Na primeira entrevista como jogador do Benfica, Argel não se poupou em palavras. Abriu já uma frente de batalha com o FC Porto, o "inimigo" de eleição, a quem negou de propósito os 15 por cento devidos de uma transferência acima dos 600 mil contos, ao pedir à Parmalat para baixar o preço de venda. Deixa desde já um alerta ao balneário encarnado, pedindo "suor e sangue" e "mais trabalho e menos conversa", escolhendo Roger como exemplo do que deve ser mudado
ARGEL concedeu a Record a primeira entrevista como jogador do Benfica, antes de ser apresentado oficialmente. Na sala da Direcção encarnada, o jogador expôs as razões do seu regresso a Portugal e falou com o coração na boca, como um eterno apaixonado pelo clube da águia. Quer ser campeão na próxima época e utilizou termos fortes para mostrar que fala a sério: "guerra", "sangue", "inimigo".
– Esperava regressar tão cedo a Portugal?
– Tive duas propostas, uma do Benfica e outra de um clube alemão e, profissionalmente, considerei ser melhor voltar a Portugal, apesar de, financeiramente, ter sido melhor a oferta alemã. Mas tenho uma filha com dois meses e meio e a adaptação seria mais fácil em Lisboa.
– Teve um papel importante nessa luta luso-alemã...
– Quero deixar bem claro que fui eu quem pediu à Parmalat para baixar o valor do meu passe e assim não se pagar os 15 por cento a que o FC Porto tinha direito se fosse vendido por um preço acima dos 600 mil contos. Só eu sabia da cláusula. Conversei com a Parmalat, pois tenho uma grande amizade com o director e ele baixou o valor. Respeitou a minha vontade de jogar no Benfica. Comecei num clube vermelho, o Internacional de Porto Alegre, e sempre me dei bem com o vermelho. Nunca tive sangue azul nem nunca terei. Venho para um grande clube, com seis milhões de adeptos e estou muito feliz.
– Por que fez tanta questão em evitar que o FC Porto recebesse os 15 por cento?
– Era uma questão de honra. Falou-se muita coisa aquando da minha saída do FC Porto que não eram verdades. Não foi o FC Porto que me mandou embora. Eu é que pedi para sair, pois tinha uma boa proposta da Parmalat para jogar no Palmeiras. Que isto fique claro, pois o FC Porto só fala o que quer e a verdade muitas vezes não sai lá de dentro.
– Já vamos ao FC Porto. Tem noção que chega ao Benfica num dos piores momentos da história?
– É preciso esquecer o passado e viver no presente. Um clube da grandeza do Benfica tem de reagir. A “torcida” é tão grande, tão grande, que cada vez que jogarmos no Estádio da Luz – ou melhor, na catedral da Luz – vamos jogar com 12 elementos. O 12º jogador são os adeptos. Eles ficam perto do campo, podem fazer uma grande pressão em cima do adversário e nós, jogadores e direcção, temos de andar de mãos dadas, para trazer os adeptos para junto de nós.
– Tem faltado isso ao Benfica?
– É-me difícil falar do que aconteceu na época passada. Seria antiético porque estaria a falar de pessoas que trabalharam aqui quando eu não estava. E eu respeito toda a gente. O importante é olhar para o futuro e trazer os adeptos para o nosso lado. Vou-lhe dar um exemplo: o Corinthians, há poucos anos, estava para cair na segunda divisão e, de uma hora para a outra, os “gajos” levantaram aquilo e foram campeões. Com os mesmos jogadores! Como foi possível? Foi possível porque o Corinthians tem uma das maiores “torcidas” do Brasil. Quando os adeptos são apaixonados, nada é impossível. Quando se vê no Estádio da Luz uma multidão vermelha, nada será impossível.
– E como se atrai os desencantados adeptos do Benfica?
– É preciso puxar por eles. Temos de colocar 80 mil adeptos sentados no banco, por assim dizer. O clube é grande quando tem uma “torcida” grande e os jogadores fazem-se grandes quando a “torcida” os empurra. Com 80 mil pessoas a gritar o nome do Benfica, os jogadores fazem coisas e depois até as colocam em dúvida, quando as vêem na televisão.
– Ganhou esse entusiasmo a falar do Benfica em apenas três dias?
– Eu já pensava assim. Quando saí do FC Porto, o Benfica tentou contratar-me e voltou a fazer o mesmo meses depois. Eu podia estar aqui no começo da época. Era um sonho antigo e finalmente concretizou-se. O Benfica é um vulcão adormecido e se a equipa estiver bem e ganhar três jogos aparecem logo 70 mil pessoas no estádio. Os adeptos adversários vão queimar-se na lava. Vamos reacender esse vulcão e conquistar o campeonato. O Sporting não ganhava há 18 anos, já foi a vez do FC Porto, do Boavista, agora calha ao Benfica. O Benfica vai ser forte quando os adeptos estiverem perto, muito perto. E os jogadores vão adormecer todos os dias a pensar no título, a sonhar com o título. O adepto não quer ganhar a Taça UEFA, quer é ganhar o campeonato.
– Foi fácil convencê-lo, portanto...
– Luís Filipe Vieira, José Veiga e José Andrade foram determinantes. Estivemos fechados numa sala de hotel com os alemães fechados noutra e eu andava com o director da Parmalat, Bagatella, de um lado para o outro. A Parmalat queria fazer negócio com os alemães, mas eu abri mão de algumas coisas para vir jogar aqui. O Luís Filipe Vieira é uma pessoa muito dinâmica, entende de futebol, pensa rápido e faz tudo da melhor forma possível. Antes, o Benfica contratava um jogador e a Imprensa sabia dois meses antes quem ele era. Hoje, isso mudou. A política do clube é diferente. Já falei com o presidente Vilarinho, que é uma pessoa maravilhosa, honesta, com um amor grande pelo clube e até pensa primeiro no Benfica e só depois na própria vida pessoal. Dá para sentir que o Benfica dará o passo conforme a perna.
– Vai encontrar uma cidade diferente em relação ao Porto...
– Gosto muito de Lisboa. As pessoas são diferentes, alegres, extrovertidas. No Porto são mais ranzinzas, a cidade é mais antiga. Até comparo Madrid com Lisboa e Barcelona com Porto. Há uma grande diferença de tratamento e maneira de pensar.
– Qual o primeiro passo a tomar para o Benfica sair da crise de resultados?
– Temos de nos fechar dentro do balneário. Será a nossa fortaleza, um local onde apenas se fala de futebol, se respira futebol. Precisamos de criar uma família onde não entram pessoas estranhas. O grupo terá de ser forte e dar as mãos. Só assim o clube dará um grande passo para conquistar o título.
– Você conheceu o balneário no FC Porto, que é tido como uma fortaleza. Trata-se de transportar isso para a Luz?
– Com certeza. E como se faz um balneário forte? Com vozes de comando, com amizade, com companheirismo, trabalho, dedicação, com todos a pensarem num único objectivo. E não precisamos de psicólogos ou sociólogos, nem de bruxos para fazer essa magia. É simples! Os jogadores apenas têm de querer, de estar do lado do treinador. E têm de perceber a grandeza do Benfica. Você ganha uma partida e quando sai do estádio descobre essa grandeza: vê um adepto a chorar de felicidade, vê um adepto a abraçar outro que nem sequer conhecia. Nem sabe se é branco, vermelho, amarelo, rico ou pobre... Temos de interiorizar isso assim que entrarmos em campo. Nós vamos para uma guerra... uma guerra sadia, com o relvado a servir de arena. Lá dentro são onze contra onze e ninguém tem três pernas, duas cabeças e a bola é sempre redonda. E aí vale muito a camisola. E camisola o Benfica tem! Assim como tradição, respeito, confiança, nome. Os jogadores podem reconquistar esses ideais com trabalho, falando o menos possível. Quem fala muito, trabalha pouco. Só com suor e sangue se colhe a glória.
– Vai assumir-se como líder no balneário?
– Ninguém se assume como líder. Liderança não se compra, aparece naturalmente e eu não estou aqui para ser o líder do Benfica, ou capitão. Estou aqui para ajudar, com toda a minha vontade e determinação, com respeito pelo companheiros. Os líderes surgirão naturalmente e o capitão será escolhido pelo treinador de forma natural. Temos de pensar no colectivo e não no individual.
"FC Porto é o inimigo"
– Voltando ao FC Porto. O que correu mal?
– Tinha um contrato de cinco épocas mas estava a jogar numa posição que não era a minha. Jogava no lado esquerdo [defesa-central descaído para a esquerda] e o meu lugar é o direito. Conversei com o treinador e ele disse que não era possível mudar a posição. Arrumei as minhas coisas e fui embora.
– Não podia mudar a sua posição por alguma razão concreta?
– Disse que o Jorge Costa jogava aí e não abriria mão de o colocar à esquerda. Então fui embora.
– Na altura chegou a dizer que os títulos escondiam muita coisa no FC Porto. Que tipo de coisas?
– É só ver o que aconteceu. O FC Porto não ganha o campeonato há dois anos e eu saí de lá há dois anos. Alguma coisa está a acontecer. Mas quero falar o mínimo possível do caso, pois o FC Porto agora é inimigo. A partir do momento em que cheguei a Lisboa, o FC Porto passou a ser meu inimigo.
– Vai ter um sentimento de vingança quando defrontar o FC Porto?
– Vingança é um termo forte. Mas que me vou concentrar uma semana antes de jogar com eles, isso eu vou.
– Surpreendeu-o o que se passou depois com o Rubens Júnior?
– Não, era esperado. O próprio Pena, que jogou comigo no Palmeiras, teve desentendimentos com o Jorge Costa, o Paulinho Santos e outros. Eu não tive desentendimentos com nenhum jogador do FC Porto, ao contrário do que se escreveu. Simplesmente jogava numa posição que não era a minha e tive uma proposta melhor.
– Foi apenas uma questão de ordem técnica que motivou a sua insatisfação?
– Certo, só isso. Não houve mais problemas. Quando cheguei ao Porto, fui suplente contra o Boavista e o Alverca e no jogo seguinte o treinador colocou-me na equipa ante o Sporting de Braga. Fui o melhor em campo em todos os jornais e não saí mais da equipa. Marquei contra a União de Leiria, joguei na vitória sobre o Real Madrid, onde me lesionei.
– Mas jogava sempre no lado esquerdo. Nessa fase não era um problema?
– Era, mas eu tinha de jogar, que remédio. Falei sempre com o treinador para trocar com o Jorge Costa, mas a resposta foi sempre a mesma. Eu sei que rendo muito mais no lado direito. E pergunto: se eu estava a jogar tão bem à esquerda, não jogaria muito melhor na direita?
– Esta explicação serve de recado para Toni?
– Não preciso disso porque o Benfica sabe muito bem onde jogo. Quando me foi contratar já sabia.
– E quando tomou a decisão de abandonar o FC Porto?
– Quando chegou a proposta do Palmeiras. O treinador, o Felipão, ligou-me no Natal e disse-me que contava comigo, que me colocaria no lugar certo. Acabei por aceitar.
– Que papel tiveram Pinto da Costa e Fernando Santos nesse processo?
– Em momento algum quiseram que eu fosse embora. Mas os meus argumento eram mais fortes. Quando o clube me observou no Santos, sempre me viu a jogar no lado direito. E eu nunca joguei aí no FC Porto, nem tinha esperança de o fazer. E estava a prejudicar-me ao continuar à esquerda, pois não conseguia mostrar todo o meu potencial.
– Nunca partiu um computador na SAD portista?
– Isso foi falado lá dentro e é mentira. É como eu disse: trato o FC Porto como um inimigo. Sou assim, tenho uma personalidade forte, tanto que vou agora jogar num clube rival com muito orgulho.
"Babar como os rothweiller..."
– O que estarão a pensar os responsáveis do FC Porto neste momento?
– Muita gente no FC Porto está preocupada com o facto de eu ter assinado pelo Benfica. Estão com dor de cabeça e nem conseguem dormir. Tenho a certeza. Eles sabem o que posso fazer. Conhecem-me dentro e fora do campo. Sabem que não tenho medo de nada, a não ser de Deus. De resto, são todos mortais. Na hora de entrar dentro do relvado, será como diz o lema do Benfica: todos por um! Temos de nos preocupar é connosco. Não temos nada a ver com o balneário do FC Porto, do Boavista, da União de Leiria... Vamos entrar dentro do campo e fazer com que nos respeitem. Quando os adversários nos virem a babar no túnel de acesso ao relvado, como aqueles cães, os rothweiller, e repararem nos nossos olhos vermelhos, então tudo vai mudar.
"Se estiver bem vou à selecção"
– A selecção brasileira continua a ser um objectivo?
– Tenho uma amizade grande com o seleccionador Emerson Leão, mas não é por ser meu amigo que me levará à selecção. Mas tenho a certeza que se estiver a atravessar uma boa fase, assim como a equipa – o Benfica também precisa estar bem – poderei ser chamado. Leão conhece a maneira como jogo, a minha personalidade, como me comporto, do que sou capaz de render em campo. Foi ele quem me levou para o Japão e depois me trouxe para o Santos. Estamos sempre em contacto pelo telefone.
– Concorda que existe uma crise de defesas-centrais no Brasil?
– Certamente! Não só no Brasil como no Mundo inteiro. Produz-se poucos defesas porque é uma posição que exige uma responsabilidade muito grande e necessita de um perfil próprio: bom porte físico, saber cabecear bem, respeito adquirido. Isso é difícil de obter hoje em dia. Os miúdos querem é fazer golos. Veja os casos de Aloísio, Donato, Blanc. Já poderiam ter parado de jogar há muito tempo se existisse quem os substitua. E tomara que continue assim, pois vou ficar empregado durante muito tempo (riso).
"Roger tem de mudar e dar sangue pela equipa"
– O que conhece desta equipa?
– Bastante. Toda a equipa tem de ter um grande guarda-redes e o Enke é um grande guarda-redes. O Ednilson, grande jogador. O Meira, outro grande jogador. O Mantorras...
– Já o viu jogar?
– Sim. É muito rápido, forte no um para um. E o Roger pode dar muito mais à equipa. Com a bola no pé, está em vantagem, pois trata-a bem, é um craque. Temos é de recuperá-lo no sentido de se habituar ao futebol europeu, que é mais competitivo, mais aguerrido, onde se tem de trabalhar mais, correr mais, morder os dentes na hora de morder... E é isso que vamos fazer. Ninguém vai ensinar-lhe a jogar, mas ele terá de mudar. Imagine um jogador com a técnica do Roger e que trabalha o jogo inteiro, morde os dentes, dá o sangue pela equipa... Entusiasma qualquer um! Aliás, telefonei-lhe no domingo para os EUA e disse-lhe que não o ia deixar adormecer em campo.
– Ainda não falou da defesa...
– Conheço o Ronaldo, que já não está cá, conheço o Paulo Madeira, o Sérgio Nunes. Mas uma defesa não se faz forte só por ela própria. Para se ter uma defesa forte, é preciso um meio-campo e um ataque forte. E a marcação não começa na defesa, mas sim lá na frente, com o Mantorras, depois o Roger, depois o Meira e só então a defesa e finalmente o Enke. É por partes. Todos têm de jogar. Hoje em dia, o defesa vai lá à frente e faz golos e o atacante vem cá atrás e faz “carrinhos”, marca em cima, dá muito sangue pela equipa. O futebol é dinâmica.
Directas
Tatuagem do dragão: "Quero deixar bem claro que fiz esta tatuagem quando tinha 15 anos e, para mim, não tem nada de anormal. No horóscopo chinês, a minha data de nascimento condiz com o dragão. Não tem nada a ver com o FC Porto e não vou tirá-la das costas."
Estádio novo: "A catedral da Luz vai abaixo, mas vem aí uma nova, muito mais bonita. A ArenA de Amesterdão também foi construída, assim como outros grandes estádios. Vai ser bom para os adeptos e para os jogadores. Isso mostra a grandeza do Benfica."
Desailly e Gamarra: "Não tenho grandes referências em termos de defesas-centrais. Gosto do Desailly e de Gamarra, com quem joguei no Internacional de Porto Alegre. Hoje em dia, os centrais já não têm de ter 1,90 e pesar 95 quilos. Precisam é ser rápidos, pois o futebol é veloz e está cheio de avançados rápidos. Os defesas têm de ser bons caçadores."
Boavista: "Não me surpreendeu que tivessem ganho o campeonato. O futebol está a mudar. É preciso sangue para se jogar. O Boavista era uma equipa normal, mas fez um balneário forte, uma fortaleza. E a partir dela, os jogadores jogavam cada partida como se fosse a última das suas vidas. E o Benfica tem de fazer o mesmo."
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