Em 2009, um acidente de mota roubou-lhe as duas pernas. Então pasteleiro, prometeu voltar a fazer tudo o que até ali tinha feito. Uma crença que fez dele um atleta de topo na paracanoagem.
RECORD - Quando é que a paracanoagem entrou na sua vida?
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Norberto Mourão – Tudo começou em 2011, uma vez que tive necessidade de fortalecer os braços após um acidente de mota que tive em 29/09/2009. Surgiu a hipótese de participar num evento em que houve mergulho e canoagem adaptada.
R - Nessa altura, quando começou a treinar, alguma vez pensou que poderia chegar a este patamar?
NM – O meu pensamento sempre esteve na competição, porque se não houvesse competição poderia desanimar. Isso foi fundamental para eu evoluir.
R - Mas quando é que os Jogos Paralímpicos passaram a constar no seu dicionário?
NM – Mais tarde, em 2014, quando houve a certeza de que a paracanoagem ia estar presente no Rio 2016. Tentámos estar presentes, mas não conseguimos por muito pouco.
R - Agora confirmou-se…
NM – Neste ciclo o trabalho foi muito e consegui uma das 6 vagas, com o 2º lugar no Campeonato do Mundo. É uma alegria imensa e o concretizar de um sonho. O trabalho de equipa tem sido fantástico e bastante difícil.
R - Pelo meio houve até uma alteração na embarcação. Foi determinante para o sucesso?
NM – Sim. Eu sempre fiz Kayak e só na época que agora acabou é que optámos pela canoa. A verdade é que as avaliações em Kayak não eram nada justas. Com essa mudanças os resultados acabaram por aparecer. Resultados até melhor do que estávamos à espera.
R - Pode-se dizer que foi o acidente que fez de si um atleta?
NM – Eu era um pasteleiro. A minha vida era casa/trabalho/casa. Até o convívio com os amigos era complicado devido aos meus horários.
R - Praticava algum desporto?
NM – Nada de sério. Gostava de canoagem, mas só de ver na televisão. Nunca tinha sequer experimentado. Só depois do acidente é que o desporto apareceu na minha vida, permitindo-me chegar a níveis que nunca antes tinha pensado.
R - Nessa altura já teria esta fibra de campeão?
NM – Nasci numa família muito pobre, com bastantes dificuldades. Aprendemos a lutar pelas coisas. Por isso, nunca tive a oportunidade de praticar desporto num clube, apesar de dizerem que tinha aptidão para o atletismo. Agora, algumas das pessoas que treinam comigo dizem-me que se tivesse pernas talvez tivesse dado um grande atleta de canoagem.
R - O desporto foi o segredo para nunca ter desistido?
NM - Nunca me fui abaixo por causa do acidente. Não fui daquelas pessoas que ficaram paradas a pensar que a vida tinha terminado. Sempre lutei por objetivos e sempre tive o lema de voltar a fazer tudo o que fazia antes. Não fiquei parado e fui à luta pelos meus objetivos. O desporto permitiu-me alcançar coisas que nunca pensei na vida. Para além da reabilitação e a mobilidade, nunca estou preso num sítio. Viajo pelo País e pelo Mundo todo. Sem o desporto não teria sido tão fácil.
R - Qual foi o melhor momento que a paracanoagem já lhe proporcionou?
NM – Foi sem dúvida a medalha de prata no Mundial deste ano e a conquista de um lugar para Tóquio 2020. Apesar disso, o momento mais inesperado não foi esse, mas sim o bronze no Europeu. Nessa prova, também realizada este ano, estávamos a contar com um 5º ou 6º lugar e o terceiro foi uma grande surpresa.
R - Como é que os amigos e os familiares veem a sua carreira?
NM – A minha família e os amigos sempre me apoiaram. Houve alturas complicadas, como por exemplo depois do Mundial do ano passado onde as coisas não correram bem e surgiram aquelas páginas de ‘memes’ com piadas negativas. Mas não se pode levar a mal isso.
R - Sente que a canoagem sempre fará parte da sua vida ou pondera experimentar outros desportos?
NM – Já fiz muita coisa, tudo depois do acidente. Mas na canoa sinto uma liberdade incrível e por isso sinto que fará para sempre parte da minha vida.
R - Fez um curso de árbitro de canoagem. Gostou da experiência?
NM – Sim, gostei muito. Fiz o curso e ainda arbitrei algumas provas, mas sendo um atleta estava mais limitado e tive de abdicar, ainda que ache que é uma parte bastante importante da modalidade.
R - Fernando Pimenta é o nome maior da canoagem portuguesa. Como é que é a relação entre vocês?
NM – O Fernando foi uma daquelas pessoas que nos acolheu de braços abertos, mostrando-se sempre interessado em saber quem somos e o que nos aconteceu. Não só ele, mas também o Emanuel Silva e outros. Falo muito do Emanuel Silva porque foi o primeiro atleta que vi nos Jogos Olímpicos, através da televisão. Nessa altura estava longe de imaginar que um dia ia fazer canoagem.
R - É um orgulho poder fazer parte da mesma ‘família’?
NM – Ser amigo deles, conviver com eles durante uma parte larga da época e fazer as provas junto deles é fantástico. O melhor que a canoagem tem é a inclusão. Estamos todos juntos e somos todos iguais. Competimos todos ao mesmo tempo, cada um na sua regata. São poucas as modalidades que permitem isso.
R - O sucesso deles traz maior visibilidade ao que vocês fazem?
NM – Sim, claro. O Pimenta é o atleta mais falado, pelos que resultados que obteve para o País. Eu sou um pouco como ele na parte da paracanoagem, uma vez que sou o que estou há mais tempo e pelos resultados que agora consegui.
R - Vê-se como um exemplo para os mais jovens?
NM – Sim, um pouco. A verdade é que a canoagem regular usa os nossos exemplos de vida para motivar os outros atletas, dizendo-lhes que se nós somos capazes, eles têm mais condições para o conseguirem.
R - O que mudou com a troca do Clube Atlético do Montijo para o Sporting?
NM – Em termos de preparação não mudou muito. O treinador é o mesmo e o plano de treinos semelhante. O que é diferente agora no Sporting é a visibilidade. Para além disso, a ida para as provas é feita com maior conforto. Quando estava no Montijo vinha com a equipa e ficávamos a acampar. Agora tenho um pouco mais de condições.
R - O que falta melhorar para que os resultados da paracanoagem sejam ainda melhores?
NM - Penso que falta muito ao desporto adaptado. Vamos tendo alguma visibilidade, mas o apoio por parte dos clubes devia ser maior. Em termos financeiros há uma grande discrepância entre atletas ditos regulares e nós.
R - Já sabe o que poderá fazer depois de deixar a competição? Pode um dia ser treinador?
NM – Tirar o lugar ao Ivo Quendera não, mas ficar como adjunto sim [risos]. Aliás, o Hélio Lucas [n.d.r.: treinador de Fernando Pimenta] já me chama adjunto, porque muitas vezes ajudo a dar indicações de tempo.
R - O Hélio Lucas é também um dos melhores do Mundo…
NM – É fantástico. Se nós queremos evoluir e chegar ao topo temos de ser profissionais e se há pessoa que é profissional no que faz é o Hélio. Tem total foco e empenho no trabalho que faz. Não quero ser injusto para ninguém e por isso não digo que é o melhor do Mundo, mas sim um dos melhores do Mundo. Às vezes diz-se que teve sorte pelo atleta que tem, mas a sorte dá muito trabalho.
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