Alfredina Silva foi uma das pioneiras do futebol femino português: «Resistência começava em casa»

Integrou a primeira convocatória de Portugal, em 1981, e foi internacional por 30 ocasiões

• Foto: José Reis

Alfredina Silva Integrou a primeira convocatória de Portugal, em 1981, e foi internacional por 30 ocasiões. Pioneira do futebol feminino português, prolonga uma ligação que já dura há 40 anos, revela o que mudou desde que jogava e aponta soluções.

Record - É uma pioneira do futebol feminino em Portugal. Como foi desbravar caminho contra o preconceito?

ALFREDINA SILVA – Foi o que foi. Tive a oportunidade de jogar futebol numa época em que era bastante difícil fazê-lo. Não havia muitos clubes que dessem essa oportunidade, não havia uma mentalidade virada para o futebol como um desporto feminino e foi o quebrar de barreiras e estigmas sociais, mas que valeu a pena. A forma como estávamos no jogo era por paixão, por gostar muito de jogar futebol.

R - Havia esse conceito de que o futebol não é para mulheres?

AS – Havia, muito. E ainda não está eliminado por completo. Apesar de toda a visibilidade conseguida ultimamente, sobretudo com o Mundial, e de o futebol feminino estar mais presente na casa das pessoas, nas televisões, nos jornais, nas rádios, ajudar a que a sociedade veja agora de outra forma a participação das mulheres e raparigas neste desporto, ainda não é algo que esteja completamente resolvido. Mas penso que se possa estar no caminho de mudar essa mentalidade.

R - Mas são tempos completamente diferentes, com certeza teve de enfrentar muitos preconceitos, não?

AS – Sim, a resistência começava logo em casa. Muitas das raparigas que queriam jogar, tinham de enfrentar as próprias famílias, que colocavam logo à partida uma série de entraves a que jogassem futebol. Era todo o preconceito que existia na sociedade. Na escola, no trabalho, dia após dia. Mas valeu a pena, hoje já se dão outras oportunidades, o talento sempre esteve com as jogadoras portuguesas. Hoje, já têm melhores condições, muitas já podem jogar de forma profissional, o que leva a melhorar a qualidade e competitividade.

R - Julga que é esse o caminho, o profissionalismo?

AS – Leva sempre a que se criem melhores condições para as praticantes. Podemos evoluir por termos mais acompanhamento especializado, mais horas de treino, treinos mais qualificados, tudo isso ajuda a que a jogadora evolua e o futebol feminino também. Se queremos espetáculos desportivos e que se jogue bem, como neste Mundial, que foi um excelente exemplo da competência no futebol feminino, o caminho tem de ser o profissionalismo, mas não só. Passa muito por alargar a nossa base de formação. Com a aposta em jogadoras cada vez mais novas, para começarem a formação mais cedo.

R - Como olha para o futuro? A evolução no futebol feminino vai prosseguir ou o entusiasmo pós-Mundial vai esmorecer?

AS – Não podemos adormecer. Agora que o Mundial terminou, temos de estar vigilantes, aproveitar este momento e dinamizá-lo. Temos de fazer o diagnóstico para determinar o que precisamos para prosseguir o crescimento. Tem de ser um trabalho conjunto, de associações, clubes, FPF e de toda a sociedade. Em vez de termos as 15 mil que agora jogam, temos de ter 100 mil praticantes para isto não parar. Meta ambiciosa? A própria FPF estipulou que quer atingir as 75 mil em 2030, há um plano estratégico a seguir. Depois vai ser sempre a crescer!

R - A primeira edição da Gala das Campeãs, que vai distinguir as principais intervenientes no desenvolvimento do futebol feminino português, tem lugar dia 27, no Casino Estoril. Como encara a realização deste evento organizado por Record?

AS – Vai ser mais um momento importante de visibilidade para o futebol feminino e é importante que nesta fase de crescimento e desenvolvimento sejam distinguidas as protagonistas que estiveram no futebol feminino, das mais antigas às que estão agora no ativo, isso vai criar motivações para as que vão aparecer.

R - A Alfredina foi pioneira também ao integrar a primeira Seleção Nacional. Quer recordar-nos essa experiência?

AS – Foi uma enorme surpresa, porque ainda nem havia campeonato nacional. Houve um convite da federação francesa para um jogo particular, em 1981, foi um momento único e muito especial. Ouvir o hino, representar pela primeira vez na história uma Seleção de futebol feminino foi muito emocionante, mas também ter um estágio, jogar sempre em relvados, levou-nos a sentir quase profissionais – cá, era sempre em pelados.

R - O que fazia além do futebol? E as outras jogadoras?

AS – Tinha 17 anos, estudava. Só comecei a tirar o curso em 1983 e depois fui sempre professora de Educação Física. Havia outra professora, enfermeiras, outras trabalhavam em fábricas… Havia diversidade, muitas realidades, sociais e culturais, era uma experiência enriquecedora.

R - Tem estado ligada à formação, no Boavista. O que tem evoluído nesse campo?



AS – Tem sido muito gratificante ver mais raparigas quererem jogar futebol e as famílias aceitarem e trazerem-nas. Conseguimos ter sub-9, sub-11, sub-13, sub-15, sub-17, sub-19 e seniores. Cada vez há mais raparigas a querer jogar e cada vez mais cedo.

R - Isso é sintomático da mudança de mentalidades também na sociedade?

AS – Claro. Há 40 anos diziam-me ‘deixa-te disso, isso é para rapazes’, hoje, trazem miúdas de 7, 8, 9 anos para jogar. São as famílias que procuram. Há cada vez mais clubes que apostam no feminino. Mas os rapazes ainda ficam com os horários ‘nobres’ de treino, as raparigas ficam com as sobras. Há que quebrar essa mentalidade, ainda não se dão as mesmas oportunidades. Temos de continuar a criá-las.

Por Mário Duarte
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