A 18 de março de 1964, completam-se hoje 50 anos, o Sporting viveu uma das mais memoráveis noites europeias da sua história. Depois de ter sido derrotado em Old Trafford, por 4-1, na 1.ª mão dos quartos-de-final da Taça das Taças, os leões do arquiteto Anselmo Fernandez bateram o Manchester United, de Bobby Charlton, Dennis Law e George Best, por 5-0, e operaram uma reviravolta que haveria de conduzi-los à conquista do troféu, dois meses depois, em Antuérpia, frente ao MTK Budapeste, com o histórico cantinho de Morais. O antigo Estádio de Alvalade estava a rebentar pelas costuras, tanto que muitos espetadores assistiram ao jogo da pista; no final, a invasão pacífica de campo traduziu a euforia de uma vitória que será recordada para sempre como uma das maiores e mais retumbantes da história do clube.
Penáltis que revoltaram. Semanas antes, porém, a 26 de fevereiro, quando o Sporting foi a Inglaterra perder por 4-1, só mesmo os mais otimistas acreditariam que fosse possível dar a volta em Lisboa. Mas havia uma réstia de esperança e essa estava fundada, precisamente, na forma como os leões foram derrotados, com dois golos de grande penalidade (cobradas por Law) que o então diretor de Record, Artur Agostinho, catalogava de “autênticas e clamorosas barbaridades”. O árbitro holandês JH Martens era arrasado: “Grande apenas na estatura”. O mesmo Law e ainda Charlton apontaram os restantes golos dos red devils. O ponto de honra leonino foi da autoria de Osvaldo Silva, num remate de longe muito bem colocado.
Vinte contos
A equipa regressava a Portugal vencida mas não convencida. E Anselmo Fernandez, que rendera Gentil Cardoso no início de fevereiro, tinha a receita certa. “Cautela na defesa e cabeça fria no ataque”. Antes disso, outros fatores se conjugaram em benefício do Sporting. A entrada de Francisco Reboredo (ex-V. Setúbal e FC Porto) para a equipa técnica; o empate (2-2) na casa do campeão nacional Benfica, que deu novo estímulo à confiança; o desgaste do United, que entre as duas mãos fez seis jogos (dobro do Sporting, que propôs adiar o encontro para o dia 25); e por fim talvez algum “sentimento de superioridade e dose elevada de narcisismo” dos ingleses, identificada por Francisco Camilo, na crónica de Record. Mário Cunha, à data chefe do departamento de futebol verde e branco, acrescentou a última dose de motivação. “Na altura ganhávamos 2 contos e 500 por mês. Ele foi ao balneário e prometeu 20 contos a cada um se ganhássemos. Talvez não acreditasse, mas cumpriu a promessa”, conta Hilário.
Alucinante
Não foi, naturalmente, por isso que o Sporting ganhou, até porque o jogo esteve perto de tomar um rumo diferente, depois de Osvaldo Silva bisar na primeira parte (aos 3’ na cobrança de um penálti e aos 12’ após boa jogada de Mascarenhas e Morais). Tudo poderia ter sido realmente diferente se Denis Law não tivesse acertado no... poste, com Carvalho fora das redes, instantes depois de ter sido anulado um golo a Mascarenhas! Mas a sorte protegeu os audazes, e a seguir ao intervalo a cavalgada leonina tornou-se imparável. Alvalade testemunhou, então, sete minutos verdadeiramente alucinantes: Geo elevou para 3-0 aos 47’, Morais fez o 4-0 aos 52’ (servido por Osvaldo) e Osvaldo Silva (quem mais?) fechou a contagem aos 54’.
“Para mim foi a melhor exibição de todos os tempos de qualquer equipa leonina”, defende Pedro Gomes. “Foram cinco, mas podiam ter sido seis ou sete”, considera José Carlos, outro dos titulares nessa partida. Law ficou rendido: “O Sporting foi impressionante”. Best também: “Osvaldo é um jogador admirável”. E Charlton não destoou: “Venceu a melhor equipa.”
Curiosidades
A goleada avassaladora do Sporting continua gravada na história do adversário. Cinquenta anos depois, o 0-5 de Alvalade é ainda a maior derrota sofrida fora de casa pelo Manchester United nas provas europeias
Para preparar o jogo com o United, na sequência de um dérbi no Estádio da Luz (2-2), a equipa ficou concentrada no Centro de Estágio de Alvalade. Pelo meio, houve tempo para descontrair com uma ida ao Cinema Condes para ver o filme “O Tesouro da Serra Madre”
No dia seguinte ao 5-0, Sporting e Manchester United juntaram-se num banquete de confraternização em Seteais. O capitão Fernando Mendes sugeriu que se mudasse o nome de Sete...ais para Cinco...ais!