O SPORTING-BELENENSES, de sábado, começou já a ser vivido por três homens que, no seu passado, na sua história, têm muitos pontos em comum: todos foram campeões nacionais pelos leões, todos jogaram no Atlético, Belenenses e Sporting e... todos, também, na sua profissão extrafutebol até que o profissionalismo os prendeu, tiveram o mar como modo de vida! Nogueira e Esmoriz trabalhavam na dureza da estiva e Baltazar era pescador. Tempos passados. Difíceis, obviamente.

Juntámo-los à mesa de um restaurante. Para falar do Sporting-Belenenses, naturalmente. No dia em que Augusto Inácio deixou de ser, voltou a ser e... voltou a deixar de ser (!!!) o treinador principal dos leões. Com todos estes ingredientes naturalmente pouco estabilizadores do espírito dos jogadores, lançámos para a mesa a interrogação pertinente: nesta altura, qual será o favorito?

NOGUEIRA - No futebol de hoje não há favoritos. É dentro de campo que esse pormenor se revela. Quem lutar mais, quem jogar mais, ganhará o jogo.

Se, teoricamente, o Sporting possa ser o favorito, o Belenenses poderá causar uma surpresa, pelo modo como tem vindo a jogar, pela entrega total dos seus jogadores que não se cansam de lutar pelo resultado, seja com que adversário for.

Tenho a certeza de que irá ser um grande jogo de futebol. Se o Sporting assumir o jogo desde o início e não der sinais de perturbação pela mudança de treinador e por toda a semana de turbulência que viveu, tem todas as condições para vencer.

Mas atenção ao adversário que pode aproveitar uma possível quebra psíquica do Sporting...!”

BALTAZAR - Neste momento o Belenenses poderá fazer a vida cara ao Sporting. Não irá ser um jogo fácil, de forma nenhuma. O campeonato tem provado que o Belenenses está a praticar bom futebol, é uma equipa coesa, mas o Sporting joga em casa, tem um plantel de muita qualidade e não acredito que possa surgir um resultado surpresa.

Tudo isto, no entanto, sem deixar de vincar que a atitude que as equipas tiverem dentro de campo será determinante para se atingir a vitória.

O Sporting vem de uma derrota algo pesada, os seus jogadores poderão estar um bocado desmotivados, mas não acredito que possa haver um resultado-surpresa. É uma incógnita a reacção dos jogadores e até poderá funcionar positivamente, a quererem mostrar à sua massa associativa que o resultado da Luz foi um mero acidente de percurso. Com este raciocínio arrisco uma vitória do Sporting.

Às vezes as mudanças podem melhorar mas... também podem piorar! Em valores individuais o Sporting tem mais poder, mas não é por aí que se ganham os jogos. A força colectiva é que conta e dentro do campo!”

ESMORIZ - Estou de acordo com o que o Baltazar disse. O Sporting, apesar de uma semana agitada, é favorito. Pelo valor do seu plantel, pelo brio dos seus profissionais, pela sua experiência, conseguirá vencer.

Contudo, não nos podemos esquecer do grande campeonato que o Belenenses está a fazer e, por isso, há que contar com um adversário motivado, moralizado e desejoso de fazer história.

No entanto - e sem me repetir - o Sporting tem soluções para dar a volta por cima e vencer. Há que contar, ainda, com a vontade dos seus jogadores em querer demonstrar a tudo e todos a sua capacidade e, se o espírito de grupo funcionar, a vitória ficará em casa!

O facto de ter havido uma mudança de técnico, na época passada isso também aconteceu e acabou por conquistar o título. Tenho muita pena que o Inácio tenha saído. É das tais injustiças em que o futebol é fértil.

Voltando ao derby, mesmo tendo em conta a boa campanha do Belenenses, o facto de ter um excelente treinador que conhece muito bem o futebol português, reafirmo que o favorito é o Sporting. Tem é de justificar esse favoritismo. Não podem lembrar-se, no campo, da “facada” que levaram. Julgo que ultrapassarão este problema e mais do que nunca quererão ganhar para oferecer a vitória ao Inácio.

RECORD - Uma derrota afastaria o Sporting dos lugares do topo...

ESMORIZ - O campeonato é longo, é uma maratona e ainda só se correram dez quilómetros. Claro que isto não pretende dizer que uma eventual derrota não complicasse - e muito - o desejo de revalidar o título. No mínimo deixaria marcas profundas, feridas abertas.

O Sporting quer ganhar o campeonato e não pode perder mais pontos. Mas penso que não acontecerá nada disso. Não nos podemos esquecer de que no plantel do Sporting há oito internacionais “A” e nestes momentos, a sua experiência e capacidade, faz a diferença.

NOGUEIRA - É uma pena o Inácio não continuar à frente da equipa. Foi uma decisão má. Saiu mal. Quem serviu o clube como ele, sendo campeão com muito mérito, não poderia ser tratado como foi, ainda por cima a dias de um jogo muito difícil.

Se analisarmos bem as coisas, este campeonato está mais competitivo, já não há o fosso de antigamente entre os três grandes e os outros. Quem pensar que isso ainda existe, não está a par do futebol de hoje.

Cada jogo é uma caixa de surpresas e este, com o Belenenses, pelas tradições que encerra, é um deles. Perguntou se uma derrota complicaria as coisas. É evidente que é sempre mau perder, mas não acredito que isso aconteça. A saída do Inácio de certeza que deu uma forte chicotada no plantel, principalmente pelo abalo provocado no espírito de grupo que era visível existir. Por experiência própria, sei que quem for escalado para jogar cerrará os dentes para vencer, não dando dar azo a mais instabilidade.

Não deixo de dizer que, a meu ver, o Sporting precisa de equilibrar o seu plantel, falta-lhe um ponta-de-lança. É uma situação para os dirigentes analisarem cuidadosamente. Mas, no imediato, há soluções. Uma coisa é inquestionável: ninguém mais do que jogadores quer vencer. Já passámos por lá e sabemos bem que é assim.

R - Faltam golos...

N - Pois faltam. Admiro muito o Acosta. É um grande profissional. No entanto, sozinho, não pode resolver todos os problemas. Julgo que é a grande lacuna.

“Inácio não teve apoio!”

Mais do que na importância do resultado, a expectativa está toda voltada para o que poderá mostrar esta equipa sem Augusto Inácio no banco. Notar-se-ão os reflexos de uma semana perfeitamente “louca”? Que influencia poderá ter uma situação destas no espírito dos jogadores?

BALTAZAR - É sempre difícil. Na altura em que os jogadores estão empenhados em recuperar de um ou outro resultado menos bom e surgem mudanças, tudo se complica mais. Neste momento será prejudicial esta mudança.

O Inácio precisava ser mais apoiado do que aquilo que foi. Já viu a atitude do FC Porto? As derrotas sofridas não retiraram o mínimo de apoio ao Fernando Santos. Porque será diferente no Sporting? Na altura em que era necessário dar-lhe mais força, mais solidariedade, mandaram-no embora.

O Inácio mostrou bem o treinador que é. Se a equipa baixou de rendimento? Mas isso é normal. Digo o que penso, apenas. Mais: estamos a quinze dias de uma paragem do campeonato e substituir um treinador numa altura destas, nas vésperas de um jogo complicado - pelo valor do Belenenses e pelo campeonato que tem vindo a fazer - é uma decisão arriscada!

Não tenho grandes dúvidas de que o Belenenses, nesta temporada, pelo que tem mostrado, ficará num lugar honroso. Joga para ganhar. Veremos como reagirão os jogadores do Sporting. Continuo a dar-lhes favoritismo, mas terão de dar tudo para ganhar.

ESMORIZ - Este jogo, pelas suas características, é diferente de todos os outros. É um “derby” de Lisboa, com a particularidade de o Belenenses ter a sina de fazer sempre bons resultados em Alvalade. Até parece que me estou a contradizer, mas não. O Sporting tem tudo para poder vencer, mas não poderá esperar que a vitória caia do céu. Terá de se esfarrapar todo, lutar pelo resultado - como no nosso tempo -, nunca esquecendo de que tem pela frente um adversário de muito valor, que sabe o que quer e como quer.

Todos os jogadores gostam de estar nestes encontros. Vivemos isso nos dois lados e quer no Belenenses, quer no Sporting, cada vez que nos preparávamos, sentíamos algo de diferente. Mais motivação, maior desejo de que tudo saísse bem. Hoje, nada será diferente.

R - Um Sporting, ainda por cima, sem algumas “pedras” titulares...

E - Isso não é desculpa. O Sporting tem um plantel de 30 jogadores e, para as posições do Beto e do Pedro Barbosa, não faltam soluções.

** O SPORTING tem de ganhar o jogo. Daqui não podem fugir, quem subir ao relvado de verde vestido. É Esmoriz quem deixa o recado “Há situações que não deixam muitas alternativas e o Sporting vive, neste momento, uma dessas: ou ganha e tudo se poderá ultrapassar, ou não ganha e mais problemas surgirão.

** TREINOS depois do trabalho. Outros tempos. Esmoriz conta: Tinha 17 anos e jogava na 1ª Divisão, pelo Atlético. Ganhava 600 escudos. Mas para ter mais algum dinheiro, trabalhávamos durante o dia, na estiva, e às 17 horas saíamos e íamos treinar. Depois de muitas sacas “alancadas” às costas. E deixe-me dizer-lhe uma coisa: há melhores condições de trabalho, mas, em valores individuais, não há melhor do que no nosso tempo.

** PALPITES... “só no fim do jogo”! Quem vai ganhar? Depois de muita insistência, lá vieram as “apostas”:

Nogueira - Gostava que ganhassem os dois. Não pode ser... que seja o Sporting!

Baltazar - Estou como o Nogueira. Mas pelo momento que vivem as duas equipas, ganha a que cometer menos erros.

Esmoriz - Gosto muito do Belenenses mas fui campeão no Sporting. Não disse que o Sporting era favorito? Que ganhe o melhor e que seja o Sporting!

Nas memórias uma vitória azul por 2-1...

As memórias do tempo... Nogueira, de dedo em riste, reage às indicações de Esmoriz e Baltasar, sobre as datas do jogo. “Eu é que sei”... e sabia mesmo. O “derby” que melhores recordações deixou...

Nogueira - No ano em que estive no Belenenses mais os meus “sócios”, em que ganhámos 2-1 depois de ter ido empatar à Madeira. Por acaso, nessa época, o Sporting foi campeão. Foi em 79/80. Fizemos um grande campeonato, acabando por ficar em 5º lugar muito por culpa de uma derrota, no último jogo, em casa, com o Vitória de Guimarães, por 4-1. Foi uma temporada em que os dois jogos com o Sporting - em Alvalade e no Restelo - foram excelentes espectáculos.

Baltasar - Em 81/82 - com o Sporting, também a conseguir ser campeão nacional - eu estava no Belenenses e o Nogueira e o Esmoriz no Sporting. Foi um jogo que me marcou porque... acabei como guarda-redes. Nos derradeiros 12 minutos - depois de três expulsões - mandaram-me para a baliza e... ainda tive tempo de fazer uma defesa. A bola veio direita a mim... Empatámos 2-2 e, por ser verdade o digo, o Belenenses, treinado pelo Artur Jorge, foi muito prejudicado!

Nogueira - No Belenenses, nunca perdi contra o Sporting, em casa. Se calhar o Sporting tinha “malapata” quando jogava contra uma equipa onde eu estivesse.

Esmoriz - Todos os jogos me deixaram boas recordações. No meu tempo jogava-se por amor à camisola, por isso...

Corações «verdes»

Pronto: digam lá, do fundo da alma, se o coração está dividido ou se, enfim, ao longo das carreiras, o verde marcou mais do que o azul?

Nogueira - Namorei muitos anos com o Belenenses - era do Belenenses desde que me conhecia - mas quando entrei para o Sporting, naquela época, marcou-me muito. Estive três anos nesse grande clube e... ainda hoje sinto o “ferrete” verde! Casei com o Sporting. Vivi lá um ambiente extraordinário, de pessoas educadas que me ajudaram a ser mais homem.

Baltasar - Vivi a mística dos dois clubes e em ambos senti uma grande paixão. Não posso esconder que gosto muito do Belenenses, mas... o coração “fala” verde. Sem sombra de dúvida!

Esmoriz - Estou como eles: namorei com o Belenenses e casei com o Sporting. Julgo que quem passou pelo Sporting, na nossa altura, ficou marcado por tudo o que lhe foi proporcionado.