TOCOF: «Mais que um clube, uma família»

Pais e dirigentes dão o exemplo nos escalões de formação

Nascidos em Odivelas de alma e coração. Foi assim que surgiu o clube TOCOF que em 2009 deu início a um dos projetos futebolísticos mais promissores dos escalões de formação de Odivelas. O projeto surgiu pelas mãos de Bruno Baptista e Valter Pinheiro, dois professores do ISCE (Instituto Superior de Ciências Educativas), que se conheceram em 2001, e já conta com três prémios de mérito a nível municipal. Depois de trabalharem em conjunto entre 2006 e 2010, nos escalões de formação do Benfica, os dois treinadores decidiram seguir a sua metodologia de trabalho e dar vida a um novo clube: o TOCOF - Treino de Optimização das Competências do Futebolista.

"O TOCOF é um método que vai ao encontro daquilo que são as principais evidências científicas no que diz respeito ao treino com jovens atletas no fundo, portanto nós utilizamos aquilo que a investigação e a ciência dizem que é melhor para a prática do ensino do futebol", frisou Valter Pinheiro, em entrevista a Record. Com base no potenciamento dos atletas, o clube rege-se por cinco pilares fundamentais: o desenvolvimento multilateral, a diversão, a tomada de decisão, a técnica e, por último, o respeito pelos treinadores.

A formação e qualificação profissional dos envolvidos no projeto é uma das preocupações da direção do clube que aposta em elementos com qualificações e formação superior na área do desporto e da Educação Física. "Todas as pessoas que estão connosco estão a estudar mestrado, têm mestrado, estão licenciadas ou estão ainda a concluir a licenciatura. Os nossos treinadores têm de ser bons recursos humanos, têm de perceber o contexto em que estão inseridos. Estão a trabalhar com crianças. Nós não trabalhamos com as melhores crianças do país do ponto de vista motor, trabalhamos com aquelas que aqui aparecem e, antes de tudo, têm de ser bons educadores", confessou Valter Pinheiro.

Em parceria com a Escola Secundária Pedro Alexandrino, o clube coabita num campo que, até ao início do projeto, não era aproveitado. Manuel Rolo, presidente do clube TOCOF, juntamente com pais e treinadores, arregaçou as mangas e colocou as mãos à obra e, num espaço em que o vidro era o chão, deu-se a oportunidade de instalar o primeiro relvado sintético para dar início ao sonho de várias crianças do concelho. "Este campo que aqui está, só mesmo quem o viu desde início. Só tinha aqui dois postes de basquetebol que já nem tabelas tinha. Estava tudo cheio de vidros no chão. O Sr. Manuel [Presidente] passou aqui dias e dias a retirá-los à mão", revelou Bruno Baptista. 

Num período em que o futebol português coloca como objetivos prioritários a conquista de títulos e a formação de atletas, para o TOCOF a prioridade tem contornos mais humanistas. "A nossa escola, em primeiro lugar, é para a vida. Somos uma escola inclusiva: temos crianças africanas, crianças de leste, portuguesas, temos crianças muito aptas, outras nem tanto mas têm de respeitar isso e coabitar no seio de uma equipa", revelou Valter. Ter uma visão diferente sobre o futebol e o que ele representa nos escalões de formação, parece ser a filosofia dos responsáveis por este projeto. "Aquilo que nós incutimos nos miúdos são valores como a educação e isso vê-se no final dos jogos. Nenhum miúdo acaba a chorar. Há miúdos que ganham e ficam muito dececionados porque só ganharam por um. Para alguns, o empate é o fim do mundo. Os pais das outras crianças, maioritariamente, é só insultos, já os nossos pais só apoiam. Isto faz parte desse processo desta cultura assente no clube", afirmou Bruno Baptista.

Apesar das dificuldades monetárias que o clube atravessa, Bruno Baptista e Valter Pinheiro não viram as costas às crianças. "Neste momento, posso afirmar-lhe que mais de metade das crianças que aqui estão, não conseguem pagar mensalidades, mas não é por isso que vamos retirar-lhes a oportunidade de jogar futebol", afirmou Valter. Para além dos precalços, Manuel Rolo não deixa que nada falte às crianças e, muitas vezes, desloca-se aos bairros onde estas habitam para que possam ter a possibilidade de realizar todos os dias os seus sonhos. "Não existem muitos presidentes como aquele homem ali. Ele 'paga', porque gasta gasóleo, para ir buscar os miúdos todos os dias para que consigam vir ao treino", frisou Valter Pinheiro.

 

A ligação intrínseca com os pais

O clube vê nos pais dos atletas o grande apoio para continuar a colocar um sorriso nas crianças, fruto das várias iniciativas que permite amealhar dinheiro para as necessidades do clube. "Vivemos das mensalidades de quem paga, e vivemos daquilo que nos dão. Vive-se também desta dinâmica que criamos com os pais", afirmou Bruno Baptista, e acrescentou: "No último Natal, os pais organizaram-se e criaram um cabaz. O dinheiro que angariaram deu para comprar estas balizas, por exemplo".

Rui
Rui

rem cabazes e rifas, os pais fundaram ainda uma liga interna de veteranos que conta já com 38 inscrições. Rui Marques, pai de Tomás Marques do escalão de Benjamins e Rodrigo Marques dos Iniciados, foi quem idealizou a competição. "As regras foram criadas por mim. Por exemplo, cada golo de calcanhar vale dois pontos. A minha equipa está em primeiro porque marcamos muitos assim. Agora tentam todos imitar-nos e andam todos de costas voltadas para as balizas. É de rir", revelou Rui Marques. Como se não bastasse, no final de cada partida de Veteranos, Rui Marques veste a pele de repórter e efetua entrevistas. Esta "brincadeira" deu aso a um canal no YouTube, o ‘Tocof TV’.

A par desta sinergia estão os treinadores Bruno Baptista e Valter Pinheiro, que assumem que apesar de haver "dois papéis distintos" entre pais e treinadores, mas todos ‘remam’ na mesma direção: a educação e diversão, acima de tudo. "Apesar de tudo os nossos colaboradores têm de ser óptimos recursos humanos. Têm de perceber na realidade em que estão inseridas e educar os miúdos. Posteriormente, sabemos que eles [crianças] querem jogar futebol, então não vamos ter um treino chato e aborrecido, mas sim aliar a diversão ao treino", assumiu Valter.

Os preparativos para o 10º aniversário do clube já começaram e quem organiza tudo são os pais. "Juntos criaram uma comissão e estão a tratar da festa. Nós [Valter e Bruno] só dissemos como pretendíamos, o resto são eles quem está a tratar", confessou.

 

 A melhoria no rendimento escolar

 Em alguns casos, a experiência única que o TOCOF oferece leva mesmo a melhorias no rendimento escolar, como é o caso do Santiago. "O meu filho praticava artes marciais, mas andava a sonhar com o futebol há algum tempo. Costumava ser mau aluno, mas agora é bastante melhor, porque anda feliz", confessou Xana, mãe do Santiago dos Infantis. Apesar de pensar que o futebol poderia prejudicar ainda mais os resultados do filho, Xana admite que a inscrição no futebol deu ao filho "outra motivação para estudar". Já Margarida, mãe de Hélder dos Infantis e do Salvador dos Traquinas, afirma que notou "melhoria no comportamento e nos resultados" do seu filho mais velho, fruto também da "união" para com os colegas de equipa e do sentimento de amizade entre todos os pais.

 Para Sílvia, mãe do Guilherme dos Infantis, a forma como o TOCOF educa as crianças, no que toca ao futebol, acaba por ser fundamental para o crescimento e para a auto-estima dos miúdos. "O meu filho já praticou vários desportos, mas sempre gostou do futebol. Mas eu sempre achei que o futebol tem de ser muito bem treinado e muito bem feito no sentido da autoestima dos miúdos. Aquilo que vi em alguns clubes, pode comprometer a autoestima das crianças, no sentido em que: se não és bom jogador não jogas. Aqui todos jogam. O clube dá oportunidade a todos", frisou. Segundo Margarida, o clube acaba por ser mesmo o grande responsável pelo bem-estar das crianças. "A oportunidade que o clube dá é muito importante. A equipa pode ser de sete, mas se forem 14 ao jogo, jogam os 14. Não deixam ninguém de fora, independentemente do resultado", afirmou.

 

O exemplo nas bancadas

Infelizmente, não é só no futebol sénior que se assistem a agressões entre adeptos, o mesmo já aconteceu este ano entre o Real Sport Clube e o Despertar de Beja, no escalão de iniciados. Bem como no encontro entre Cascais e Algés, dos infantis. Ambas as partidas ficaram marcadas por agressões entre pais, nas bancadas. "Muitas vezes vemos atitudes de pais e treinadores que não se deviam aceitar no futebol. Assistimos a alguns que, quando o resultado não é bom, gritam com as crianças o que depois leva à agressividade nas crianças", revelou Margarida.

No TOCOF, todos os jogos são uma verdadeira festa. Com direito a bombos, palmas e muitas risadas, os pais não deixam ninguém ficar indiferente ao que eles proporcionam.

Rui Marques é um dos rostos desta "família" constituída pelos pais. Para além de ser um adepto assíduo nos jogos dos seus filhos, Rui também marca presença nos outros escalões. Prova disso mesmo, foi o jogo dos Infantis, no último sábado, entre o TOCOF e o Belenenes, em Caneças. "Vim, mas não tenho filho nenhum aqui a jogar. O meu filho só joga mais à tarde, mas vim apoiar na mesma", revelou.

Se pensam que estes pais não levam a sério os jogos dos seus filhos, estão muito enganados, principalmente no que toca ao apoio. Com as gargantas bem afinadas (apesar de alguns enganos), e com um reportório vasto de músicas, eles viram uma verdadeira claque: a Mancha Laranja. Entre os rostos (quase sempre) sorridentes, as palavras de incentivo não têm fim. Adeptos de um bom espetáculo, até nas mais adversas situações climatéricas, não deixam de lado o fair-play, um lema do clube. "Não percebo como é que alguns pais vêm ver os jogos dos filhos e, em vez de incentivá-los e apoiá-los, proferem insultos ao árbitro, à equipa adversária ou chamam os filhos em atenção aos aspetos negativos. Isso faz-me muita confusão. Isso não é apoiar", afirmou Rui Marques. "Os nossos filhos, quer ganhem, quer percam, saem sempre em festa e com um sorriso no rosto", frisou Margarida.

Começou com um megafone, passou para um microfone e, de momento, é com um auxílio de uma lata em forma de bombo que faz a alegria de miúdos e graúdos nas bancadas. "Para mim, o mais importante é que o meu filho seja feliz. E, se um dia mais tarde já não praticar desporto, que se lembre e se orgulhe que o pai sempre esteve lá para o apoiar e que fez sempre aquilo que pôde para ele ser feliz", confessou.

"Saber que ainda existem projetos como estes que fazem acreditar num futuro risonho no futebol português, enche-nos a alma. Parabéns a todos os envolvidos e um muito obrigado por toda a disponibilidade a Record."

"Mancha não fiques calada e grita bem alto. Viva ao TOCOF!".

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