JOSÉ MANUEL DELGADO e PAULO CALADO, enviados especiais
Barcelona -- José Mourinho, elemento da equipa técnica do Barcelona, teve papel preponderante na aquisição de Simão Sabrosa. E recusou, há escassos meses, um convite do Benfica para trabalhar na Luz. São dois bons exemplos do contacto que vai mantendo com o futebol português a que admite, um dia, voltar. Provavelmente na condição de treinador principal, o passo que deve seguir-se numa carreira que o fez passar, em dez anos, dos juniores do V. Setúbal aos seniores do Barcelona, o "melhor clube do Mundo"...
-- Ao fim de três anos em Barcelona, está com vontade de aqui continuar?
-- No futebol nunca sabemos o tempo que ficamos num clube. O que é certo é que este foi o terceiro contrato que fiz com o Barcelona e isso é um bom indicador da forma positiva como as coisa têm corrido.
-- Mas a sua vontade é de permanecer no Barcelona muitos anos?
-- Isso depende sempre das propostas que possam aparecer, embora, independentemente de se ser treinador adjunto ou principal, o Barça constitua sempre uma enorme motivação. Mas não escondo que o meu projecto de carreira passa por ser treinador principal...
-- Esteve para acompanhar Bobby Robson para o PSV?
-- Sim e sentia-me na "obrigação" de ir com ele. Só estou no Barça porque ele me trouxe e a situação de ele partir e eu ficar podia não ser cómoda.
-- Houve alguma fricção entre vocês?
-- Se eu sentisse que ele ficava contrariado por eu continuar no Barça, tê-lo-ia acompanhado para Eindhoven. Mas Bobby Robson, que é indiscutivelmente o meu melhor amigo dentro do futebol, aconselhou-me a permanecer aqui e confidenciou-me que no PSV o contrato era para fazer uma época de transição...
-- Teve receio de trabalhar com Louis Van Gaal?
-- Comecei com um pé à frente e outro atrás. Eu não o conhecia, ele também não me conhecia e tratava-se de um desafio difícil. Mas acabou por ser bom porque, especialmente em Portugal, associava-se sempre o meu nome ao de Robson e por desconhecimento ou maldade, duvidava-se da minha capacidade. Por isso, foi importante aceitar trabalhar nestas condições e verificar que me ofereceram duas renovações do contrato. Afinal, eu estou no Barça por mérito próprio e não por outras razões.
-- O que falta para dar o salto para treinador principal? Um clube interessante? Aceitar abdicar das mordomias associadas a um potentado como o Barça?
-- Vivo numa situação de privilégio e não me vou armar em lírico e enganar as pessoas dizendo que o aspecto económico não pesa, porque pesa mesmo. Além disso, tenho excelentes condições de trabalho e uma relação de confiança com o "chefe" e com o clube e de amizade com os jogadores. Não é, pois, fácil sair de cá. Mas no dia em que tiver um convite que me agrade mesmo, não hesitarei em sair. Sei que um dia darei esse passo para atingir o patamar de treinador principal que desejo.
-- Mas, estando naquele que é considerado o melhor clube do Mundo e apesar das legítimas ambições que possui, que tipo de proposta fará o "click" para largar tudo isto e ir à aventura para outro clube?
-- Tive um convite de uma equipa portuguesa no princípio da época e apresentaram-me um projecto excelente que podia ir até quatro anos. Confesso que se não tivesse assinado pelo Barcelona uma semana antes tinha ido mesmo para esse clube que, por uma questão de ética, não vou revelar o nome.
-- Van Gaal fala disso consigo?
-- Cada vez que vem num jornal espanhol uma notícia de uma "chicotada" em Portugal ele pergunta-me: "Já te telefonaram?" E diz-me muitas vezes que no futebol português eu posso ser uma "estrela".
-- Sente-se realizado profissionalmente?
-- Se pensar que há 10 anos treinava os juniores do V. Setúbal e que depois disso ganhei títulos em Portugal e Espanha e provas da UEFA, e trabalho com os melhores jogadores do Mundo, só tenho razões para me sentir realizado. Mas sei que no dia em que passar a treinador principal vou começar do zero e tudo o que consegui como adjunto é para meter na gaveta.
-- A sua família pressiona-o para regressar a Portugal?
-- A minha mulher e a minha filha vivem perfeitamente integradas em Barcelona e o tempo que se leva, por exemplo, do Porto a Setúbal é o mesmo que se demora daqui a Setúbal. Mas, apesar disso, sei que se amanhã houver uma boa hipótese de regresso a Portugal a minha mulher fará as malas muito depressa.
TRABALHAR COM VAN GAAL
-- É verdade que Van Gaal é um fanático do trabalho?
-- É verdade. Passa em média oito a dez horas por dia no clube e consegue ser um perfeito gestor das capacidades das pessoas que trabalham com ele. Tem a perfeita noção que, no clube, há pessoas que fazem determinadas coisas melhor que ele e delega na pessoa certa a função certa. Van Gaal não se preocupa somente com os treinos e os jogos, controla também o futebol jovem, as relações clube-imprensa e os departamentos de observação e prospecção. Inclusivamente, ao nível do treino, muitas vezes ele só assume o papel de planificação e observador, enquanto os adjuntos são os operacionais.
-- Após estes dois anos, considera que Van Gaal já o influenciou?
-- Altamente, pelo conceito de treinador que o Van Gaal tem.
-- Em termos tácticos há alguma inovação no pensamento de Van Gaal?
-- Mais do que encontrar novidades no âmbito táctico, eu diria que ele é, isso sim, um fanático por princípios de jogo. O que faz o Barça que os outros não fazem? Pressionamos mais a frente e temos menos jogadores atrás da linha da bola...
-- Mas precisaram de contratar De Boer para a defesa e recuperar Guardiola para a equipa acertar...
-- Quando apenas três jogadores têm de controlar o espaço que normalmente é controlado nas outras equipas por cinco ou seis a sua margem de erro tem de ser menor. O segredo é perder menos a posse da bola. E para isto acontecer é necessário ter um central com uma enorme capacidade na construção de jogo e um "pivot" como Guardiola que tem uma eficácia de passe impressionante. A partir do momento em que passámos a jogar com o Frank de Boer atrás e o Guardiola na distribuição a nossa percentagem de posse de bola aumentou de forma clara e os riscos que corríamos na defesa diminuíram imenso.
-- Como reagiram às "pañueladas" do meio da época?
-- Bom, para mim não foi novidade, porque no primeiro ano, com Robson, levámos com algumas. Para Van Gaal, foi a primeira vez que lhe aconteceu e ficou impressionadíssimo com a situação. Sentimos que estávamos nos limites.
-- Os jogadores gostam de Van Gaal?
-- Gostam muito dele no final da época, quando percebem que ganhámos o Campeonato. Na hora de festejar o título reconhecem que tudo o que foi feito durante o ano valeu a pena e o treinador tinha razão em muita coisa que fez. Agora durante a época, a vida dentro de um clube que tenha Van Gaal por líder não é fácil nem agradável e ele tem a perfeita noção disso.
-- Foi isso que aconteceu com Vítor Baía?
-- O Vítor, pela lesão que teve, não conseguiu lutar pelo lugar de titular e um guarda-redes que chegou eventualmente para começar como suplente apanhou-se de repente numa situação de dono e senhor da baliza, sem oposição. Hesp foi ganhando segurança e confiança e teve quatro ou cinco meses "absolutos". Quando o Vítor Baía regressou ao trabalho estava ainda com dificuldades e viu-se pela primeira vez como suplente e com o treinador a dar -- justificadamente -- toda a confiança ao titular. A relação entre ambos complicou-se bastante, até ao desenlace final.
-- Van Gaal protegeu Ruud Hesp?
-- Não. Eu reconheço que quando o Ruud Hesp para cá veio eu nunca tinha ouvido falar nele. Nem sabia bem qual era o nome e chamava-lhe Ruud porque me lembrava do Gullit. Não o conhecia de lado nenhum. Mas o que é facto é que ele começou a jogar, jogar bem e teve "culpas", pela forma excelente como agarrou o lugar, da vida difícil do Vítor Baía.
-- Qual é a opinião que aqui têm do futebol português?
-- Posso dar um exemplo que diz tudo. Contou-me o Rivaldo que na digressão do Brasil ao Japão e Coreia, tanto ele quanto o Flávio Conceição andaram o tempo todo a brincar com o Jardel e a dizer: "No futebol português marcava 50 golos." A ideia que se tem do nosso futebol é a de um grande produtor de talentos, mas com um Campeonato de qualidade muito fraca, onde a equipa campeã chega à Liga dos Campeões e não passa da primeira fase. As pessoas ficam também espantadas com os fracassos da nossa selecção, atendendo ao valor dos jogadores que estão no estrangeiro e são muito conhecidos e respeitados. Em suma, têm uma ideia negativa do futebol português.
"SIMÃO PODE JOGAR EM QUATRO POSIÇÕES"
Barcelona -- A contratação de Simão continua a dar brado na Catalunha. Mas José Mourinho não duvida do sucesso do ex-leão e "abre o livro" sobre os pormenores de uma transferência que resultou da observação cuidada do jogador, ao longo de vários anos. Um craque "melhor que Overmars", segundo Van Gaal...
-- Como é que Simão Sabrosa chega ao Barcelona?
-- Em primeiro lugar porque o Barça trabalha superbem no capítulo da prospecção. Embora o Real Madrid compre mais nessas idades precoces de 15, 16 anos, nós temos os bons valores referenciados e o Simão era sobejamente conhecido, com mais de dez relatórios feitos sobre as suas capacidades, desde as selecções de sub-16.
-- Mas vamos a detalhes...
-- No ano em que Robson, então director para a prospecção, saiu para o PSV, entrou para esse lugar Martinez Villaseca. Van Gaal pediu-me então que antecipasse o regresso de férias e fosse a Chipre acompanhar Villaseca durante o Campeonato da Europa de sub-18 para o pôr ao corrente do que tinha sido feito no ano anterior e dar-lhe a perspectiva da filosofia de Van Gaal quanto ao tipo de jogador que poderia interessar.
Quando regressei de Chipre fui imediatamente para o estágio de pré-temporada na Holanda e disse a Van Gaal: "Há um miúdo português que me encantou." Foram dadas então ordens para o seguir. O Villaseca foi a Portugal várias vezes, eu também, mas já na fase final, o Van Der Den também e as cassetes do Simão começaram a avolumar-se no gabinete de Van Gaal. A páginas tantas, Van Gaal começa a comparar Simão a Marc Overmars, a dizer que é rápido como ele, dribla em velocidade como ele, mas é melhor a jogar entre linhas...
-- O que é jogar entre linhas?
-- É um conceito muito importante na nossa forma de jogar. Temos uma linha de médios definida e outra de avançados. Entre linhas jogam, por exemplo, Figo ou Rivaldo que partem de uma posição aberta e trocam com os interiores...
-- Voltando a Simão...
-- Van Gaal referia que ele podia jogar melhor que Overmars em espaços curtos e via-lhe superiores capacidades tácticas e decidiu contratá-lo, depois de identificar outras vantagens: não era mais um holandês e era melhor e mais jovem que Overmars. Ao que eu juntei que, por estar no futebol português, seria mais barato que o Overmars.
-- O Van Gaal fala do Simão com conhecimento de causa?
-- Nunca viu o Simão jogar ao vivo, mas observou inúmeras cassetes e conhece-o muito bem. Tentou vê-lo no Portugal-Holanda disputado em Paris, já que esse jogo serviria para desviar as atenções sobre a verdadeira observação. Mas o Simão acabou por não ser convocado e o Van Gaal desistiu de ir ao Parque dos Príncipes.
-- O Simão vai ter uma oportunidade para mostrar o que vale no Barcelona?
-- Vai ter muitas oportunidades. E seria um erro se ele tivesse ficado mais um ano em Portugal. O calendário da próxima época é muito preenchido, o Barça quer ganhar tudo e para se jogar domingo-quarta, domingo-quarta é preciso ter um plantel de grande qualidade. Logo, não vão faltar oportunidades.
-- As comparações com Luís Figo não podem ser prejudiciais?
-- São inevitáveis, até porque muita gente vê o Simão como alternativa ao Figo. Mas o Simão tem quatro posições para jogar no Barcelona: aberto nas alas ou entre linhas, quer à direita ou à esquerda. Da mesma forma que o Figo e o Rivaldo podem jogar em três ou quatro, o Cocu em quatro ou cinco e o Luís Enrique em nove ou dez... É isto que o Van Gaal quer, multifuncionalidade e polivalência.
MOURINHO RECUSOU CONVITE DO BENFICA APÓS EMPATE EM LEIRIA
Barcelona -- O Benfica decidiu mudar de técnico após empatar em Leiria, no auge da crise-Souness. Com Heynckes já apalavrado, os encarnados propuseram a José Mourinho o comando da equipa até ao fim da época, passando depois a adjunto. O "catalão" não aceitou...
-- O Benfica, após o empate em Leiria, convidou-o para treinador, mas não conseguiu seduzi-lo...
-- Foi uma situação complicada. O convite do Benfica encerrava a necessidade de estar na Luz no dia seguinte.
-- Já lhe falaram em Jupp Heynckes nessa altura?
-- Disseram-me que o Benfica ia ter no ano seguinte um novo treinador e que tinha de haver uma solução imediata... O que me foi proposto foi ser treinador principal até ao final da época e no ano seguinte passar a adjunto de um grande treinador. Hoje posso dizer que era uma proposta séria porque o Benfica contratou um técnico que, quer do ponto de vista desportivo quer do ponto de vista pessoal e humano, é excelente.
-- Por dever de ofício conhece com profundidade o futebol de Jupp Heynckes. Como o caracteriza?
-- Conheço-o bem e em duas vertentes diferentes. Como treinador de um clube pequeno, o Tenerife, e como treinador do Real Madrid. Em qualquer dos casos as suas equipas queriam praticar bom futebol. Ele joga normalmente em 4x4x2, com os pontas-de-lança móveis, que transformavam o sistema em 4x5x1 ou então com um dos médios a subir, passando a 4x3x3. Creio que o Benfica fez uma excelente aquisição.
-- Em Portugal tem passado um pouco uma imagem de brandura de Heynckes no balneário. É assim?
-- No Real Madrid as dificuldades têm sido comuns a vários treinadores. Não acredito que Heynckes, Hiddink e Toschak, todos eles sejam fracos no balneário. O próprio Capello saiu por questões que não tinham a ver com o futebol. É um clube onde os problemas saltam para a rua com muita facilidade.
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