Ana Bispo Ramires, especialista em psicologia do desporto, escreve no Dia Mundial da Saúde Mental
Há pouco mais de uma década, o tema da saúde mental no desporto era quase inexistente. Durante demasiado tempo, o desporto foi visto como território exclusivo de qualidades físicas, robustez mental, disciplina e superação — um espaço onde a vulnerabilidade e a fragilidade emocional sempre foram caladas. Um silêncio tão pesado que, em alguns casos, se tornou tragicamente ensurdecedor quando fomos confrontados com os suicídios de figuras como Robert Enke, guarda-redes da seleção alemã, ou Kelly Catlin, ciclista olímpica norte-americana. Foram perdas que abalaram o mundo do desporto e deixaram claro o preço devastador de uma cultura que confunde resiliência com a capacidade de “aguentar” — e, de preferência, em silêncio.
O testemunho de atletas como Michael Phelps, Allison Schmitt, Kevin Love, e mais recentemente Simone Biles ou Naomi Osaka acabaria por trazer a visibilidade (e a normalidade) necessária. Ao assumirem publicamente a sua vulnerabilidade, quebraram o tabu e mostraram que a saúde mental é também parte da performance.
Mas mesmo com este avanço, quando falamos em saúde mental no desporto continuamos a cometer dois erros fundamentais: falamos sobretudo dela pela sua ausência, e não pela sua promoção; falamos quase exclusivamente do atleta, com tímidos ensaios de inclusão da sua entourage — logo, também do treinador.
De facto, em muitas modalidades, o trabalho invisível de quem está nos bastidores raramente ganha palco. Basta olhar para o pódio: é o atleta quem recebe a medalha, não o treinador que o acompanhou durante anos de treinos madrugadores, renúncias pessoais e dedicação invisível. Ou seja, muito frequentemente, o treinador é central no processo, mas periférico no reconhecimento.
Este mesmo enviesamento repete-se na saúde mental: o treinador, que tantas vezes encarna o modelo do profissional ideal — motivado, incansável, disponível, metódico — permanece fora do radar do cuidado institucional. Ignora-se, assim, a fragilidade de um dos seus recursos mais preciosos e inalienáveis: a saúde mental.
No entanto, a investigação conduzida nos últimos anos, revela já informação de enorme relevância: mais de 40% dos treinadores reportam níveis clinicamente relevantes de stress e burnout (Kegelaers et al., 2020); sintomas de ansiedade e depressão afetam entre 20% e 30% dos treinadores em diferentes contextos (Gorczynski et al., 2017);as taxas são ainda mais elevadas nos escalões de base, onde se acumulam contratos precários, excesso de horas e falta de recursos (Carson, 2011; Gáspár & Szabó, 2022).
Arquitetura Psicológica do Treinador: Liderar sem Colapsar
Os fatores de risco estão identificados: excesso de horas, exigência permanente de resultados, isolamento social, perfeccionismo, dificuldade em conciliar vida profissional e pessoal. Do outro lado, os fatores de proteção também são claros: apoio social, literacia em saúde mental, auto-compaixão e treino em competências emocionais.
Mas aqui impõem-se duas perguntas: quais destes fatores de proteção têm canais formais de treino e aprendizagem? E quantos estão, de facto, acessíveis aos treinadores durante a sua formação ou carreira? A resposta é simples: poucos ou nenhuns.
A literatura científica é clara: autoconsciência, gestão de energia, tolerância à frustração e capacidade de regenerar não são luxos — são alicerces. Ignorá-los conduz inevitavelmente a níveis elevados de stress e burnout, que se traduzem em estilos de liderança mais negativos, fragilizando o bem-estar e a performance das equipas (Gorczynski et al., 2017; Kegelaers et al., 2020).
E é aqui que se revela o paradoxo da liderança: quanto mais é exigido ao treinador cuidar dos outros, menos espaço lhe resta para cuidar de si próprio. Mas uma liderança desgastada não sustenta equipas saudáveis. E um treinador em burnout pode contagiar, sem querer, todo o clima emocional da equipa, colocando em risco a própria saúde mental dos seus atletas.
O treinador enquanto “atleta de alto rendimento”
É aqui que estamos a falhar — e falharemos sempre enquanto o treinador não for
visto, por si próprio e pela organização que o acolhe, como o atleta
de alto rendimento mais valioso do balneário.
A ele devem ser facultadas não só as ferramentas que protejam a sua saúde
mental, mas também oportunidades de capacitação contínua das suas competências
de liderança. Afinal, qualquer desvio nestas duas áreas terá consequências
diretas na saúde mental e no rendimento dos seus jogadores ou atletas.
A investigação confirma este peso: estudos com treinadores de elite mostram que aqueles que atingem níveis mais elevados de excelência partilham características como elevada capacidade de relacionamento (agreeableness), competência emocional e regulação eficaz das próprias emoções (Thelwell et al., 2010). Estas competências são mais do que atributos desejáveis — são determinantes na forma como o treinador impacta a coesão da equipa e a performance sob pressão.
Outros trabalhos revelam ainda que estilos de liderança que apoiam a autonomia dos atletas, em vez de exercerem controlo excessivo (frequentemente associado a traços de ansiedade desregulada), não só favorecem o bem-estar e a motivação dos jogadores como também diminuem o desgaste psicológico do próprio treinador (Isoard-Gautheur et al., 2016).
Reconhecer que o treinador é, ele próprio, um top performer e uma condição inequívoca do sucesso, passa, necessariamente, por lhe oferecer o mesmo que queremos entregar aos atletas — treino psicológico, literacia emocional e redes de suporte estruturadas:
· No plano individual (e da responsabilidade do próprio treinador): ter recursos para investir em autoconsciência, gestão de energia, estratégias de recuperação e capacitação contínua das competências de liderança (tal como um atleta aposta na especialização contínua);
· No plano organizacional: assumir políticas que reconheçam que a saúde mental e as competências de liderança do treinador são um recurso estratégico — não só para o sucesso, mas para a responsabilidade primordial de todas as organizações: criar ambientes psicologicamente seguros, onde todos possam desenvolver as suas competências.
Não se trata de benevolência, mas de sentido estratégico e performance. Trata-se de sair da miopia do “imediato” para construir estruturas verdadeiramente competitivas, onde deixem de ser regra as equipas lideradas por treinadores emocionalmente esgotados — equipas com menor coesão, maior propensão a conflitos e pior rendimento competitivo — com impacto direto nos resultados e no sucesso da própria organização.
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