesmo potencial, o mesmo retorno, a mesma massa crítica ou o mesmo nível competitivo. Não têm. Fingir que sim não é estratégia, é apenas a distribuição simpática de recursos para não incomodar ninguém.

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No alto rendimento, a mesma falta de coragem. Ainda não conseguimos responder à pergunta fundamental: o que é, afinal, SUCESSO?

É ter mais atletas apurados?É chegar a finais?É trazer medalhas?É bater recordes?

Sem nada disto definido, não há responsabilização. E sem responsabilização, o alto rendimento continua entregue ao acaso, ao talento individual, ao herói ocasional. Portugal vive de exceções, não de sistemas.O plano fala do abandono juvenil mas falar não resolve. Enquanto não houver articulação real entre escola, clubes e universidades; incentivos à prática regular; exigência na qualidade do ensino desportivo; e uma estratégia nacional para manter adolescentes ativos, continuaremos a perder talento antes de ele nascer.

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A responsabilização aparece no documento, mas de forma tímida. Monitorizar não chega.É preciso metas públicas, avaliação independente, financiamento ligado a resultados e coragem política para mexer em estruturas que sobrevivem precisamente porque nunca são medidas.

Mas nada disto me impressiona tanto como outra grande ausência: a voz dos próprios atletas. O plano fala de atletas, sobre atletas, para atletas, mas quase nunca com atletas. E não, não basta ter agora e alguns, em cargos dirigentes para justificar que “a voz dos atletas está representada”. Muitas vezes, essa voz é engolida pelo sistema; outras vezes, cede à lógica instalada onde o silêncio compra influência futura.

É duro assumir isto, mas alguém tem de o dizer:os atletas portugueses ainda não se afirmaram como força transformadora.Participam pouco, intervêm menos e raramente contestam.Será medo? Será desgaste? Falta de tradição democrática? Ou apenas a recusa em pagar o preço da mudança? Não sei. O que sei é que, enquanto forem tratados ,e se deixarem tratar como carne para canhão, nada mudará.

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E depois há o tema que o país insiste em tratar como secundário: as infraestruturas, Continuamos a construir sem perguntar “para quê?”.Fala-se em redes, acessibilidade, descentralização… mas ignoram-se as perguntas básicas: O que estamos a construir?Para que modalidades?Para que comunidades?Com que critério técnico? Em função de que escolhas?

Sem isto, repetimos a velha tradição portuguesa: edifícios novos, pouco uso, impacto quase nulo. E há ainda um detalhe que não é detalhe: a cronologia do processo. Primeiro exigiu-se às federações que elaborassem um Plano de Desenvolvimento Desportivo, ensinaram-se os básicos, os rudimentos. Só depois apareceu a visão estratégica da tutela, Resultado: uma manta de retalhos.De um lado, o nacional porreirismo e a boa vontade das federações; do outro, a visão da tutela. Não casa. Não encaixa. Não resulta.

O PNDD tem boas intenções e algumas boas medidas. Mas numa economia de recursos limitado, falta-lhe o que sempre faltou ao país: prioridades,escolhas, metas, responsabilização e coragem para enfrentar a cultura instalada.E falta-lhe algo que não se escreve em papel: atletas que levantem a voz.Portugal diz que quer transformar o desporto, mas será que quem o pratica todos os dias quer mesmo fazer parte da mudança?

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Até agora… duvido!

Por Luís Alves Monteiro
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