JOEL NETO e JOSÉ MOREIRA, enviados especiais
Villalba -- Pauleta sente-se uma inspiração para o futebol açoriano. Depois de quatro anos de crescente protagonismo, o jogador tenta hoje compensar com ensinamentos futebolísticos o que o arquipélago lhe forneceu de formação humana. Quando entra em campo com a camisola da Selecção Nacional, explica, entram em campo nove ilhas, chorando com os seus falhanços e rindo com as suas conquistas. Uma longa conversa sobre identidades.
-- Protagonizou a primeira transferência paga na história do futebol açoriano, entre o Angrense e o União Micaelense, assim como mais tarde se tornaria no primeiro português a chegar à Selecção A sem antes ter passado por uma I Divisão. Sente-se a inspiração da recente explosão do futebol açoriano?
-- De certa forma, sinto-me um exemplo para todos os açorianos, não só para os jogadores, mas também para os restantes agentes do futebol. Jogar num grande clube espanhol e estar na Selecção Nacional, depois da trajectória que fiz, tem levado as pessoas a quererem ouvir a minha opinião sobre as mais diversas coisas. E não estou a falar só de duas ou três pessoas de São Miguel, mas de gente de todas as nove ilhas.
-- Foi por isso que dedicou "a todos os açorianos" os dois golos marcados pela Selecção frente ao Azerbaijão?
-- Dediquei-os a todos os portugueses, mas em especial aos açorianos. Quando eu entro em campo, são nove ilhas que entram em campo. Eles sentem a mesma alegria que eu, sofrem tanto como eu se me lesiono ou falho um golo...
-- A subida do Santa Clara à 1ª Liga é um sinal da evolução do futebol açoriano na sua globalidade?
-- Claro. É muito bom para todos os açorianos ter uma equipa na 1ª Liga. Era algo que já merecíamos, que sabíamos que podia acontecer, mas também que dependia do apoio do Governo Regional.
-- A polémica em torno dos subsídios e patrocínios não retira carácter regional ao Santa Clara?
-- Tenho de ter muito cuidado a responder a essa pergunta, porque sempre que elogio ou defendo um clube cai-me tudo em cima a reclamar um elogio para os outros... Todos têm de concordar que quem está na 1ª Liga tem de ter mais apoio do que os outros. Os outros clubes devem ter apoios iguais entre si, consoante os escalões em que se encontram.
-- Como vê os protestos do Lusitânia contra os apoios ao Santa Clara?
-- Também os compreendo. O Lusitânia é um grande clube e não quer ficar atrás. Mas as pessoas têm de compreender que, para já, se trabalhou melhor no Santa Clara. Se trabalharem bem, também lá chegarão.
-- Como viu o protesto de Jorge Sampaio em relação à falta de união dos açorianos, durante a recente Presidência Aberta nos Açores?
-- De facto, podíamos ser mais unidos. Mas também é preciso compreender que os Açores têm nove ilhas, não duas nem três, e que cada uma puxa um pouco a brasa à sua sardinha. O mais importante é que cada ilha saiba o que tem a dar à Região, porque cada uma daquelas nove ilhas é algo de único. São nove ilhas lindas, espectaculares.
ILHAS EM EVOLUÇÃO
-- Que benefícios pensa que a presença do Santa Clara na 1ª Liga poderá trazer para os Açores enquanto Região Autónoma?
-- Toda a gente vai ficar a ganhar. Já se nota no tráfego aéreo: hoje em dia, há quatro aviões diários para Ponta Delgada e estão todos cheios. Para as outras ilhas, é a mesma coisa. Penso que isto já terá um pouco a ver com a explosão do Santa Clara. Agora, vai haver mais hotéis, mais restaurantes... Em vez de vinte ou trinta, agora já virão 300 ou 400 pessoas acompanhar cada equipa. Depois, estes falam aos amigos da beleza natural das ilhas, os amigos falam a outros...
-- Um evolução tão radical do turismo não poderá descaracterizar um pouco as ilhas?
-- O turismo é sempre bom. Temos é de começar a preparar-nos para ele. Já temos bons hotéis e bons restaurantes, mas precisamos agora de hotéis e de restaurantes a preços mais acessíveis, nomeadamente de "fast food". Há que diversificar a oferta.
-- Acha que o Marítimo teve alguma importância na explosão do turismo na Madeira?
-- Penso que foi importante. É claro que a Madeira é diferente, aposta há muitos anos no turismo... Mas o Marítimo também ajudou, de certeza. As pessoas começaram por acompanhar as equipas, mais tarde voltam para descansar e divertir-se... O Marítimo, aliás, é um modelo em várias coisas. Por exemplo, enquanto teve apoios, foi duas vezes às competições europeias e uma à final da Taça de Portugal.
-- Como viu a tentativa de fusão do futebol dos principais clubes madeirenses?
-- A meu ver, era o ideal. Mas é impossível. As pessoas gostam dos seus clubes há muitos anos, sempre defenderam aquelas cores... Nos Açores, também ganharíamos com uma situação como essa, viríamos a lutar por tudo em Portugal... Mas também é impossível.
-- Nos Açores, sim. Mas em São Miguel, por exemplo, era impossível fundir Santa Clara, Operário e União Micaelense, por exemplo?
-- Era o ideal, mas é impossível. Onde ficava a sede? As pessoas da Lagoa iam ver futebol a Ponta Delgada, ou ao contrário?...
-- Considera o patrocínio de cem mil contos, feito por um hipermercado ao Santa Clara, um sinal da evolução das ilhas?
-- Claro. Tudo isto nos surpreende, mas tudo isto é também um sinal de desenvolvimento. Sabíamos que tínhamos condições para ter um futebol forte, desde que o Governo e as principais empresas da Região se unissem para apoiar os clubes. Estes apoios eram uma obrigação, porque não sai barato divulgar o nome dos Açores como o Santa Clara o tem feito. Aliás, noto bastantes diferenças nos Açores, sempre que lá vou. Infelizmente, só posso falar de São Miguel, porque nestes últimos anos não tenho tido oportunidade de ir às outras ilhas. Mas há um grande crescimento económico, uma maior limpeza nas ruas...
-- Lamenta que, até hoje, as instituições regionais ainda não o tenham apoiado directamente a si, por exemplo através de uma homenagem ou de uma condecoração?
-- Não tenho de lamentar. Tenho feito muito pelos Açores, levando longe o nome da Região, divulgando a sua beleza, convidando pessoas a passarem férias no arquipélago... Mas também tenho feito muito por mim próprio. Se for homenageado, melhor. Se não for, tudo bem na mesma.
VOLTAR AOS AÇORES
-- Continua a dizer que gostaria de acabar a carreira no Santa Clara?
-- Mais uma vez, tenho de ter cuidado com o que digo, porque pensarão que estou a desprezar os outros clubes. Mas gostava de acabar a carreira nos Açores e, se possível, na 1ª Liga.
-- Depois, pretende ficar a viver no arquipélago...
-- Sim. Gostava de continuar a trabalhar com futebol, embora nunca como treinador. A minha ideia é ensinar aos miúdos aquilo que aprendi e continuo a aprender.
-- Acha que, dentro de seis ou sete anos, o seu filho se adaptará à Região?
-- Acho que sim. Ele tem três anos e já gosta muito de lá ir, porque tem lá os primos, toda a família... Quando puder, a primeira coisa que faço é voltar para os Açores.
-- O seu pai costuma dizer que, se não tivesse casado, ainda hoje estava a jogar no Santa Clara. Ao longo da carreira, abandonou experiências no Benfica e no FC Porto, recusando pelo meio uma proposta do Vitória de Setúbal...
-- Estive no Benfica durante duas semanas, aos 15 anos, e nunca quis assinar contrato porque não me adaptei. No FC Porto, um ano mais tarde, foi diferente. Gostei de viver no Porto e só saí, um ano depois, porque era para ser emprestado ao Maia ou ao Varzim. Concluí que, para ser emprestado, mais valia voltar e jogar no Santa Clara. Agora, de facto, ter casado foi fundamental. Gosto muito de estar com a família, de ficar em casa, e só fui para o Estoril depois de casar.
-- Como intitula essa ligação aos Açores, tão habitual nos nativos? Há quem lhe chame "saudade", outros optam por "nostalgia", mas nenhuma parece corresponder com exactidão...
-- No meu caso, é paixão. É uma coisa anormal. Sou feliz na Corunha e também fui feliz no continente, mas nos Açores sou felicíssimo. Quando lá vou, um dia antes de vir embora já a minha mulher e os meus pais estão a gozar comigo. Não como, não falo com ninguém, não estou bem comigo mesmo... É uma paixão.
-- Sente-se tão emigrante em Lisboa, por exemplo, como na Galiza?
-- A Galiza é muito parecida com Portugal, mas, de facto, sinto-me um emigrante tanto na Corunha como no Estoril ou em Lisboa. Portugal é um país lindo, tranquilo, excelente para se viver, para se comer... Mas nos Açores é que me sinto em casa.
-- Sente-se mais açoriano do que português?
-- Não é bem isso. Portugal é a minha nacionalidade, os Açores são um modo de vida. Não se pode comparar as coisas. Sou português e açoriano.
-- Defende as teses independentistas do Partido Democrático do Atlântico (PDA), onde desembocaram elementos da Frente de Libertação dos Açores (FLA)?
-- Claro que não. Nem teríamos condições para isso, nem sequer algum açoriano -- tenho a certeza -- deseja separar-se de Portugal. Somos todos portugueses e sempre o demonstrámos.
-- Mas sente-se mais próximo de um habitante da ilha das Flores, que fica mesmo noutra placa tectónica e a centenas de quilómetros de São Miguel, do que propriamente de um habitante de Lisboa?
-- Sim. Os Açores são nove ilhas, mesmo que estivessem todas a cinco horas de viagem umas das outras.
«AÇORES DEVIAM RECEBER UM GRUPO DO EURO 2004»
Villalba -- Pauleta considera que Portugal está na frente da corrida pela organização do Euro 2004 e apela desde já a que a futura organização se lembre dos Açores e da Madeira na altura da distribuição dos grupos pelo território nacional. O jogador também quer estar presente, mesmo jogando pouco devido às opções de Humberto Coelho.
-- Que perspectivas há de vir a tornar-se o primeiro açoriano a jogar um Europeu?
-- É o meu grande objectivo para este ano, para além do de fazer uma boa época no Deportivo: ajudar Portugal a chegar ao Europeu e, depois, ser convocado. Está tudo a correr bem e estamos todos empenhados e unidos em torno desse ideal.
-- Esperava jogar mais vezes com Humberto Coelho?
-- Cumpro as ordens do treinador.
-- Pensa que os Açores poderiam receber um grupo do Europeu de 2004, se Portugal viesse a garantir a sua organização?
-- Era maravilhoso, e penso que seria possível. A candidatura portuguesa está a trabalhar bem e espero que ganhe. Depois, espero que Açores e Madeira recebam cada um o seu grupo, na primeira fase da prova.
-- Não acha que uma região que nem consegue ter pronta a iluminação do Estádio de Ponta Delgada a tempo da transmissão televisiva do primeiro jogo do Santa Clara teria dificuldades em receber um grupo de um Europeu?
-- Penso que isso resultou do facto de as coisas terem acontecido depressa de mais. As pessoas deveriam ter-se preparado a tempo, durante a época na II Divisão de Honra. Mas acho, mesmo assim, que em Agosto estará tudo pronto para os jogos com o Sporting e o Benfica.
-- Como tem visto o trabalho da candidatura espanhola ao Campeonato da Europa?
-- Espanha é um grande país, com enorme poder na Europa, mas não está a trabalhar tão bem como Portugal. Vivo em Espanha e ainda não vi um só cartaz de propaganda à candidatura. Penso que Portugal vai ganhar a organização do Euro. O logótipo humano realizado no Jamor é uma prova da capacidade de organização do nosso País.
«A OBSESSÃO COM OS GRANDES É MENOR DO QUE HÁ DOIS ANOS»
Villalba -- Pauleta é hoje um homem mais tranquilo, depois dos três anos de evolução acelerada que chegaram a confundi-lo sobre as potencialidades e os limites do futebol e da fama. Satisfeito na Galiza, o jogador também já afastou a obsessão de jogar num grande clube português. Agora, é apenas um sonho.
-- A última época não foi particularmente boa para si. Foi um dos tais "anos maus" que costumam marcar a carreira de um ponta-de-lança?
-- É verdade que, desde o Estoril, vinha fazendo sempre excelentes épocas, o que tornou a última temporada numa excepção. Acabei por fazer uma época mais ou menos, com 27 jogos e dez golos, mas a verdade é que acusei um pouco o facto de estar pela primeira vez a representar um clube com aspirações a um título nacional. Para além disso, tive uma lesão que me afastou da equipa nos primeiros três meses da época.
-- Disse um dia que temia não estar preparado para uma má temporada...
-- Sim, mas já tinha sentido dificuldades anímicas no ano anterior, em que também tive uma lesão. Já estava habituado. A questão é que, num campeonato como o espanhol, é difícil sair da equipa e recuperar a titularidade.
-- Este ano, a concorrência por um lugar na equipa é mais difícil, nomeadamente com a contratação do holandês Makaay...
-- Somos quatro avançados e partimos todos em pé de igualdade. Tanto eu como o Makaay, o Turu Flores ou o Ivan Pérez vamos ter de trabalhar de igual modo para a titularidade. Mas há muitos jogos, quer do campeonato, quer da Taça do Rei, quer da UEFA, ou das selecções nacionais, e ninguém vai aguentar jogá-los todos. Haveremos de jogar os quatro ao longo da época.
-- Nota-se que as coisas já não estão a "correr depressa de mais", como se queixava há dois anos atrás...
-- Sim, agora já respiro de outra forma. Tenho consciência de que já é muito difícil ir para um clube maior do que o Dep. Coruña. A minha intenção é ficar aqui, ser titular, jogar na Selecção Nacional... Se aparecer melhor, muito bem. Se não, será normal.
-- Ainda sonha com um grande clube português?
-- Gostava de concretizar esse sonho alguma vez na vida, mas já não me parece tão grave vir a não fazê-lo. Há dois anos, estava mais obcecado com essa ideia.
-- Qual foi a última vez que o contactaram de um clube português?
-- No início da última época.
«SEI O QUE É TREINAR DAS 21.30 às 23.30»
Villalba -- Um diagnóstico feito por Pauleta ao actual futebol açoriano é ainda uma análise amargurada pelos anos de treinos nocturnos a que foi obrigado a submeter-se, por forma a garantir a subsistência através de um emprego diurno de distribuidor de mercadorias. O jogador alerta os responsáveis do arquipélago para a necessidade de investir no profissionalismo, condição fundamental, por exemplo, para que o Santa Clara venha a contar com açorianos no plantel para a 1ª Liga.
-- Como vê o trabalho de Manuel Fernandes no Santa Clara?
-- Excelente. Os resultados estão à vista.
-- Que opinião tem sobre o plantel construído para a nova época?
-- Penso que contrataram jogadores com muita experiência de I Divisão, o que é extremamente importante para dar confiança e aos jogadores mais novos e à equipa no seu conjunto. Há condições para fazer-se um bom campeonato e conseguir-se a manutenção na 1ª Liga. Se for preciso, ainda poderá ser feita uma ou outra correcção em Dezembro.
-- A inexistência de uma estrela, como o poderia ser Sánchez, não deixa o conjunto órfão de liderança?
-- Hoje em dia, já quase não há estrelas, muito menos o Santa Clara poderia contratar as poucas que ainda há.
-- Como vê a recusa de vários jogadores benfiquistas a jogar nos Açores?
-- Acho normal que um jogador do Benfica não queira ser despromovido para uma equipa dos Açores que acaba de subir à 1ª Liga. Não há razões para receios de má gestão ou qualquer coisa do género, mas compreendo.
-- Acha que um sismo como o de há duas semanas, por exemplo, pode inibir a contratação de novos e melhores jogadores?
-- Nos Açores, todos sabemos que o que tem de acontecer acontece. Ninguém pensa em sismos, em ciclones ou em chuvadas. Quando chega a altura de morrer, tanto se morre num terramoto como num acidente de automóvel.
-- Lamenta que o Santa Clara não tenha um único jogador açoriano no plantel?
-- Lamento, claro. Mas compreendo. É preciso que, nos Açores, se comece a trabalhar como no continente e nos outros países, com dois treinos diários, conciliados com a escola. Com melhores infra-estruturas e uma aposta no profissionalismo, apareceriam muitos grandes jogadores nos Açores. Agora sou profissional, mas sei o que é distribuir mercadorias durante um dia inteiro, treinar às 21.30, chegar a casa às 23.30 e ter de acordar às oito da manhã para ir trabalhar de novo. Posso falar nisso porque passei por isso tudo, desde as camadas jovens até à III Divisão. Quem é que, nestas condições, tem a mesma motivação e empenhamento para jogar à bola?
-- Não acha que, assim, fica a faltar alguma vocação regional ao Santa Clara?
-- Um pouco. Mas é uma situação que ainda deverá durar alguns anos, infelizmente.
-- Como vê o facto de o Santa Clara ter escolhido o estádio dos Barreiros (Madeira) e não o Estádio João Paulo II (Terceira) como alternativa para os jogos televisionados?
-- Não concordo minimamente com isso. Mas não sei exactamente o que se passa, e tenho a certeza de que, se não houvesse algo em contrário, os jogos realizar-se-iam na Terceira.
-- A ausência de profissionalismo explica que o Lusitânia tenha descido à II Divisão há dois anos, apenas com jogadores açorianos?
-- Sem dúvida. Conheço bem todos os jogadores do Lusitânia e sei que, se fossem profissionais, se não tivessem de trabalhar todos os dias, até poderiam ter lutado pela subida à II Divisão de Honra. Estava ali grande parte dos melhores jogadores açorianos.
-- Acha que um jogador como Moisés (Lusitânia) poderia ter feito outro tipo de carreira?
-- Sim, podia ter sido um jogador de primeiro plano nacional. E, tal como ele, continuarão a aparecer jovens de qualidade que, depois, não chegarão longe. Hoje em dia, um amador já não consegue chegar mais longe do que à III Divisão.
-- Não estranha, portanto, que na selecção de sub-18, que acaba de tornar-se campeã da Europa, não haja um único açoriano...
-- Quanto a isso, acho que se trata de opções do treinador. Há nos Açores jovens com qualidade para jogar nas selecções.
-- O que pensa do projecto da Série Açores?
-- Acho que não se melhorou nada em relação à Série E. E, se não era para melhorar, mais valia ter poupado o trabalho.
«NÃO QUERIA VER CARLOS CÉSAR CHAMAR 'MAFIOSO' A GUTERRES»
Villalba -- O apego à família e aos Açores levaram Pauleta a adiar por duas vezes uma entrada definitiva no futebol de alta competição. Quer no Benfica, quer no Porto, o jogador acabou por ceder à saudade e regressar a casa. Pauleta descreve-se como um homem tranquilo e religioso e demonstra atenção ao seu papel de cidadão. O atleta critica nomeadamente as recentes acusações de Alberto João Jardim ao poder central, devido à má imagem que faz passar da figura da autonomia.
-- Deu recentemente uma entrevista à Açores Magazine, uma espécie de Olá Semanário de Ponta Delgada. Sentiu-se bem nesse papel?
-- Sim, por que não? Não faço nada para parecer o que quer que seja, mas também não procuro criar distâncias com ninguém. Nasci pobre e nunca tive jeito para betinho, mas também sempre fui sensível ao carinho que as outras pessoas me foram dando.
-- Estava disposto a dar o mesmo tipo de entrevistas a uma revista nacional, ou acha que a missão de ser um mito é apenas para o público açoriano?
-- Não sou um mito. Mas estou sempre disponível para a Comunicação Social, seja ela de onde for. E gosto de falar para todos os portugueses.
-- O que aprendeu enquanto distribuidor de mercadorias?
-- Aprendi a ter espírito de sacrifício. Aprendi que a vida é difícil e que há que fazer por ela. Não era profissional de futebol e, portanto, tinha de colocar o trabalho de distribuidor à frente de tudo o resto. Era dali que vinha o meu sustento.
-- Isso deu-lhe uma consciência de classe? É sindicalizado, por exemplo?
-- Sim, sou sindicalizado.
-- Costuma deslocar-se a Portugal na altura das eleições?
-- Deslocar-me não posso, porque tenho os meus compromissos com o Dep. Coruña. Mas, quando estou em Portugal, voto sempre.
-- Em que partido costuma votar?
-- O voto é secreto. Mas não tenho especial interesse num partido, voto acima de tudo nas pessoas cujo trabalho penso ter mais valor. Nos Açores, por exemplo, tivemos essencialmente dois presidentes do Governo, ambos com trabalhos muito bons. Mota Amaral nunca apostou no desporto, mas desenvolveu as ilhas em muitos outros aspectos. Carlos César tem apostado no desporto, o que também é muito bom. Penso que os dois se complementam.
-- Como vê os muitos problemas sociais vividos nos Açores, dos quais a venda de crianças na Terceira foi o último conhecido?
-- Em relação a esses casos, acho que as mães deveriam ser punidas com penas máximas. Fazer crianças para vender é uma coisa horrível, que pensava que já não se fazia. Quanto a problemas como o de Rabo de Peixe, uma vila piscatória muito pobre, onde vivem demasiadas pessoas na mesma casa e em condições de vida terríveis, compreendo que seja difícil resolvê-los em pouco tempo. Acho é que, em todas as situações, o Governo deve ajudar a criar mais postos de trabalho, em vez de distribuir subsídios entre quem não trabalha.
-- Mantém atenção à cultura açoriana? Tem ouvido a música do Zeca Medeiros, tem procurado os Açores na televisão ou na "internet"...?
-- O mais que posso. Conheço a música do Zeca desde pequeno e, apesar de já não a ouvir há algum tempo, gosto muito. Na televisão, vejo sempre um programa sobre os Açores que dá na RTP Internacional às terças-feiras. Ainda não aprendi foi a andar na "internet".
-- Descrevem-no como uma pessoa muito religiosa, caseira e apegada à família. Prefere as festas profanas das Sanjoaninas ou as festas religiosas do Senhor Santo Cristo dos Milagres.
-- Sou religioso e, embora não pratique tanto quanto devia, prefiro as festas do Senhor Santo Cristo.
-- É açoriano e já viveu em duas províncias autónomas de Espanha. Aconselhava a regionalização para Portugal?
-- O território do Continente é muito diferente, é muito mais pequeno do que o de Espanha e não tem a geografia dos Açores e da Madeira. Não aconselhava a regionalização, porque acho que a ideia nasceu apenas do bairrismo de algumas pessoas do Porto.
-- Como comenta a expressão "mafioso" utilizada por Alberto João Jardim, líder de uma Região Autónoma, para caracterizar o modo de actuação dos órgãos de poder central e de António Guterres?
-- Penso que não deveria acontecer. Alberto João Jardim é um grande presidente, que já fez muita coisa pela Madeira, mas não gostava de ver Carlos César, presidente dos Açores, a dizer uma coisa dessas.
UMA SELECÇÃO AÇORIANA
Villalba -- A selecção dos melhores jogadores açorianos contemporâneos de Pauleta, feita pelo próprio jogador, integra três terceirenses (Álvaro, Hermínio e Faria), um graciosense (Cordeiro) e sete micaelenses (Paulo Matos, Luís Soares, Roldão, Moisés, Vítor Simas, Carlos Freitas e Pauleta).
O banco tem um faialense (Rosinha), um terceirense (Rúben) e mais três micaelenses (Albano, Emanuel e Jorginho). No total dos 16 jogadores, no entanto, é o Lusitânia (Terceira) o clube mais representado, com sete atletas, todos ainda em actividade. O U. Micaelense tem três e o Operário dois jogadores. Na lista completa, sobressaem o nome de dois atletas que já terminaram a carreira: Roldão e Vítor Simas. A frente de ataque é constituída pelos dois mais representativos jogadores do arquipélago: Carlos Freitas e Pauleta.
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