A DECISÃO está tomada: Hajry e Hassan, figuras de proa do Farense ao longo da última década, vão deixar o S. Luís no final da temporada. Termina uma era marcada pelo virtuosismo e golpes de mágica do médio e pelo instinto goleador do avançado, que tantas alegrias deram aos adeptos do emblema algarvio.
"É ponto assente. Vou sair" - Hajry já tem dúvidas. "O contrato está a terminar e não o renovarei. Passei aqui anos maravilhosos e o Farense ficará para sempre no meu coração, mas tudo tem o seu momento e aproxima-se a hora de partir..."
A pouco mais de cinco meses do 'adeus', o médio marroquino não esquece "o carinho desde sempre manifestado pelas gentes de Faro, que fizeram sentir-me aqui como em casa. Estou grato a todos. Deixo aqui muitos amigos e voltarei com frequência."
Hajry abandona o Farense mas não a prática do futebol. "Vou jogar pelo menos mais uma época. Em que clube? Não sei... Por uma questão de ordem sentimental, gostaria de encerrar a minha carreira ao serviço do clube em que comecei, o Raja de Casablanca, e já tive uma conversa com alguns dirigentes, mas nada ficou assente. Nos próximos meses tomarei uma decisão."
Marrocos e Algarve - dois amores. "Passei parte importante da minha vida em Portugal, cheguei ao Benfica, disputei uma final da Taça dos Campeões Europeus... São marcos que não se esquecem. No Farense, a conquista do quinto lugar e a ida à Taça UEFA teve o sabor de um triunfo no campeonato, atendendo à dimensão do clube. Alegrias imensas, a ponto de não poder esquecer o país, as pessoas... Mas o coração pede-me para concluir a carreira em casa e, tudo o indica, assim farei."
No S. Luís, Hajry viveu entre a alegria e o drama. "O Farense já tem raízes no escalão principal do futebol português e devia possuir outras estruturas. Todos os anos se diz que vai haver tranquilidade, que tudo mudará, e voltam os problemas, a aflição... Graças ao espírito de união reinante no grupo, que superou todos os obstáculos, mesmo alguns tidos como intransponíveis, acabámos sempre por chegar a um final feliz, depois de grande sofrimento. Esta cidade merecia mais - o Farense tem uma massa associativa dedicada e participativa, a região dispõe de um peso económico considerável, e há condições para construir aqui uma equipa que possa alargar os seus horizontes além da simples garantia da manutenção."
MOMENTO CERTO
Hassan segue o mesmo caminho de Hajry: abandona o S. Luís no final da época. "Já decidi. Acabo o contrato e parto. Prosseguirei a minha carreira com outra camisola. Qual? Ainda não sei... Apenas posso garantir que vou continuar a jogar na próxima campanha, pois sinto-me em boas condições para prolongar a carreira por mais um ano."
Quando regressou ao Algarve, vindo do Benfica, Hassan anunciou o desejo de se despedir dos relvados no S. Luís. "Essa era, de facto, a minha ideia.
Mas a vida muda... Pensava servir o Farense até ao último dia do meu contrato e, depois, ajudaria noutras tarefas. Fui internacional, participei num Campeonato do Mundo, joguei em Espanha, nas competições europeias, e essa experiência acumulada, a par de uma grande riqueza de conhecimentos, poderia ser de grande utilidade. Tinha ideias na cabeça que gostaria de levar à prática, mas isso não sucederá. Porquê? O Farense já não é o mesmo de tempos não muito distantes..."
O avançado marroquino quer, até ao fim da época, "preservar a imagem que construí em Faro. Vivi aqui momentos inesquecíveis, sobretudo em 94/95, quando a equipa garantiu o acesso à Taça UEFA e fui o melhor marcador do campeonato. Sei que vou ficar na história do Farense, mas as pessoas que aqui sempre me ajudaram e incentivaram estarão para sempre o meu coração".
Enquanto o seu contrato estiver em vigor, Hassan promete "lutar de alma e coração em prol dos interesses da equipa. Nos treinos e nos jogos continuarei a aplicar-me como sempre o fiz, apesar de já ter decidido partir. Tenho uma dívida de gratidão para com os sócios e adeptos do Farense e, quando partir, quero que todos olhem para mim como sempre olharam - sou um profissional íntegro e que não se poupa a esforços para tentar ganhar. Com garra, com vontade".
Este "é o momento certo" para partir, mas Hassan não põe de parte a possibilidade de, um dia, voltar a Faro. "Ninguém sabe o dia de amanhã... A vida dá tantas voltas..."
DECORAÇÃO E RESTAURAÇÃO
Hajry dedicou-se aos negócios há cerca de um ano: é sócio de uma loja nas Quatro Estradas (Quarteira) que, no regime de “franchising”, vende em Portugal os produtos de uma cadeia espanhola de decoração, "Lienzo de Gazules".
O médio marroquino pouco tempo disponível tem para acompanhar o negócio e é a sua esposa quem trata dos assuntos relativos à loja. Um eventual regresso a Marrocos, para representar o Raja, na próxima temporada, não significa o encerramento das portas. "Casablanca e Faro não estão tão distantes assim... Vou ficar para sempre ligado ao Algarve, e, quando concluir a carreira de futebolista, viverei dividido entre os dois países, até porque a minha esposa tem aqui as suas raízes", diz Hajry.
Hassan, por sua vez, prepara-se para abrir um restaurante num ponto central de Faro, que oferecerá um variado leque de produtos aos seus clientes, desde marisco a algumas especialidades marroquinas. "O futebol não dura sempre e precisamos de precaver o futuro", diz o jogador.
A abertura de um estabelecimento comercial em Faro significa que a vida de Hassan irá passar, pelos tempos mais próximos, pela capital algarvia.
"Poderei jogar um ano longe daqui, noutro clube, mas voltarei a esta cidade com frequência. Um dos meus filhos nasceu aqui, tenho por cá inúmeros amigos e, por força disso, não posso passar muito tempo longe de Faro..."
VÃO FICAR NA HISTÓRIA DOS ALGARVIOS
Hassan é o melhor marcador de sempre do Farense na I Divisão, agora I Liga: o avançado marroquino soma 60 golos apontados e durante largo tempo não verá essa marca batida, pois, no plantel às ordens de Nicolau Vaqueiro, Hajry surge como o segundo elemento com mais golos obtidos ao serviço dos algarvios (30) e também ele abandonará os algarvios no final da temporada.
Carlos Costa (11 tentos) figura em terceiro mas, aos 33 anos e não se tratando de um avançado, não deve constituir uma ameaça.
Se Hassan irá ficar para a história - pelo menos durante os anos mais próximos - como o rematador mais certeiro do Farense no campeonato principal, Hajry pode ufanar-se de ser o atleta dos algarvios com mais presenças em jogos da I Divisão: actuou, até ao momento, em 261 partidas e, na época passada, aquando do 250º encontro, recebeu uma salva alusiva à ocasião.
No actual plantel do Farense, só Eugénio (192 jogos na I Divisão e mais 35 na II, em 90/91) se aproxima do médio marroquino, mas aos 33 anos, o lateral precisaria de manter alguma regularidade nas próximas duas épocas para chegar perto de Hajry. Hassan, refira-se, já disputou 134 partidas em representação da turma de Faro, no campeonato.
HAJRY: PRESENÇA NA FINAL DA TAÇA DOS CAMPEÕES
Hajry Redouane nasceu a 5 de Março de 1964, em Casablanca, e iniciou a sua carreira de futebolista no Raja daquela cidade. Num Torneio de Toulon de sub-21, Peres Bandeira, “olheiro” do Benfica, apercebeu-se da notável capacidade técnica do médio marroquino e a mudança para a Luz consumou-se num abrir e fechar de olhos.
Não viria a conhecer momentos muito felizes de águia ao peito -- apenas quatro presenças em jogos do campeonato --, mas viria a alcançar um feito de monta para o futebol marroquino: foi até hoje o jogador daquele país africano a participar numa final da Taça dos Campeões Europeus (87/88, derrota do Benfica frente ao PSV Eindhoven, no desempate por pontapés da marca da grande penalidade).
HASSAN: GOLO NO MUNDIAL E MELHOR MARCADOR NO CAMPEONATO PORTUGUÊS
Hassan Nader nasceu em Casablanca, a 8 de Julho de 1965, e o basquetebol foi a sua primeira paixão, chegando mesmo a competir a nível oficial nesta modalidade. Mas o futebol acabaria por atraí-lo, dando nas vistas ao serviço do WAC de Casablanca. Campeão e vencedor da Taça, em Marrocos, despertou a cobiça dos espanhóis do Maiorca e se a primeira época em Palma correu bem - chegou à final da Taça do Rei, perdendo com o Atlético de Madrid de Futre - a segunda foi para esquecer, devido a desentendimentos com o treinador, Lorenzo Serra Ferrer.
Surgiu então a possibilidade de vir para Faro e depressa o S. Luís se rendeu aos seus dotes de goleador. Viria a sagrar-se melhor marcador do campeonato português em 94/95 e, antes disso, marcou presença no Mundial dos Estados Unidos, conseguindo um tento diante da Holanda. Esteve dois anos no Benfica (sem grande sucesso) antes de voltar ao Farense.
ARMANDO ALVES