Jordão foi um dos melhores futebolistas portugueses até um dia desaparecer deliberadamente de circulação. Hoje, regressa com a sua primeira exposição individual. São vinte telas pintadas nos últimos dois anos. Um trabalho que revela uma nova pessoa despida das anteriores referências através de um silêncio que só encontrou o seu espaço longe do futebol: "A bola é um objecto egoísta"
A SEGUIR ao ruído dos estádios, Jordão procurou durante dez anos o silêncio depurador de um quotidiano simplesmente normal. O resultado do novo itinerário encontra-se resumido nas vinte telas expostas a partir de quarta-feira na Casa do Marquês, em Algés.
Futebolista do Benfica, Saragoza e Sporting, Rui Manuel Trindade Jordão foi goleador durante quinze anos. E um dos melhores. Depois deixou o jogo e afastou-se da exuberante agitação meditática.
Sabe-se que os grandes ídolos convivem mal com anonimato e o silêncio. Para Jordão, 48 anos, a conclusão é falsa. Começou por ser futebolista, mas foi-o à sua maneira, com golos festejados exuberantemente, de braço estendido, joelhos flectidos, e sorriso rasgado. Mas também sem estridências fora do estádios. Discretamente. Hoje, mais de uma década depois, esses momentos de êxitos fazem parte de um passado que o antigo jogador não evoca. Foram momentos que o absorveram durante um período de tempo. Tem boas recordações e os amigos José Eduardo – proprietário do restaurante improvisado de galeria – e Manuel Fernandes.
Afastou-se deliberadamente do resto. Primeiro concentrou-se nos negócios. Teve um bar e investiu no comércio de roupa. Até que há quatro anos se inscreveu num curso de pintura da Sociedade Nacional de Belas Artes. O impulso de pintar já se tinha manifestado durante a primária, quando fazia as ilustrações para o jornal da escola. "Depois ficou adormecido durante muito tempo, até encontrar espaço para voltar a manifestar-se", justifica, agitando as mãos compridas e expressivas, salpicadas de tinta branca, a mesma que também lhe sobressai junto à testa.
Enquanto futebolista, nunca pegou num pincel nem mostrou um interesse especial pelas artes plásticas ou outras manifestações artísticas. Manteve-se actualizado e, mais do que isso, guardou um espaço interior onde nunca deixou que o futebol entrasse para deixar as suas impressões musculadas e invasoras.
"É um mundo demasiado objectivo, material e ruidoso" – atira convictamente, para concluir: "Era impossível encontrar outras formas de expressão que não fossem dentro dos relvados. A bola é um objecto egoísta e centralizador. Foi por isso que desapareci do meio durante muitos anos. Só o silêncio seria capaz de permitir o reencontro com o meu outro eu. Não sei qual dos dois é mais verdadeiro, mas quando comecei a pintar descobri uma outra forma de comunicar com os outros."
A redescoberta ainda vai no início. As vinte telas expostas resumem o itinerário percorrido ao longo dos últimos dois anos. São trabalhos muito diferentes, que denunciam a procura não apenas de uma voz artística, de um estilo, mas da própria personalidade do pintor. O processo de amadurecimento é evidente e exprime-se através das pinceladas. As primeiras, mais óbvias, mais figurativas – um retrato, a América do Norte condensando o globo com a bandeira dos EUA a atravessar todas as fronteiras – e, progressivamente, um olhar mais abstracto e inquieto.
A maioria das telas não tem nome. Jordão não quer condicionar o olhar. Ele próprio, quando começa a trabalhar, procura compreender um conceito (liberdade, serenidade), mas às vezes afasta-se e nem sempre consegue aproximar-se do objectivo. É por isso que às camadas de tinta se sobrepõem colagens de folhas de livros e jornais e mais tintas, que revelam a procura de um caminho. Um caminho que se desviou dos estádios. Pelo menos, para já.
«FALTA SILÊNCIO AO FUTEBOL»
As telas de Jordão (Benguela, 1952) vão estar expostas na Casa do Marquês, em Algés, até ao final de Dezembro. Os quadros começaram a ser pendurados apenas quarta-feira ao final da tarde. Foi durante este trabalho que o antigo jogador interrompeu o longo silêncio mediático para responder a três perguntas que só muito remotamente abordaram o futebol. O Jordão de hoje convive mal com a fama e a exposição. E o desporto é o paradigma desse universo que contrasta com a procura do espaço de reflexão interior que o pintor reclama para sobreviver.
- Que género de relação mantém com o futebol?
- O futebol já não me condiciona, já não define a minha forma de compreender e estar na vida. Hoje, os meus dias decorrem sem esse centro. Enquanto joguei, todos os meus comportamentos, ou pelo menos a maioria, gravitavam naturalmente à volta do futebol. É uma profissão exigente, que pede muito no dia-a-dia e ocupa muito espaço no quotidiano. Actualmente, o meu calendário é outro. Se sei que há um jogo importante, tento logicamente vê-lo. Mas pode até acontecer que entretanto me esqueça e faça outras coisas.
- Pintar é a sua principal actividade?
- Gosto de pintar e sinto-me confortável quando o faço, apesar de ser uma actividade emocionalmente exigente. Quando era jogador, não tinha tempo para reflectir sobre o lado menos imediato das coisas. Agora, acontece o contrário: concentro-me nessa procura do lado... do lado lírico e poético. Este lado de mim não tem medo de se expor, de ouvir as críticas. Quando pinto, procuro respostas, mas não respostas únicas que excluem as outras. São simplesmente as minhas tentativas de aproximação.
- Que género de compromisso tem com a pintura? O futebol exigia-lhe o mesmo grau de envolvimento emocional?
- A estética do futebol marcou-me e ajudou a definir-me o carácter. Em certos movimentos que fazia dentro do campo é possível ver coreografias, traços que provavelmente também se manifestam naturalmente no pincel. São duas linguagens muito diferentes; no entanto, é possível encontrar semelhanças. Mas o que o futebol não tem é o silêncio que preciso para mostrar a verdade que, enquanto jogador, ocultei. Talvez falte mais silêncio ao futebol.
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