Começamos pelo Pantera Negra, um dos expoentes máximos da história do jogo e génio de expressão planetária como Portugal nunca antes tivera. Prova de que vive para lá da morte física, ocorrida a 5 de
A partir de hoje, e às terças-feiras das próximas 11 semanas, Record irá apresentar entrevistas com os aqueles que a FPF considerou os melhores de sempre. Começamos pelo Pantera Negra, um dos expoentes máximos da história do jogo e génio de expressão planetária como Portugal nunca antes tivera. Prova de que vive para lá da morte física, ocorrida a 5 de janeiro de 2014, será eternamente o rei do futebol português.
1 - Nos braços de D. Elisa
RECORD – Que memórias guarda dos dias anteriores ao embarque para Lisboa?
EUSÉBIO – Tudo começou em Dona Elisa, minha querida e saudosa mãe, que foi determinante em tudo quanto fiz no futebol. Eu jogava no Sporting de Lourenço Marques e o Sporting Clube de Portugal entendeu que tinha direitos sobre mim. Os emissários lisboetas confirmaram interesse mas propuseram um período de experiência, ideia à qual ela não achou graça – e, já agora, eu também não. Os benfiquistas foram diretos, mãe Elisa deu a sua palavra e levou-a até ao fim. Abençoada seja. Que descanse em paz.
2 - Gelo de Lisboa, calor na Luz
R – Quais foram as primeiras sensações quando desembarcou no aeroporto da Portela?
E – Quando cheguei a Lisboa, em dezembro de 1960, recordo-me que o primeiro choque foi o frio. Em Lourenço Marques rondavam os 40 graus e aqui estariam pouco mais de dez. Trazia pouca roupa, não estava preparado para temperaturas tão baixas. E também me surpreendeu a receção no aeroporto: muita gente à espera. Já os companheiros de equipa foram muito calorosos. Uma das minhas vantagens foi contar com a confiança automática do treinador. Béla Guttmann viu em mim condições para ser um grande jogador e, logo nos primeiros treinos, de cada vez que eu tocava na bola e ensaiava um lance, dizia para Fernando Caiado, o seu adjunto: "É ouro, ouro, ouro". Nunca o esquecerei. Devo-lhe grande parte do que fui como futebolista. Esses primeiros treinos impressionaram também os meus colegas. Comecei logo a ser alvo de algumas brincadeiras, a mais interessante das quais relacionada com uma dúvida que alimentavam a sorrir: quem iria sair da equipa para eu entrar.
3 - Guerrilha vermelha e verde
R – Como sentiu o clima complicado dos primeiros tempos de indecisão?
E – Os avanços e recuos entre as decisões da FPF e da Direcção-Geral foram tantos que já ninguém se entendia. Ora me diziam que estava tudo bem e ia jogar imediatamente, como no dia seguinte lia o contrário nos jornais. Um dia disseram-me que o mais aconselhável seria passar uma temporada no Hotel da Meia Praia, em Lagos, com o falecido Domingos Claudino. Passei lá 12 dias em sossego absoluto mas sem ter a vida resolvida. Não foi rapto, como muitos disseram e escreveram, mas apenas uma forma de me manter tranquilo e afastado da confusão. Quando tudo se resolveu, fui logo convocado para jogar com o Atlético. Estava com febre mas fiz boa exibição na vitória por 4-2 e marquei três golos. Em outubro de 1961 tive a minha primeira internacionalização. Perdemos por 2-4 no Luxemburgo. Fiz um golo, é verdade, mas nada apagou a tristeza de um desaire que nos afastava, quase irremediavelmente, do Mundial’62.
4 - Pelé posto em sentido
R – Assim que chegou à principal equipa do Benfica, tornou-se alvo dos olhares do Mundo. Tem memória de quando isso começou?
E – O Torneio de Paris foi o meu primeiro contacto com o futebol internacional. O primeiro adversário, a 13 de junho, foi o Anderlecht. Fui titular porque o Coluna adoeceu com anginas. As coisas correram bem e vencemos por 3-2, com um golo de minha autoria. Na final defrontámos o Santos de Pelé. Fiquei de fora e foi do banco que assisti a 45 minutos desastrosos: ao intervalo perdíamos 0-4. Entrei na segunda parte, eles fizeram o 0-5 e eu, em 15 minutos, fiz três golos e sofri um penálti que o José Augusto falhou. No fim, o Pelé fixou a conta em 3-6. Se Pelé foi o melhor futebolista de todos os tempos? Foi um génio, um jogador único, mas vejo-o como amigo, quase como irmão. Di Stéfano, por ser mais velho, exerceu sobre mim o fascínio dos ídolos. Era um jogador como nunca vi. Um fenómeno.
5 - A camisola de Di Stéfano
R – Tinha 20 anos quando jogou a final da Taça dos Campeões. Como se sentiu no grande palco?
E – Nunca estivera num jogo tão grandioso. O adversário não podia ser mais ilustre e ao mesmo tempo mais assustador: o Real Madrid, grande potência do futebol europeu. O Benfica vencera o Barcelona, um ano antes, mas o Real queria reconquistar o cetro. Estivemos a perder por 0-2, ganhámos por 5-3, marquei dois golos e vivi a primeira alegria esfusiante da carreira. Para sempre ficou uma história curiosa: pedi ao Coluna que solicitasse a Di Stéfano a troca de camisola. Ele disse que sim e cumpriu. No fim, a confusão instalou-se, o público invadiu o relvado e nós andámos por ali em ombros, de um lado para o outro. Agarrei-me à camisola do ídolo com unhas e dentes e pedi que me levassem para as cabinas. Nessa altura nem quis saber da Taça. O meu troféu chegou a salvo ao destino, escondido por debaixo dos calções.
6 - Um génio sempre desejado
R – Como foi possível, perante tanta evidência internacional, ter passado toda a carreira no Benfica?
E – O interesse de vários clubes foi uma constante. E embora nenhum outro tivesse a expressão de Juventus e Inter Milão, o facto é que tive mais possibilidades de fazer outros contratos milionários (Real Madrid, Barcelona, Atlético Madrid…). Mas não me queixo: ganhei o meu dinheiro e sempre fui feliz neste grande clube que é o Sport Lisboa e Benfica. Na sequência da final perdida com o Inter, a Juventus interessou-se e apresentou uma proposta irrecusável. Solicitei, então, que me deixassem sair. Nunca fui político, nunca me quis meter nessas coisas, a minha vida foi sempre o futebol e só mais tarde percebi até que ponto fui utilizado pelo regime. Salazar entrou na minha vida quando inviabilizou a transferência, com o argumento de que eu era património do Estado. Em finais de 1965, o Inter Milão interessou-se. Como acabara de me casar, o clube cativou também a Flora: estávamos decididos a partir. O Benfica já estava convencido mas, entretanto, a federação italiana fechou as fronteiras aos estrangeiros pela má participação no Mundial de 1966.
7 - O Rei e a corte dos Magriços
R – O Mundial’66 foi o ponto mais alto da carreira?
E – Foi nessa competição que vivi os momentos mais marcantes. Merecíamos ter sido campeões do Mundo. Mas houve quem preferisse ganhar outras coisas. E refiro-me à alteração do lugar da meia-final com a Inglaterra. O jogo devia ter sido em Liverpool, onde estávamos, mas a FPF aceitou mudá-lo para Londres. Eu sei que os tempos eram outros mas podiam, ao menos, ter-nos ouvido. Foi um disparate: os ingleses é que tinham de deslocar-se para onde já nos sentíamos em casa. Mas não. Jogar em Wembley foi um erro imperdoável. Hoje nada daquilo aconteceria. O jogo com a Coreia do Norte? Foi épico. Aos 23 minutos perdíamos por 0-3 e estávamos destroçados. Conseguimos reduzir para 2-3 antes do intervalo e operámos a reviravolta – disse aos companheiros que se fôssemos para as cabinas com desvantagem mínima ganharíamos o jogo. Assim foi. Na vitória por 5-3, apontei quatro golos e senti, nesse momento, que podíamos ser campeões. Por isso fiquei destroçado aí e fui dos menos efusivos na vitória sobre a União Soviética. Acreditei mesmo no título e, por isso, o 3.º lugar não me entusiasmou.
8 - No topo do Mundo
R – Os troféus individuais cedo se tornaram uma constante na sua vida. Qual foi a relação que manteve com a Bola de Ouro, por exemplo?
E – A minha inexperiência levou-me a medir aos poucos a importância das coisas. No final de 1962 foi feita a eleição da Bola de Ouro e fiquei em segundo lugar, atrás de Masopust, grande estrela da Checoslováquia que perdera a final do Mundial do Chile com o Brasil. Entendi a distinção como se fosse uma vitória, apesar do alargado consenso de que o vencedor devia ter sido eu. Três anos depois, quando ganhei, fui ao Samoco, passear com o Coluna, o Neto e as respetivas esposas. No regresso a casa liguei o rádio do carro e ouvi a notícia de que tinha sido eleito o melhor jogador da Europa em 1965. Foi uma das notícias mais felizes, de tal forma que comecei logo a chorar agarrado à Flora. Aos 23 anos chegava ao topo do reconhecimento internacional. No fim de 1966 sofri um choque inesperado, ao perder por um simples voto. O mais incrível é que o correspondente da "France Football" em Portugal nem um voto me deu. Nunca falei com ele sobre isso.
9 - Com ouro nas botas
R – Entre muitas distinções, recebeu ainda duas Botas de Ouro. Que espaço ocupam no seu coração?
E – Em setembro de 1968 recebi a minha primeira Bota de Ouro. Foi apenas mais um argumento para cimentar o prestígio internacional. O meu joelho já tinha começado a dar problemas, mas esses, os primeiros, ultrapassei-os com mais ou menos facilidade. Os 42 golos (e foram 43, sempre achei que me roubaram um) estão aí para o provar. Na época 1972/73 aumentei a veia goleadora. As coisas começaram a correr-me bem e a equipa também ajudou a somar golos, uns atrás dos outros. Na reta final, lutei ombro a ombro com o Gerd Müller, grande avançado alemão do Bayern Munique. Num despique muito mediatizado, entre Adidas (ele) e Puma (eu), acabei por sair vencedor. Um grande triunfo, acentuado pelos meus 31 anos. São duas vitórias muito importantes para mim.
10 - Maldito joelho esquerdo
R – Na fase final da carreira sofreu as consequências das lesões que sofreu. Arrepende-se de alguma coisa?
E – Em dezembro de 1961 fui submetido à primeira intervenção cirúrgica da minha vida, no Hospital da CUF. Até final seriam sete operações, seis das quais ao joelho esquerdo. As consequências dos excessos – meus, que quis jogar sempre, e dos adversários, que me massacraram – estou a pagá-las agora. O tempo acentuou a lástima em que tenho o joelho esquerdo, obrigando-me a sacrifícios ainda maiores. Fica desde já esclarecido que nunca me obrigaram a jogar lesionado. Mas eu sempre amei o futebol e fui sensível aos argumentos do Benfica, principalmente nas digressões em que os cachets dependiam da minha presença. Quando se colocou a possibilidade de regressar ao clube, em 1976, esse foi um motivo para travar a transferência. Por curiosidade, um dos clubes interessados foi o Sporting. Os presidentes Borges Coutinho e João Rocha reuniram-se e, com o meu aval, ficou decidido que não envergaria a camisola verde e branca. Nessa altura ainda surgiu o Belenenses, mas não chegámos a acordo de verbas. Foi o Beira-Mar a levar a melhor, porque foi o único a aceitar a principal condição: não podia assinar até final da época, pois teria de regressar aos Estados Unidos. Treinava-me na Luz durante a semana e jogava ao domingo.
11 - A estátua de um mito
R – Mesmo quando saiu do Benfica, em 1975, sabia que o destino o traria de volta?
E – O regresso ao Benfica era uma questão de tempo e eu sabia-o. A seguir a ter terminado como jogador integrei os quadros técnicos, mas também assumi funções como embaixador. É um papel que sempre me deu muito prazer desempenhar e do qual me orgulho, por sentir na pele a expressão universal do clube. A estátua que tenho no Estádio da Luz é o meu troféu supremo como personalidade ligada ao desporto e ao Benfica em particular; por outro lado, é uma prova indiscutível da importância que o clube e os seus adeptos me atribuem. Sei que as estátuas costumam honrar a memória de gente que já não está entre nós. Também por isso o meu orgulho não se consegue medir.
MAIS
O Mundial’66 e não só
"A epopeia dos Magriços foi um dos pontos mais altos, tendo o jogo com a Coreia do Norte como ponto mais alto. Mas em 1964/65 fiz aquela que ainda hoje considero ter sido a minha melhor exibição, num jogo em que apontei um golo inesquecível ao Real Madrid (ganhámos 5-1). Esse e outro ao La Chaux-de-Fonds, nessa edição da Taça dos Campeões, foram os melhores. Fiz uma tabela com o Simões e, sem deixar cair no chão, passei a bola por cima de dois defesas, fulminando o guarda-redes a seguir. Ele correu atrás de mim. Para me dar os parabéns."
MENOS
À experiência no Benfica?
"Já tinha passado pelos EUA quando a hipótese de regressar ao Benfica se colocou. As conversas sucederam-se e, quando me disponibilizei para vestir a camisola encarnada na festa de homenagem a Carlos Lopes (9 de outubro de 1976), acreditei que tudo se resolveria. Porém, o diretor do futebol na altura, Romão Martins, disse então que teria de prestar provas antes de assinar. Não podia aceitar essa imposição, por considerá-la indigna. Tudo menos isso."
Nota: Este trabalho é resultado da recolha de entrevistas concedidas por Eusébio a Record entre 2002 e 2014
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