Tatiana Santos, psicóloga clínica e da saúde, explica-nos como enfrentar uma quarentena

"Restrições vêm colocar um desafio à saúde mental", refere

1. Nesta fase em que os desportistas estão em casa, existem as óbvias questões relativas à manutenção da forma física em casa, mas pergunto-te como uma quarentena afeta a saúde mental. Ou seja, um desportista com rotinas de treino e alimentações bem precisas, de um momento para o outro passa a estar confinado ao mesmo espaço. É muito complicado certamente...

Claro, sendo o Homem um "animal de hábitos" ou rotinas, sabemos que são essas rotinas que nos conferem algum grau de estrutura e contenção. Todos temos estruturas de personalidade mais ou menos flexíveis. Há pessoas que se adaptam muito bem a novos registos mas a maior parte de nós, bons neuróticos, vivem formatados em dinâmicas padronizadas. Estas restrições vêm, obviamente, colocar um desafio à saúde mental de todos nós sobretudo aos atletas que têm horários e rotinas bastante rígidas. É importante procurar manter algumas dessas rotinas para que não se desorganizem mentalmente, sobretudo rotinas de treino em casa e alimentação saudável e variada. Mas que também procurem introduzir dinâmicas novas e mais criativas para que a monotonia não os afete. Importante também não perder a interação social e humana.

2. Podem desenvolver-se problemas por causa disso? Sintomas de ansiedade ou depressão?

Claro que sim. Aliás, há pessoas a fazer quarentena há 1 dia, mas há outras confinadas em casa há 5 ou 6 dias. Ao fim de uma semana os sintomas começam a aparecer. Há dinâmicas conjugais em risco. Há sintomas de pânico em pessoas que nunca tinham apresentado crises de pânico antes. Os que vivem acompanhados têm de superar a proximidade 24h por dia. Quem vive sozinho tem de aprender a coexistir melhor consigo mesmo. A nossa qualidade de vida e bem-estar emocional estão a ser postos à prova. Mais do que nunca, este é um desafio onde sobrevivem (simbolicamente e não só) os mais aptos. Não apenas os mais imunologicamente aptos mas sobretudo os mais resistentes do ponto de vista emocional e com maior capacidade de resiliência. Sobretudo porque não temos qualquer controlo sobre a situação e, para uma sociedade neurótica q.b. Isto é bastante ansiogénico.

3. E a incerteza relativa ao futuro para estes profissionais também complica as coisas em termos mentais?

O medo, a preocupação e a incerteza abalam todos os pilares sobretudo para todos os profissionais (que são muitos) que trabalham por conta própria. Os atletas estão parados e sem saberem quando poderão voltar a trabalhar. Temos de nos lembrar que nem todos os atletas profissionais têm os salários dos jogadores de futebol. Nem todos conseguem viver meses ou anos sem trabalhar. Em Portugal temos muitos atletas de excelência que fazem bastantes sacrifícios. Mas tal como o resto dos cidadão, terão de recorrer à resiliência. Muitas empresas irão fechar com famílias a perderem postos de trabalho e a terem de repensar o seu futuro. O futuro será dos criativos. Daqueles que conseguirem ver na crise, uma oportunidade. O futuro será dos alquimistas. Dos que conseguem passar pelo breu criando algo novo, no trabalho, na família, nas suas dinâmicas. Temos todos de ser um bocadinho artistas agora e pensar de forma criativa. Como diriam os Chineses, mover a energia do Fígado (já que estamos na Primavera e é o seu elemento) através da criatividade para que não estagnemos emocional e fisicamente.

4. Passando para a esfera do cidadão comum, também há riscos grandes de complicações relativas a sanidade mental? Que conselhos dás a quem está em casa e se começa a preocupar com o tempo que vai ter de permanecer confinado em casa?

Claro que sim, como referi antes somos animais de hábitos fortes e repetidos. Somos uma sociedade neurótica. Teremos de nos repensar e evoluir. As crises sempre existiram. A gripe Pneumónica matou mais pessoas do que a I Guerra Mundial. A Humanidade sempre conseguiu sair destes momentos decisivos. É importante que aprendamos a ser mais flexíveis e a descobrir prazer em novos focos antes desconhecidos. Criar novas rotinas e largar as velhas. Tal como uma serpente muda de pele ciclicamente, teremos de mudar com a crise. Reinventar-nos. Assumir novas personas e máscaras pois também elas são vitais para o fortalecimento do nosso Ego. Aproveitar, talvez, este período de recolhimento para nos conhecer melhor bem como aos que estão à nossa volta.

5. Que tipo de atividades?

Fazer cursos online. Escrever diários, registar sonhos. Conhecer os domínios do nosso inconsciente e voltarmos mais fortes quando toda a tempestade acalmar. Aprender novos skills... uma língua, um instrumento. Usar as ferramentas digitais para comunicar. Falar com pessoas novas... porque não? Quem sabe se tudo isto não nos pode aproximar mais de quem temos ao lado, ou permitir novos conhecimentos e aquisição de competências? O auto-conhecimento é vital. Movam-se. Não parem. Vejam vídeos de Chi Kung, Tai Chi, Yoga e outras técnicas. Tirem 1h por dia para algum movimento. Abram a janela. Vejam o céu. Celebrem o facto de estarmos todos aqui. Foquem-se nas notícias que nos podem trazer algo de útil. O planeta está a sacudir-se e em pouco tempo, teremos um Planeta mais limpo e saudável para todos. Talvez fosse interessante ganhar o hábito da quarentena e, ciclicamente, de anos a anos, instituir 2 semanas em que o Mundo parasse, mesmo sem Covid19. A bem de todos. A bem do Mundo.

Por João Seixas
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